“A matéria discutida no âmbito da ação de dissolução (parcial) da sociedade é estrita e eminentemente societária. Diz respeito aos interesses dos sócios remanescentes; dos sucessores do falecido, que podem ou não ingressar na sociedade na condição de sócio; e, principalmente, da sociedade. Logo, os direitos e interesses, nessa seara, discutidos, ainda que adquiridos por sucessão, são exclusivamente societários e, como tal, disponíveis por natureza.”
O entendimento foi aplicado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento de recurso especial decorrente de ação de dissolução parcial de sociedade combinada com apuração de haveres, interposto pelo espólio de um dos sócios.
Para o espólio recorrente, a competência para o julgamento da ação de dissolução parcial da sociedade seria da Justiça estadual, e não do juízo arbitral, em razão de a demanda tratar de direito sucessório e, como tal, indisponível a afastar, a seu juízo, a arbitralidade do litígio.
Cláusula compromissória
Em primeira instância, o processo foi extinto sem resolução de mérito sob o fundamento de não estar sendo discutido na ação o direito dos herdeiros aos bens dispostos na sociedade, mas questões relacionadas ao direito societário e patrimonial das partes, que não guardam nenhuma relação com o direito das sucessões.
O juízo destacou ainda que, mesmo que a questão fosse relacionada a direito sucessório, o espólio deveria procurar as vias judiciais apenas se comprovado que tal autorização lhe foi negada pelo juízo arbitral. A decisão foi mantida no recurso de apelação.
No STJ, o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, não verificou nenhuma ilegalidade na decisão que justificasse a intervenção do STJ. Segundo ele, “a matéria discutida no âmbito da ação de dissolução parcial de sociedade, destinada a definir, em última análise, a subsistência da pessoa jurídica e a composição do quadro societário, relaciona-se diretamente com o pacto social e, como tal, encontra-se abarcada pela cláusula compromissória arbitral”.
Deliberações sociais
O ministro explicou ainda que a condição do espólio de titular da participação societária do sócio falecido, ainda que não lhe confira, de imediato, a condição de sócio, não permite margem de escolha para não seguir, como um todo, o conjunto de regras societárias que estão diretamente relacionadas com o pacto social.
“Enquanto não concluída a ação de dissolução parcial, com a exclusão, em definitivo, da participação societária do sócio falecido, os sucessores, representados, em regra, pelo espólio, hão de observar detidamente, para efeitos societários, o contrato social e as deliberações sociais”, disse o ministro.
“Estabelecida no contrato social a cláusula compromissória arbitral”, acrescentou Bellizze, “seus efeitos são, necessariamente, estendidos à sociedade, aos sócios — sejam atuais ou futuros —, bem como aos sucessores da quota social do sócio falecido, até que ingressem na sociedade na qualidade de sócios ou até que efetivem a dissolução parcial de sociedade, a fim de excluir, em definitivo, a participação societária daquele.”
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE CUMULADA COM APURAÇÃO DE HAVERES EM VIRTUDE DA MORTE DE SÓCIO E AUSÊNCIA DE AFFECTIO SOCIETATIS ENTRE O SÓCIO REMANESCENTE E OS SUCESSORES DA PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA. ESTABELECIMENTO, NO CONTRATO SOCIAL, DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL. 1. ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DE SE ARBITRAR DIREITOS INDISPONÍVEIS (DIREITO À SUCESSÃO). INSUBSISTÊNCIA. QUESTÃO EXCLUSIVAMENTE SOCIETÁRIA, PASSÍVEL DE SER SUBMETIDA À ARBITRAGEM. 2. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL INSERTA NO CONTRATO SOCIAL POR OCASIÃO DA CONSTITUIÇÃO DA SOCIEDADE. PRETENSÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DA SOCIEDADE. REPERCUSSÃO DIRETA NO PACTO SOCIAL. VERIFICAÇÃO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ARBITRAL. RECONHECIMENTO. 3. EXTENSÃO SUBJETIVA DOS EFEITOS DO COMPROMISSO ARBITRAL. VINCULAÇÃO DA SOCIEDADE, DOS SÓCIOS, ATUAIS E FUTUROS, ASSIM COMO DOS SUCESSORES DA PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA, ATÉ QUE INGRESSEM NA SOCIEDADE NA CONDIÇÃO DE SÓCIO OU ATÉ QUE EFETIVEM, EM DEFINITIVO, A EXCLUSÃO DE SUA QUOTA SOCIAL. 4. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.1. A ação de dissolução (parcial) de sociedade tem por propósito dirimir o conflito de interesses existente entre os sucessores do sócio falecido que não desejam ingressar na sociedade ou do sócio remanescente, em sociedade de pessoas, que, por alguma razão, objetiva obstar o ingresso dos sucessores do sócio falecido na sociedade. Diz respeito aos interesses dos sócios remanescentes; dos sucessores do falecido, que podem ou não ingressar na sociedade na condição de sócio; e, principalmente da sociedade. Os direitos e interesses, nessa seara, discutidos, ainda que adquiridos por sucessão, são exclusivamente societários e, como tal, disponíveis por natureza. Não constitui, portanto, objeto da ação em comento o direito à sucessão da participação societária, de titularidade dos herdeiros, que se dá, naturalmente, no bojo de ação de inventário e partilha. A indisponibilidade do direito atrela-se a aspectos inerentes à personalidade de seu titular (no caso, do sócio falecido), do que, no caso, a toda evidência, não se cogita.1.1 Os direitos e interesses discutidos na ação de dissolução parcial de sociedade são exclusivamente societários e, como tal, sujeitos à arbitralidade, de modo a não atrair a incidência do art. 1º, caput, da Lei n. 9.307⁄1996.2. Estabeleceu-se, no contrato social da sociedade recorrida, cláusula compromissória arbitral, segundo a qual todos os conflitos afetos a questões societárias que repercutam essencialmente no pacto social, envolvendo os sócios entre si e entre estes e a sociedade, estão sujeitos à análise do Juízo arbitral. Encontram-se, assim, submetidos à arbitragem todos os conflitos de interesses que se relacionam com a própria existência da sociedade e, como tal, produzam reflexos na consecução dos objetos sociais, na administração da sociedade e na gestão de seus negócios, e, ainda, no equilíbrio e na estabilidade das relações societárias.2.1 Sob o aspecto objeto, ressai clarividente que a matéria discutida no âmbito da ação de dissolução parcial de sociedade, destinada a definir, em última análise, a subsistência da pessoa jurídica e a composição do quadro societário, relaciona-se diretamente com o pacto social e, como tal, encontra-se abarcada pela cláusula compromissória arbitral.3. A cláusula compromissória arbitral, inserta no contrato social por ocasião da constituição da sociedade, como in casu, ou posteriormente, respeitado o quórum legal para tanto, sujeita a sociedade e a todos os sócios, atuais e futuros, tenham estes concordado ou não com tal disposição, na medida em que a vinculação dos sócios ao conjunto de normas societárias (em especial, do contrato social) dá-se de modo unitário e preponderante sobre a vontade individual eventualmente dissonante.3.1 Se ao sócio não é dado afastar-se das regras e disposições societárias, em especial, do contrato social, aos sucessores de sua participação societária, pela mesma razão, não é permitido delas se apartar, sob pena de se comprometer os fins sociais assentados no contrato e a vontade coletiva dos sócios, representada pelas deliberações da sociedade.3.2 A condição de titular da participação societária do sócio falecido, ainda que não lhe confira, de imediato, a condição de sócio (já que poderá, inclusive, intentar a exclusão, em definitivo, desta, por meio da dissolução parcial da sociedade), não lhe confere margem de escolha para não seguir, como um todo, o conjunto de regras societárias (em especial, do contrato social), notadamente no tocante ao destino da participação societária sucedida, que, como visto, em tudo se relaciona com o pacto social.4. Recurso especial improvido.
Leia o acórdão.