Decisão garante medicamento a portadora de fibrose pulmonar

Aprovado pela Anvisa em 2015, remédio ainda não foi disponibilizado pelo SUS 

A Quarta Turma do Tribunal Regional Federal (TRF3) manteve sentença que determinou à União fornecer o medicamento Ofev (Nintedanibe) a uma portadora de fibrose pulmonar idiopática. O remédio não está disponível na lista do Sistema Único de Saúde (SUS).

Os magistrados seguiram entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que ficou comprovada a necessidade da medicação, a hipossuficiência e a existência de registro do remédio junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Ao analisar o caso, a desembargadora federal Marli Ferreira, relatora do processo, ponderou que compete ao Estado assegurar a saúde e resguardar a garantia constitucional de acesso universal e igualitário.

“Por ser um direito de todos, tais ações, em regra, não admitem que políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças sejam voltadas para o direito específico de um indivíduo. No entanto, surgem situações imprevisíveis que obrigam o Poder Público a uma mudança de rumos, como na presente hipótese”, destacou.

A mulher é portadora de fibrose pulmonar idiopática, doença rara, crônica e progressiva, caracterizada pela formação de excessivo pulmonar, por meio de cicatrizes que engrossam as paredes e prejudicam a elasticidade e a troca gasosa.

“A autora apresenta de forma tardia a patologia e atualmente sofre com o enfraquecimento muscular progressivo e a elevada dificuldade para respirar, levando a dificuldades para desenvolver qualquer atividade”, destacou a magistrada.

Conforme o processo, o tratamento prescrito pelo médico consiste na utilização do Ofev (Nintedanibe). O medicamento atua contra a progressão da enfermidade e tem capacidade de reduzir o declínio da função pulmonar, impedindo a multiplicação das células que causam a fibrose contínua. Com isso, a formação das cicatrizes é desacelerada e há preservação da parte sadia do pulmão.

“Cumpre destacar que o medicamento em questão foi aprovado pelo Food and Drug Administration (FDA) em 2014 e pela Anvisa em 2015, contudo não foi incorporado à lista de medicamentos disponibilizados pelo SUS”, acrescentou a  magistrada.

Em primeira instância, a 3ª Vara Federal de São Bernardo do Campo havia determinado à União fornecer o medicamento na dosagem necessária sem limitações de tempo ou quantidade. O ente público recorreu ao TRF3 alegando que o fármaco não faz parte do programa de Assistência Farmacêutica do sistema de saúde e que há oferta gratuita de outras opções terapêuticas seguras e eficazes ao tratamento da autora.

No Tribunal, a relatora pontuou que relatório médico comprovou a moléstia, bem como a necessidade da medicação como única forma de retardar a progressão da enfermidade.

“Não há como acolher eventual tese da União Federal, pois os tratamentos oferecidos pelo SUS são paliativos, sem que haja atuação para estabilizar o avanço da doença”, concluiu.

O recurso ficou assim ementado:

CONSTITUCIONAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. DIREITO À SAÚDE. FIBROSE PULMONAR IDIOPÁTICA. NINTEDANIBE (OFEV). ALTERNATIVAS OFERECIDAS PELO SUS INEFICÁCIA. RESP. 1.657.156. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EQUITATIVOS.

  1. Compete ao Estado a garantia da saúde mediante a execução de política de prevenção e assistência à saúde, com a disponibilização dos serviços públicos de atendimento à população, tendo a Constituição Federal delegado ao Poder Público competência para editar leis objetivando a regulamentação, fiscalização e controle dos serviços e ações da saúde.

  2. No caso concreto, a autora é portadora de Fibrose pulmonar idiopática – doença rara, crônica e progressiva – caracterizada pela formação de excessivo tecido pulmonar (fibrose), por meio de cicatrizes que engrossam as paredes do tecido, prejudicando a elasticidade e troca gasosa.

  3. Conforme relatado na peça exordial, a parte autora apresenta de forma tardia a patologia e atualmente sofre, principalmente, com o enfraquecimento muscular progressivo e a elevada dificuldade para respirar, levando a dificuldades para desenvolver qualquer atividade. Informa que já fez uso de Micofenolato, Ciclofosfamida e Azaioprina.

  4. O tratamento adequado prescrito pelo médico que acompanha a autora consiste na utilização do fármaco Nintedanibe (OFEV), capaz de reduzir o declínio da função pulmonar impedindo a multiplicação das células que causam a cicatrização contínua do tecido do pulmão, preservando a parte sadia do pulmão. Cumpre destacar que o medicamento em questão foi aprovado pela ANVISA em 2015, contudo não foi incorporado à lista de medicamentos disponibilizados pelo SUS.

  5. Corroborando com o posicionamento de que o medicamento é eficaz no tratamento da autora está a prova técnica apresentada pelo médico perito designado para o caso, que concluiu “Embasado no exame médico pericial, nos exames médicos complementares, na atividade exercida, analisados à luz da literatura médica e de acordo com a legislação vigente, constatamos que a autora é portadora de fibrose pulmonar e há indicação para uso da medicação solicitada.”

  6. Diante de impasses acerca do fornecimento de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS, o Poder Judiciário passou a ser acionado para resolver os conflito. Após vários recursos repetitivos, o E. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.657.156/RJ, estabeleceu a observância de três requisitos para o deferimento do pleito envolvendo esses medicamentos, que são: 1) a demonstração da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento no tratamento por meio de laudo médico circunstanciado e fundamentado, expedido por médico que assiste o paciente e, ainda, a ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; 2) a comprovação da hipossuficiência daquele que requer o medicamento; 3) o medicamento pretendido já tenha sido aprovado pela ANVISA.

  7. Compulsando os autos, infere-se, pois, existência de prova da moléstia por meio do relatório médico, bem como da necessidade do tratamento como a única forma capaz de reverter o quadro, conferindo ao apelado um mecanismo para retardar a progressão da doença. Em contrapartida, não há como acolher eventual tese de defesa da União Federal, pois os tratamentos oferecidos pelo SUS são paliativos, sem que haja atuação para estabilizar o avanço da doença.

  8. Não é possível acolher a alegação de violação da separação dos poderes porque a concretização dos direitos fundamentais não pode ficar condicionada à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue como órgão “controlador” da atividade administrativa.

  9. Seria inconcebível admitir que o Princípio da Separação dos Poderes, originalmente concebido visando à garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado como escudo à realização desses direitos. É obrigação do Estado zelar pela saúde de todos, mas também pela de cada um dos indivíduos do país.

  10. Honorários advocatícios fixados de forma equitativa, nos termos do art. 85, § 8°, CPC, em razão da causa ser de valor inestimável objetivando o direito à saúde e à vida.

  11. Medidas de contracautela aplicadas.

  12. Apelação e remessa necessária providas em parte apenas para fixação de honorários advocatícios de forma equitativa.

Assim, por unanimidade, a Quarta Turma confirmou sentença e manteve a autorização de acesso ao medicamento.

Apelação/Remessa Necessária 5001983-80.2021.4.03.6114

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