Carteiro que sofreu acidente de moto no trabalho receberá indenização

A atividade foi considerada de risco pelos julgadores.

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) a pagar R$ 40 mil de indenização a um carteiro motociclista de Magé (RJ) por acidente de trabalho. Segundo o colegiado, trata-se de atividade de risco, acarretando a responsabilidade civil da empregadora sem que a culpa precise ser comprovada.

Intervenção cirúrgica

O acidente ocorreu quando o empregado retornava ao local de trabalho após fazer uma entrega domiciliar e teve sua moto atingida por um veículo que cruzou a pista. Ele contou na ação trabalhista que teve de passar por intervenção cirúrgica para reconstrução de ligamento, ficando 60 dias com a perna e o braço imobilizados. O acidente o deixou inapto para o trabalho.

Sem culpa

A ECT argumentou que o dano ocorrera fora do ambiente controlado da empresa, no deslocamento entre dois municípios, e seria necessário comprovar sua conduta culposa para deferir a indenização.

Indenização

Em agosto de 2018, a 69ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro condenou a ECT por danos morais e materiais no valor de R$ 40 mil por entender que o acidente era decorrente do exercício do trabalho, que demandava entrega de correspondência com a utilização de veículo de propriedade dos Correios.

Responsabilidade

Contudo, a sentença foi reformada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ), que aplicou ao caso a responsabilidade subjetiva (na qual deve ser comprovada a culpa da empresa). Segundo o TRT a aplicação da responsabilidade objetiva no campo das relações de trabalho, com a ampliação exacerbada do risco do negócio, acabaria por inviabilizar o próprio exercício da atividade empresarial.

Riscos acentuados

No TST, o entendimento foi outro. De acordo com o ministro Mauricio Godinho Delgado, relator do recurso do carteiro, a situação autoriza a responsabilização objetiva da empresa com base na teoria do risco, em que o dono do negócio responde pelos riscos ou pelos perigos que a atividade promova.

Segundo ele, não há dúvida de que a atividade desenvolvida por meio de motocicleta expõe o trabalhador a riscos mais acentuados do que aquele a que se submete a coletividade. “Em tais atividades, o empregado desloca-se de um ponto a outro pelas ruas da cidade, o que potencializa o risco de acidentes provenientes do trânsito”, acrescentou.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. ACIDENTE DO TRABALHO. MOTOCICLISTA. ATIVIDADE DE RISCO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DA EMPREGADORA. O pleito de indenização por dano moral e material resultante de acidente do trabalho e/ou doença profissional ou ocupacional supõe a presença de três requisitos: a) ocorrência do fato deflagrador do dano ou do próprio dano, que se constata pelo fato da doença ou do acidente, os quais, por si sós, agridem o patrimônio moral e emocional da pessoa trabalhadora (nesse sentido, o dano moral, em tais casos, verifica-se pela própria circunstância da ocorrência do malefício físico ou psíquico); b) nexo causal, que se evidencia pelo fato de o malefício ter ocorrido em face das condições laborativas; c) culpa empresarial. Embora não se possa presumir a culpa em diversos casos de dano moral – em que a culpa tem de ser provada pelo autor da ação -, tratando-se de doença ocupacional, profissional ou de acidente do trabalho, essa culpa é presumida, em virtude de o empregador ter o controle e a direção sobre a estrutura, a dinâmica, a gestão e a operação do estabelecimento em que ocorreu o malefício. Pontue-se que tanto a higidez física como a mental, inclusive emocional, do ser humano são bens fundamentais de sua vida, privada e pública, de sua intimidade, de sua autoestima e afirmação social e, nessa medida, também de sua honra. São bens, portanto, inquestionavelmente tutelados, regra geral, pela Constituição (art. 5º, V e X). Agredidos em face de circunstâncias laborativas, passam a merecer tutela ainda mais forte e específica da Carta Magna, que se agrega à genérica anterior (art. 7º, XXVIII, CF/88). A regra geral do ordenamento jurídico, no tocante à responsabilidade civil do autor do dano, mantém-se com a noção da responsabilidade subjetiva (arts. 186 e 927, caput, CC). Contudo, tratando-se de atividade empresarial, ou de dinâmica laborativa (independentemente da atividade da empresa), fixadoras de risco para os trabalhadores envolvidos, desponta a exceção ressaltada pelo parágrafo único do art. 927 do Código Civil, tornando objetiva a responsabilidade empresarial por danos acidentários (responsabilidade em face do risco). No caso concreto , a partir dos elementos fáticos consignados na decisão recorrida, ficaram comprovados o dano e o nexo de causalidade entre o acidente de trabalho e a atividade desenvolvida pelo empregado (carteiro motociclista). Nesse contexto, e ao contrário do entendimento adotado pela Corte de origem, a controvérsia deve ser examinada sob o enfoque da responsabilidade objetiva da empregadora , ante o risco acentuado a que estava exposto o Reclamante (art. 927, parágrafo único, do CC c/c art. 7º, caput , da CF). Não há dúvida de que a atividade desenvolvida por meio de motocicleta, com a anuência da empregadora , expõe o trabalhador a riscos mais acentuados do que aquele a que se submete a coletividade. No exercício de tais atividades, o empregado desloca-se de um ponto a outro pelas ruas da cidade, o que potencializa o risco de acidentes provenientes do trânsito. Releva agregar a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em 12/03/2020, em regime de repercussão geral, de Relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, no julgamento do Recurso Extraordinário nº RE 828.040, no sentido de reconhecer a constitucionalidade (à luz do art. 7º, XXVIII, da Lei Maior) da responsabilização civil objetiva do empregador no caso de acidente de trabalho, nos moldes previstos no art. 927, parágrafo único, do Código Civil – pontuando-se que o respectivo acórdão foi publicado em 26/06/2020. Recurso de revista conhecido e provido.

A decisão foi unânime.

Processo: RR-100098-35.2017.5.01.0069

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