Sexta Turma rejeita fundamento de registro inaudível de provas e afasta nulidade de sessão do júri

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a recurso especial do Ministério Público e, por unanimidade, reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que havia anulado uma sessão do tribunal do júri por concluir que a mídia de gravação das provas produzidas durante o julgamento estava inaudível.

Para a turma, não houve demonstração de prejuízo em virtude do possível defeito na gravação do DVD, inclusive porque o réu e seus defensores estavam presentes à audiência e, portanto, conheciam o teor das gravações.

Em análise de apelação criminal, o TJMG determinou de ofício que os réus fossem submetidos a novo julgamento perante o tribunal do júri em razão da baixa qualidade da gravação dos depoimentos das testemunhas e dos próprios acusados. Para a corte de segunda instância, a impossibilidade de escuta das provas produzidas impossibilitaria a análise das teses sustentadas na apelação – entre elas, a de que a condenação seria contrária ao acervo probatório.

Por meio de recurso especial, o Ministério Público alegou que, embora a gravação não apresente áudio de boa qualidade, é possível compreender a maior parte do seu conteúdo. De acordo com o órgão ministerial, transcrições das gravações por empresa especializada foram anexadas aos autos por meio de embargos declaratórios, mas o TJMG determinou o desentranhamento desses registros.

Ainda segundo o MP, nem mesmo as defesas dos réus mencionaram a suposta deficiência da mídia de gravação, limitando-se a discutir os aspectos da condenação no recurso.

Situação peculiar

No julgamento do recurso especial, o relator, ministro Sebastião Reis Júnior, apontou que o STJ, em interpretação do artigo 231 do Código de Processo Penal (CPP), vem aceitando a juntada de documentos em qualquer fase processual, admitindo-se a possibilidade de indeferimento, pelo juiz, nos casos em que os documentos tenham caráter meramente protelatório ou tumultuário.

“Na espécie, é evidente que o documento apresentado pelo Ministério Público não possui natureza protelatória ou tumultuária; longe disso, os autos evidenciam situação peculiar, qual seja, a demonstração de que, apesar da baixa qualidade da gravação da sessão de julgamento, por conta do baixo volume do áudio, a mídia apresenta compreensão das declarações, tanto que o seu conteúdo foi objeto de degravação por empresa especializada, contratada às expensas do próprio representante do Ministério Público”, apontou o ministro.

Em relação à impossibilidade de declaração de nulidade absoluta no caso em exame, o relator destacou que o artigo 405 do CPP permite o registro das provas em mídia eletrônica sem necessidade de transcrição. Nesses casos, eventual prejuízo deve ser suscitado e comprovado no momento oportuno, já que ensejaria nulidade de natureza relativa – o que, segundo o ministro, não ocorreu na hipótese discutida no processo.

“No caso dos autos, considero não ter havido demonstração de prejuízo decorrente do possível defeito na gravação da sessão de julgamento, por conta do baixo volume do áudio, uma vez que o réu e seus defensores estiveram presentes em audiência, sendo conhecedores do teor das mídias juntadas aos autos, não sendo a condenação suficiente para demonstrar a existência de prejuízo”, concluiu o ministro ao afastar a nulidade da sessão do júri.

O recurso ficou assim ementado:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIOS QUALIFICADOS TENTADOS. TRIBUNAL DO JÚRI. NULIDADE RECONHECIDA DE OFÍCIO PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MÍDIA DIGITAL. VOLUME DO ÁUDIO. SESSÃO DE JULGAMENTO. ART. 231 DO CPP. TRANSCRIÇÃO DA MÍDIA PRODUZIDA ESPONTANEAMENTE PELA ACUSAÇÃO JUNTADA AOS AUTOS. POSSIBILIDADE. DOCUMENTO QUE NÃO POSSUI CARÁTER PROTELATÓRIO OU TUMULTUÁRIO. CELERIDADE E EFETIVIDADE AO PROCESSAMENTO DO FEITO. PRECEDENTES. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO PELAS PARTES. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CARACTERIZADO. 1. O Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar o preceito contido no art. 231 do Código de Processo Penal, firmou em diversas oportunidades a orientação de que o pedido de juntada de documentos é permitido em qualquer fase processual, cabendo ao magistrado indeferir a providência caso tenha caráter irrelevante, protelatório ou tumultuário, nos termos do art. 400, § 1º, do Código de Processo Penal.
2. Na hipótese, o documento apresentado pelo Ministério Público não possui natureza protelatória ou tumultuária; longe disso, os autos evidenciam situação peculiar, qual seja, a demonstração de que, apesar da baixa qualidade da gravação da sessão de julgamento, por conta do baixo volume do áudio, a mídia apresenta compreensão das declarações, tanto que o seu conteúdo foi objeto de degravação por empresa especializada, contratada às expensas do próprio representante do Ministério Público. 3. Busca-se, no processo penal, a verdade real, cabendo ao Juiz ir ao encontro de todos os elementos que possam retratar a realidade dos fatos, com adoção de meios ou providências que garantam a celeridade de sua tramitação e a razoável duração do processo, compreendendo-se as facilidades tecnológicas atualmente disponíveis, ainda que promovidas por uma das partes interessadas.
4. O princípio do pas de nullité sans grief exige, em regra, a demonstração de prejuízo concreto à parte, podendo ser ela tanto a nulidade absoluta quanto a relativa. Precedentes.
5. Extrai-se dos autos que os réus e seus defensores não cogitaram a existência de vícios na sessão de julgamento do Tribunal do Júri, nem na ata de julgamento ou mesmo em seus recursos de apelação, sendo o caso de aplicação do princípio do pas de nullité sans grief.
6. Recurso especial provido para afastar a nulidade da sessão de julgamento do Tribunal do Júri, cabendo ao Tribunal a quo determinar a juntada aos autos da documentação apresentada pelo Ministério Público, abrindo-se vistas às partes, para fins do contraditório e da ampla defesa, prosseguindo na análise das manifestações e do recurso de apelação, como entender de direito.

Com a decisão, o TJMG deverá determinar a juntada da documentação apresentada pelo MP, com o prosseguimento da análise do recurso de apelação.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1719933

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