Nos contratos de compra e venda de imóveis, a falta de registro da incorporação imobiliária não compromete os direitos transferidos ao promissário comprador, os quais podem ter efeitos perante terceiros.
Com o entendimento de que o promissário comprador dispõe de direitos para resguardar o futuro imóvel, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de um consumidor para desconstituir a penhora incidente sobre o terreno objeto da incorporação.
No caso analisado, o consumidor assinou contrato com a construtora e, tendo havido a penhora do terreno que seria utilizado na incorporação, ingressou com embargos de terceiro na execução movida contra a empresa, com o objetivo de desconstituir a penhora. O pedido foi negado em primeira e segunda instância.
Segundo o relator do recurso no STJ, ministro Moura Ribeiro, o poder do vendedor (no caso, a construtora) de dispor sobre o bem fica limitado, mesmo que não tenha outorgado a escritura definitiva, já que está impossibilitado de oferecê-lo em garantia de dívida por ele assumida ou de gravá-lo de qualquer ônus. O direito atribuído ao promissário comprador, disse o ministro, suprime da esfera jurídica do vendedor a plenitude do domínio.
“Como consequência dessa limitação do poder de disposição sobre o imóvel já prometido, eventuais negócios conflitantes efetuados pelo promitente vendedor tendo por objeto tal imóvel devem ser tidos por ineficazes em relação aos promissários compradores, ainda que permeados pela boa-fé”, explicou.
Ausência de registro
De acordo com o ministro, a ausência do registro da incorporação não torna nulo o contrato de compra e venda. Para o relator, a desídia da construtora não gera reflexos na validade do contrato, nem na existência concreta (de fato) da própria incorporação.
Moura Ribeiro lembrou que o contrato preliminar “gera efeitos obrigacionais adjetivados que estabelecem um vínculo entre o imóvel prometido e a pessoa do promissário comprador e podem atingir terceiros”.
“Não é outra a razão pela qual este STJ vem reconhecendo que a promessa de compra e venda, ainda que não registrada, é oponível ao próprio vendedor ou a terceiros, haja vista que tal efeito não deriva da publicidade do registro, mas da própria essência do direito de há muito consagrado em lei”, afirmou o magistrado.
O recurso ficou assim ementado:
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO CPC⁄73. EMBARGOS DE TERCEIRO. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA NÃO REGISTRADO. NATUREZA JURÍDICA. EFEITOS. ALEGAÇÃO DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL AFASTADA. AUSÊNCIA DO REGISTRO DO MEMORIAL DE INCORPORAÇÃO E DEMAIS DOCUMENTOS PREVISTOS NO ART. 32 DA LEI Nº 4.591⁄1964. ÔNUS DA INCORPORADORA. NULIDADE AFASTADA. SUCUMBÊNCIA. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE.1. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC quando o tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos.2. O descumprimento, pela incorporadora, da obrigação prevista no art. 32 da Lei 4.591⁄64, consistente no registro do memorial de incorporação no Cartório de Imóveis e dos demais documentos nele arrolados, não implica a nulidade ou anulabilidade do contrato de promessa de compra e venda de unidade condominial. Precedentes.3. É da natureza da promessa de compra e venda devidamente registrada a transferência, aos adquirentes, de um direito real denominado direito do promitente comprador do imóvel (art. 1.225, VII, do CC⁄02).4. A promessa de compra e venda gera efeitos obrigacionais adjetivados, que podem atingir terceiros, não dependendo, para sua eficácia e validade, de ser formalizada em instrumento público. Precedentes.5. Mesmo que o promitente-vendedor não outorgue a escritura definitiva, não tem mais ele o poder de dispor do bem prometido em alienação. Está impossibilitado de oferecê-lo em garantia ou em dação em pagamento de dívida que assumiu ou de gravá-lo com quaisquer ônus, pois o direito atribuído ao promissário-comprador desfalca da esfera jurídica do vendedor a plenitude do domínio.6. Como consequência da limitação do poder de disposição sobre o imóvel prometido, eventuais negócios conflitantes efetuados pelo promitente-vendedor tendo por objeto o imóvel prometido podem ser tidos por ineficazes em relação aos promissários-compradores, ainda que atinjam terceiros de boa-fé.7. Recurso especial provido.
Leia o acórdão.