Precedentes qualificados, desjudicialização e soluções alternativas em um ano recordista de novos processos

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) recebeu um número recorde de processos em 2023. Em novembro, já estava superada a marca histórica de 2021, e a expectativa era que o ano fechasse com o registro de mais de 465 mil novos processos na corte.

Em meio a essa avalanche processual, ao longo do ano, o tribunal investiu na formação de precedentes qualificados, apostou na desjudicialização e incentivou as soluções alternativas de conflitos.

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Em junho, o ministro Paulo Sérgio Domingues homologou um acordo entre o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a Nestlé Brasil Ltda. para encerrar controvérsia judicial de mais de 18 anos sobre a aquisição da Chocolates Garoto. Pelo acordo, em razão da compra da Garoto, a Nestlé se comprometeu, pelo prazo de cinco anos, a não adquirir outras empresas ou ativos que, acumuladamente, representem mais de 5% do mercado brasileiro de chocolates.

Este texto apresenta uma retrospectiva dos trabalhos da Corte Especial do STJ ao longo de 2023, incluindo o julgamento de recursos repetitivos – que promovem a solução uniforme de controvérsias de massa e contribuem para reduzir o volume de processos na Justiça –, de casos de grande impacto jurídico ou social e de ações penais de competência originária do tribunal – que envolvem autoridades com foro por prerrogativa de função.

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Selic na correção de dívidas civis

Em março, o ministro Luis Felipe Salomão, relator, votou contra a utilização da taxa Selic para a correção de dívidas civis. No seu entendimento, a Selic não é adequada para ser utilizada com fins de correção monetária e juros de mora nas dívidas civis – como na indenização por danos morais, caso do recurso em julgamento.

Após pedido de vista e a apresentação de voto divergente pelo ministro Raul Araújo em junho, o julgamento foi suspenso por pedido de vista regimental do relator. O julgamento deve ser concluído em 2024.

Comprovação de feriado local

Ao julgar embargos de divergência em abril, a Corte Especial considerou válida, para efeito de comprovação de feriado local no ato de interposição do recurso, a apresentação de calendário judicial obtido nas páginas oficiais dos tribunais.

O colegiado reformou acórdão da Segunda Turma que havia rejeitado a cópia de calendário disponibilizado no site do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro como prova de feriado local. A posição da Segunda Turma divergia de entendimentos da Terceira e da Sexta Turma, que admitiam esse tipo de comprovação.

Sustentação oral no julgamento de agravos

No mês seguinte, os ministros esclareceram que não cabe sustentação oral no julgamento de agravo interno (AgInt) ou agravo regimental (AgRg) contra decisão que nega seguimento a recurso extraordinário (RE) interposto contra acórdão do STJ.

O entendimento foi proferido na análise de requerimento de sustentação oral, formulado com base no artigo 7º, parágrafo 2º-B, inciso IV, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). De acordo com o dispositivo, o oferecimento de razões orais é possível no julgamento de recurso contra decisão monocrática de relator que julga o mérito ou não conhece de recurso extraordinário.

“Os pronunciamentos da vice-presidência que versam sobre a admissibilidade de recursos extraordinários não consubstanciam decisões monocráticas de relator que julgam o mérito ou não conhecem de recurso extraordinário, razão pela qual compreendo não incidir na hipótese a previsão legal do Estatuto da OAB permissiva de sustentação oral em agravo regimental ou agravo interno“, explicou o ministro Og Fernandes.

Em agosto, o colegiado afirmou que é possível interpor agravo em recurso especial após embargos de declaração contra a mesma decisão. A Corte Especial afastou a preclusão consumativa na hipótese de interposição de agravo, dentro do prazo legal, após o oferecimento de embargos de declaração contra decisão que inadmite recurso especial.

Aumento de honorários em recurso

No mês de novembro, ao concluir o julgamento do Tema 1.059 dos recursos repetitivos, a Corte Especial definiu que a majoração de honorários de sucumbência no julgamento de recurso, prevista no artigo 85, parágrafo 11, do Código de Processo Civil (CPC), só é possível nos casos de decisão pelo desprovimento integral ou pelo não conhecimento.

A tese do Tema 1.059 foi fixada nos seguintes termos: “A majoração dos honorários de sucumbência prevista no artigo 85, parágrafo 11, do CPC pressupõe que o recurso tenha sido integralmente desprovido ou não conhecido pelo tribunal, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente. Não se aplica o artigo 85, parágrafo 11, do CPC em caso de provimento total ou parcial do recurso, ainda que mínima a alteração do resultado do julgamento ou limitada a consectários da condenação”.

Robinho condenado na Itália

Por intermédio do Ministério da Justiça, a Itália entrou no STJ com o pedido de homologação da sentença que condenou o jogador Robinho a nove anos por estupro naquele país, para que a pena possa ser executada no Brasil.

Em março, o relator, ministro Francisco Falcão, negou o pedido de Robinho para que a Itália apresentasse a tradução integral do processo original. Ao indeferir o pedido, o ministro determinou, com urgência, que o jogador fosse intimado a apresentar contestação ao pedido de homologação. Na mesma semana, Falcão exigiu que Robinho entregasse seu passaporte ao STJ. Enquanto o tribunal analisa o pedido da Itália, o relator proibiu o atleta de deixar o país.

Diárias suspeitas na Lava Jato

No mês de junho, por maioria, a Corte rejeitou um recurso do ex-procurador Deltan Dallagnol e manteve a decisão que permitiu o prosseguimento da tomada de contas especial aberta pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para apurar suspeitas de recebimento indevido de diárias e passagens durante a Operação Lava Jato.

Prevaleceu o entendimento do ministro Humberto Martins, confirmando-se sua decisão de junho de 2022.

Governadores, desembargadores e conselheiros em pauta

Ao longo de 2023, a Corte Especial analisou várias acusações criminais contra autoridades com prerrogativa de foro no STJ, como governadores, desembargadores e conselheiros de tribunais de contas.

Em maio, por maioria, os ministros decidiram que a investigação sobre o atual governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, em processo que apura suposta compra superfaturada de respiradores artificiais e outros equipamentos médicos durante a pandemia da Covid-19, continuará no tribunal. Os fatos investigados são de 2020, quando Castro era vice-governador do estado.

Prevaleceu na Corte Especial o entendimento do ministro Luis Felipe Salomão, que reconheceu a competência do STJ para processar e julgar o caso, pois os fatos teriam ocorrido durante a mesma gestão (Cláudio Castro foi empossado governador depois do impeachment de Wilson Witzel).

No final de novembro, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), a ministra Nancy Andrighi determinou a suspensão do sigilo sobre o processo em que o governador do Acre, Gladson Cameli (PP), e mais 12 pessoas foram denunciados por uma série de crimes relacionados a irregularidades em licitação e na execução de contrato com uma empresa privada.

No dia 14 de dezembro, a Corte Especial decidiu desmembrar o processo, mantendo no STJ apenas a denúncia contra o governador do Acre. Não foi analisado, por enquanto, o pedido do MPF para que Cameli seja afastado do cargo.

Operação Faroeste e outros casos envolvendo desembargadores

O colegiado, em maio, recebeu a denúncia do MPF contra a desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) Maria da Graça Osório Pimentel Leal e outras quatro pessoas, entre elas o empresário Adailton Maturino dos Santos.

A Ação Penal 965 é resultante da Operação Faroeste, deflagrada para apurar um esquema de compra de sentenças em disputas de terras no Oeste da Bahia. Além de receber a denúncia, o colegiado manteve o afastamento da desembargadora até o julgamento do mérito da ação.

No mesmo mês, os ministros rejeitaram a denúncia contra o desembargador Alexandre Victor de Carvalho, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), pelo suposto crime de corrupção passiva. Na decisão, o colegiado considerou não haver indícios suficientes de que, como afirmava o MPF, ele tivesse influenciado na formação de lista tríplice do TJMG em troca da nomeação de sua esposa e de seu filho para cargos no Poder Legislativo.

Em outro caso, a Corte prorrogou por um ano o afastamento da função pública imposto ao desembargador Ronaldo Eurípedes de Souza e ao assessor técnico Luso Aurélio Sousa Soares, ambos do Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO).

A manutenção da medida foi decidida na análise de petição apresentada pelo MPF no âmbito de ação penal em que o magistrado e o servidor do tribunal foram denunciados pela prática de crimes como corrupção passiva qualificada e lavagem de dinheiro.

Lesão corporal em violência doméstica

No mês de março, a Corte Especial condenou o desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) Luís César de Paula Espíndola, pelo crime de lesão corporal em contexto de violência doméstica (artigo 129, parágrafo 9º, do Código Penal), à pena de detenção de quatro meses e 20 dias, em regime aberto.

Por maioria de votos, com base no artigo 77 do Código Penal, o colegiado suspendeu a execução da pena pelo prazo de dois anos, com a condição de que o desembargador preste serviços à comunidade por oito horas semanais, no primeiro ano da suspensão, e que não se aproxime da vítima a menos de cem metros. Também por maioria, a corte autorizou o retorno imediato de Espíndola às funções de desembargador.

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