A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que cabe ao credor não admitido no inventário ajuizar a ação para defender seus interesses, pois não é competência do juiz converter o pedido de habilitação de crédito em ação de cobrança, em substituição à parte.
De acordo com o processo, um homem protocolizou habilitação de crédito de R$ 177 mil no inventário, alegando que ao pagar, na condição de avalista, um débito em execução, se sub-rogou nos direitos do banco credor perante os demais executados – o falecido e um de seus filhos, além de uma empresa –, os quais seriam os reais contraentes da dívida.
O juízo de primeiro grau converteu a habilitação de crédito em ação de cobrança e determinou a reserva de bens do espólio em valor suficiente para garantir a dívida. Além disso, anulou, de ofício, o inventário administrativo, por entender que os herdeiros tentaram fraudar a lei, eximindo-se do pagamento das obrigações do espólio. Por último, condenou a inventariante e os demais herdeiros ao pagamento de multa por litigância de má-fé.
A inventariante e os herdeiros interpuseram apelação, a qual foi desprovida pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO).
Credor excluído deverá ajuizar a ação ordinária cabível
O ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do recurso no STJ, observou que, havendo discordância de alguma parte quanto ao crédito que se pretendeu habilitar no inventário, o credor será remetido às vias ordinárias, devendo o juiz reservar em poder do inventariante os bens necessários para pagar a dívida, desde que ela esteja suficientemente provada e a impugnação não se apoie em alegação de quitação, nos termos do artigo 643 do Código de Processo Civil (CPC).
“A própria lei confere ao credor excluído do inventário o ônus de ajuizar a ação de conhecimento respectiva (com o propósito de recebimento do seu crédito), sobretudo dentro do trintídio legal quando pretender manter a eficácia da tutela assecuratória eventualmente concedida – de reserva de bens –, sendo defeso ao juiz determinar a conversão da habilitação de crédito em ação de cobrança, em substituição às partes”, declarou.
Regra da universalidade não recai sobre habilitação de crédito impugnada
O ministro destacou que o juízo responsável pela sucessão é universal, o que significa que ele tem competência para decidir todas as questões relacionadas ao inventário e só deve deixar para serem apurados nas vias ordinárias os casos que não puderem ser solucionados com as provas existentes no processo (artigo 612 do CPC).
Contudo, Bellizze explicou que essa regra da universalidade não se aplica à habilitação de crédito impugnada, pois, conforme o artigo 643 do CPC, basta haver discordância – mesmo que sem fundamento adequado – para que o pedido seja enviado ao juízo cível competente para a ação de cobrança, monitória ou de execução, conforme o caso. Trata-se, segundo o ministro, de regra de caráter especial, que prevalece sobre a geral.
O relator indicou que, de acordo com a doutrina, não cabe nesse incidente um juízo de valor do juiz do inventário, pois a questão não é uma daquelas que ele estaria autorizado a decidir em caso de conflito.
“Todavia, o juiz, de ofício, desde que entenda que o documento apresentado pelo credor requerente comprove suficientemente a obrigação e, ainda, desde que a alegação de qualquer das partes do inventário não seja fundada em pagamento, e esteja acompanhada de prova valiosa, poderá determinar a reserva em poder do inventariante de bens suficientes para pagar o credor, se vitorioso na ação a ser proposta”, concluiu.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO EM INVENTÁRIO. IMPUGNAÇÃO PELAS PARTES INTERESSADAS. CONVERSÃO EM AÇÃO DE COBRANÇA PELO JUIZ. IMPOSSIBILIDADE. ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS. DESCABIMENTO. ANULAÇÃO, DE OFÍCIO, DE ESCRITURA PÚBLICA DE INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL. POSSIBILIDADE. ATO NULO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CARACTERIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Verifica-se que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução da lide, de forma fundamentada, não havendo falar em negativa de prestação jurisdicional.
2. A existência de impugnação de interessado à habilitação de crédito em inventário, impõe ao juízo do inventário a remessa das partes às vias ordinárias, ainda que sobre o mesmo juízo recaia a competência para o inventário e para as ações ordinárias (tal como ocorre nos juízos de vara única), pois, nos termos do art. 1.018 do CPC/1973 (art. 643 do CPC/2015), constitui ônus do credor não admitido no inventário o ajuizamento da respectiva ação de conhecimento, não competindo ao juiz a conversão do pedido de habilitação na demanda a ser proposta, em substituição às partes.
3. São incabíveis honorários de advogado em incidente de habilitação de crédito em inventário que seja extinto por objeção de alguma parte interessada, porquanto não resolvido nenhum litígio pelo juiz, não se podendo falar em vencedor e vencido. Somente com a abertura da via ordinária é que será efetiva e definitivamente resolvido o litígio verificado no plano material acerca do direito do credor em face do espólio, oportunidade em que, aí sim, serão fixados os respectivos honorários.
4. Ao juízo universal do inventário compete a apreciação das questões afetas ao inventário (arts. 984 do CPC/1973 e 612 do CPC/2015), ressalvadas as questões de alta indagação, cabendo-lhe a anulação, de ofício, de escritura pública de inventário extrajudicial celebrada com a intenção de fraudar lei imperativa, mediante abuso de direito (art. 187 do CC), nos termos do art. 168, parágrafo único, do CC, porquanto nulo o negócio jurídico (art. 166, IV, do CC). Assim, revela-se prescindível pedido específico das partes, não havendo que se falar em julgamento extra petita.
5. Sobressai nítida a litigância de má-fé dos ora recorrentes, a ensejar a condenação ao pagamento de multa e de indenização à parte adversa, nos moldes dos arts. 18 do CPC/1973 e 81 do CPC/2015, tendo em vista a clarividente intenção de se furtarem ao cumprimento da obrigação imputável ao espólio, alterando a verdade dos fatos, diante da omissão intencional, perante o tabelião, do crédito demandado em desfavor do espólio, bem como o tumulto processual causado na ação de inventário e no correlato incidente de habilitação de crédito , a caracterizar procedimento temerário das partes.
6. Recurso especial parcialmente provido.