Mantida decisão que impôs ordem do juízo arbitral a empresa que não participou da arbitragem

​Por entender que o juízo estatal e o juízo arbitral devem coexistir em ambiente de cooperação, e que cabe ao Poder Judiciário conferir coercibilidade às decisões arbitrais a fim de garantir um resultado útil ao procedimento de arbitragem, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou a pretensão de uma empresa de não se submeter à ordem judicial que deu eficácia a uma decisão arbitral.

Durante a execução de contrato para a exploração e venda de minério de ferro, dois empresários instauraram procedimento na Câmara de Arbitragem Empresarial – Brasil, alegando descumprimento do ajuste segundo o qual deveriam receber um valor fixo por tonelada de minério retirado da Mina Corumi, na região de Belo Horizonte.

Eles disseram que estavam autorizados a fiscalizar a pesagem do minério na balança localizada na própria mina, mas foram impedidos de fazê-lo depois que os pagamentos cessaram.

A proprietária da mina opôs embargos de terceiros contra a decisão judicial que determinou que o Poder Judiciário desse cumprimento à carta arbitral por meio da qual os dois empresários tiveram assegurado o direito de acompanhar o processo de pesagem do minério. Alegou não ter nenhuma relação com a empresa envolvida no negócio controvertido e que não poderia sofrer os efeitos da decisão arbitral, já que não fez parte do procedimento de arbitragem.

Para o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), no entanto, a proprietária da mina teria de aceitar o cumprimento da ordem.

No recurso ao STJ, a proprietária afirmou que o Judiciário extrapolou a sua competência ao lhe determinar o cumprimento da ordem advinda do juízo arbitral, mesmo sabendo que ela não participou da arbitragem, pois é pessoa jurídica distinta.

Jurisdição concorrent​​e

De acordo com a relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, é aceitável a convivência de decisões arbitrais e judiciais, “quando elas não se contradisserem e tiverem a finalidade de preservar a efetividade de futura decisão arbitral” – entendimento firmado pelo STJ ao julgar o REsp 1.277.725.

“A determinação de cumprimento de cartas arbitrais pelo Poder Judiciário não constitui uma atividade meramente mecânica. Por mais restrita que seja, o Poder Judiciário possui uma reduzida margem de interpretação para fazer cumprir as decisões legalmente exaradas por cortes arbitrais”, explicou a ministra.

Sobre a convivência do juízo estatal com o arbitral, Nancy Andrighi afirmou que não se pode perder de vista que entre ambos deve existir sempre uma relação de diálogo e cooperação, e não uma relação de disputa, “o que enseja a necessidade de uma convivência harmoniosa e de atuação conjunta, para resolver de modo efetivo e eficiente os conflitos postos a julgamento arbitral”.

De acordo com a relatora, essa necessidade de harmonia também se origina na ausência de poder coercitivo direto das decisões arbitrais, competindo ao Judiciário a execução forçada do direito reconhecido pela arbitragem.

Eficáci​​a

Sobre o caso concreto, a ministra destacou que a impossibilidade de verificar a quantidade de minério produzido na mina em questão pode comprometer significativamente a eficácia de uma futura decisão dos árbitros.

“Dessa forma, a determinação feita pelo tribunal de origem, segundo a qual a recorrente deve suportar a vistoria pelos recorridos da quantidade de minério produzida pela mina durante o procedimento arbitral, não ofende a necessidade de consensualidade para a validez da cláusula compromissória que fundamenta o julgamento arbitral.”

Quanto às relações societárias entre as empresas – questão que não ficou esclarecida no processo –, a relatora comentou que “não é o fato de supostamente a recorrente pertencer ao mesmo grupo econômico das empresas interessadas que pode fundamentar a ordem judicial, mas sim o próprio poder investido ao Poder Judiciário de conferir coercibilidade às decisões arbitrais, a fim de garantir-lhes seu futuro resultado útil”.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. ARBITRAGEM. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO E ERRO MATERIAL. AUSÊNCIA. MULTA. INTUITO PROTELATÓRIO. AUSÊNCIA. ALCANCE DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. COMPLEXA REDE CONTRATUAL E DE EMPRESAS. EXPLORAÇÃO DA MINA CORUMI. NECESSIDADE DE VERIFICAÇÃO DA PESAGEM DO MINÉRIO. CONSENSUALIDADE DA ARBITRAGEM. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. RESTRITA MARGEM DE INTERPRETAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. RESULTADO ÚTIL DA DECISÃO ARBITRAL.
1. Agravo de instrumento interposto em 28⁄08⁄2017. Recurso especial interposto em 09⁄07⁄2018 e concluso ao gabinete em: 28⁄02⁄2019.
2. Ante a ausência de omissão, contradição e erro material, não há violação ao art. 1.022 do CPC⁄2015.
3. O fato de o Tribunal de origem ter afastado os argumentos da recorrente não significa, necessariamente, que há intuito protelatório por parte da recorrente. Na hipótese, a recorrente apontou diversas questões relevantes e que exigiu do Tribunal de origem uma longa explicação para afastar a presença dos supostos vícios.
4. Como afirmado no julgamento do REsp 1.277.725⁄AM (Terceira Turma, DJe 18⁄03⁄2013), “admite-se a convivência harmônica das duas jurisdições – arbitral e estatal -, desde que respeitadas as competências correspondentes, que ostentam natureza absoluta”. Portanto, é aceitável a convivência de decisões arbitrais e judiciais, quando elas não se contradizerem e tiverem a finalidade de preservar a efetividade de futura decisão arbitral.
5. A determinação de cumprimento de cartas arbitrais pelo Poder Judiciário não constitui uma atividade meramente mecânica. Por mais restrita que seja, o Poder Judiciário possui uma reduzida margem de interpretação para  fazer cumprir as decisões legalmente exaradas por cortes arbitrais.
6. Na hipótese, não é o fato de supostamente a recorrente pertencer ao mesmo grupo econômico das empresas interessadas que pode fundamentar a ordem judicial, mas sim o próprio poder investido ao Poder Judiciário de conferir coercibilidade às decisões arbitrais, a fim de garantir-lhes seu futuro resultado útil aos participantes daquele procedimento.
7. Recurso especial conhecido e parcialmente provido somente para afastar a aplicação da multa prevista no art. 1026, § 2º, do CPC⁄2015.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1798089

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