Nessa situação, o dano é presumido.
A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (RS) a pagar R$ 20 mil de indenização a um eletricitário que cumpriu jornada exorbitante no período em que trabalhou para a empresa. Segundo o relator, ministro José Roberto Freire Pimenta, não se tratava de mero cumprimento habitual de horas extras, “mas de jornada exaustiva, indigna e inconstitucional”, situação em que o dano é presumido.
Abuso
Na reclamação trabalhista, o assistente técnico sustentou que houve abuso de direito da empregadora, “que, ao invés de contratar empregados para fazer frente à falta de pessoal, optou por exceder reiteradamente o limite da jornada”, em claro prejuízo à saúde e ao lazer dele. O pedido, no entanto, foi julgado improcedente pelo juízo da 1ª Vara do Trabalho de Bagé. Embora registrando que o empregado trabalhava habitualmente em turnos de 12 horas e em dias reservados para compensação e descanso semanal remunerado, o juízo deferiu apenas o pagamento do excesso de jornada como horas extras.
Provas de prejuízo
O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) manteve a sentença, com o entendimento de que houve descumprimento da legislação trabalhista, “mas não ato ilícito, na acepção legal do termo”. Para o TRT, os prejuízos decorrentes do excesso de trabalho deveriam necessariamente ser provados.
Confisco de tempo
No recurso revista, o eletricitário, já aposentado, alegou que sempre foi submetido a jornada de trabalho muito além dos limites previstos na Constituição da República e nos acordos coletivos, “como bem reconhece o julgado”.
No exame do caso, o ministro José Roberto Freire Pimenta destacou que, de acordo com o entendimento do TST, a submissão habitual dos trabalhadores a jornada excessiva ocasiona dano existencial. Conforme o ministro, esse tipo de dano implica “confisco irreversível de tempo que poderia legitimamente se destinar ao descanso, ao convívio familiar, ao lazer, aos estudos, à reciclagem profissional e a tantas outras situações, para não falar em recomposição das forças físicas e mentais naturalmente desgastadas por sua prestação de trabalho”.
No caso, além de não haver controvérsia sobre a jornada exorbitante indicada pelo trabalhador, ela também ficou suficientemente registrada na decisão do TRT. Por isso, o relator considerou que ficou comprovado o abuso do poder diretivo do empregador.
O recurso ficou assim ementado:
“RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014.
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. JORNADA EXORBITANTE. DANO MORAL IN RE IPSA. PRESUNÇÃO HOMINIS.
Discute-se a necessidade de demonstração do efetivo prejuízo sofrido pelo empregado quando constatada a prestação de jornada excessiva para o reconhecimento do direito à reparação do dano moral/existencial postulado. No caso dos autos, o Regional entendeu que, “embora tenha sido demonstrado que o demandante realizava grande quantidade de horas extras, a situação caracteriza descumprimento da legislação trabalhista, mas não ato ilícito, na acepção legal do termo” e que “a existência da dor, do sofrimento, pode ser presumida, mas não a existência de prejuízos que porventura atinjam os projetos de vida, convívio com a família e lazer, pois o prejuízo deve, necessariamente, ser provado”. Esta Corte, no entanto, tem entendido que a submissão habitual dos trabalhadores à jornada excessiva de labor ocasiona-lhes dano existencial, modalidade de dano imaterial e extrapatrimonial, em que os empregados sofrem limitações em sua vida pessoal, por força de conduta ilícita praticada pelo empregador, exatamente como na hipótese dos autos, importando em confisco irreversível de tempo que poderia legitimamente destinar ao descanso, ao convívio familiar, ao lazer, aos estudos, reciclagem profissional e a tantas outras situações, para não falar em recomposição de suas forças físicas e mentais naturalmente desgastadas por sua prestação de trabalho. A jornada exorbitante ficou suficientemente registrada na decisão recorrida. Assim, fica comprovada a reprovável conduta patronal, com a prática de abuso do poder diretivo ao exigir jornada exaustiva de trabalho e restrição dos direitos ao descanso e lazer, com óbvias consequências à saúde do obreiro, que se via na contingência de ter que produzir sem poder refazer as energias dispendidas. Dessa forma, a conduta patronal ofendeu os direitos humanos fundamentais, atingindo a dignidade, a liberdade e o patrimônio moral do demandante, o que resulta na obrigação legal de reparar. Assim, inquestionável que a hipótese dos autos não se trata de mero cumprimento de horas extras habituais, mas de jornada exaustiva, indigna e inconstitucional, sendo extremamente fácil inferir o dano causado ao autor, em razão de a reclamada ter flagrantemente desobedecido as regras de limitação da jornada, o que afastou o direito social ao lazer, previsto no art. 6º, caput, da Constituição Federal. Ressalta-se a máxima “o extraordinário se prova e o ordinário se presume”. Portanto, o ato ilícito praticado pela reclamada acarreta dano moral in re ipsa, que dispensa comprovação da existência e da extensão, sendo presumível em razão do fato danoso.
Recurso de revista conhecido e provido”.
Processo: RR-20509-83.2015.5.04.0811