Banco poderá compensar horas extras deferidas em juízo com gratificação paga a bancário

Para a 5ª Turma, a norma coletiva que permite a compensação é válida

A Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho autorizou o Banco Bradesco S.A. a compensar as horas extras deferidas pela Justiça a um bancário de Sorocaba (SP) com os valores pagos a título de gratificação de função. A decisão leva em consideração tese vinculante do Supremo Tribunal Federal que confere constitucionalidade à vontade da categoria definida em instrumento coletivo, desde que respeitados os direitos indisponíveis.

Horas extras

Na reclamação trabalhista, o bancário pediu o pagamento de horas extras a partir da sexta diária. Mesmo recebendo gratificação de função, ele argumentou que exercia atividade operacional, sem poder de decisão e, por isso, teria direito a receber o valor referente ao período excedente.

Jornada diferenciada

A jornada especial de seis horas diárias e 30 horas semanais para a categoria bancária está prevista na CLT (artigo 224). Há exceção aos que exercem função de direção, gerência, fiscalização, chefia ou cargos de confiança, que devem ser remunerados com valor de gratificação não inferior a um terço do salário do cargo efetivo.

Condenação

A partir do exame das reais atribuições do bancário, o juízo da 3ª Vara do Trabalho de Osasco afastou o exercício do cargo de confiança, e ele foi enquadrado na jornada de seis horas diárias. Ao confirmar como habitual a extensão da jornada, a juíza condenou a instituição bancária ao pagamento das horas extras de acordo com a Súmula 109 do TST. Segundo o normativo, o bancário que receba gratificação de função não pode ter o salário relativo a horas extraordinárias compensado com o valor daquela vantagem.

Irretroatividade

No entanto, a Convenção Coletiva de Trabalho da categoria para o período 2018/2020 previa a quitação das horas extras com a gratificação. A juíza, então, definiu a compensação da gratificação a partir de setembro de 2018, data de início da vigência do instrumento coletivo. Assim, o período trabalhado anteriormente não seria afetado, restando devido o pagamento das horas extras.

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) confirmou a interpretação de que a cláusula deveria ficar restrita a ações ajuizadas a partir de dezembro de 2018 e, concomitantemente, à vigência da convenção (no caso, até 2020).

Prevalência do negociado

A validade do negociado coletivo sobre o legislado foi trazida pela Reforma Trabalhista, desde que não trate de direitos indisponíveis. O Supremo Tribunal Federal (STF), por sua vez, fixou a tese vinculante da constitucionalidade das normas coletivas que afastam direitos trabalhistas, independentemente de vantagens compensatórias explícitas, desde que observados os direitos absolutamente indisponíveis (Tema 1.046 da repercussão geral).

Todo o contrato

No recurso de revista, o banco alegou que a compensação das horas extras deveria ser aplicada a todo o contrato de trabalho, e não apenas ao período de validade do instrumento coletivo. Segundo seu argumento, a Cláusula 11ª da convenção coletiva, que instituiu a gratificação de função, veda expressamente a cumulação da parcela com as horas extras a qualquer título.

Autonomia da vontade

Para o relator do caso, o ministro Breno Medeiros, a questão não envolve renúncia de direito dos trabalhadores. A seu ver, embora contrária ao entendimento do TST consolidado na Súmula 109, a previsão de compensação não diz respeito a direito absolutamente indisponível nem se trata de objeto ilícito.

Ele registrou ainda que os sindicatos fixaram o valor da gratificação de função não inferior a 55% (maior, portanto, do que o previsto em lei). “Desta forma, não há como desprestigiar a autonomia da vontade coletiva das partes”, afirmou.

O recurso ficou assim ementado:

AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. BANCÁRIO. NORMA COLETIVA QUE PREVÊ A COMPENSAÇÃO DA GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO PERCEBIDA COM AS HORAS EXTRAS RECONHECIDAS EM JUÍZO. TESE VINCULANTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL FIXADA NO TEMA Nº 1.046 DE REPERCUSSÃO GERAL. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA . Agravo a que se dá provimento para examinar o agravo de instrumento em recurso de revista. Agravo provido. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. BANCÁRIO. NORMA COLETIVA QUE PREVÊ A COMPENSAÇÃO DA GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO PERCEBIDA COM AS HORAS EXTRAS RECONHECIDAS EM JUÍZO. TESE VINCULANTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL FIXADA NO TEMA Nº 1.046 DE REPERCUSSÃO GERAL. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA . Em razão de provável caracterização de violação do art. 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o prosseguimento do recurso de revista. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. BANCÁRIO. NORMA COLETIVA QUE PREVÊ A COMPENSAÇÃO DA GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO PERCEBIDA COM AS HORAS EXTRAS RECONHECIDAS EM JUÍZO. TESE VINCULANTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL FIXADA NO TEMA Nº 1.046 DE REPERCUSSÃO GERAL. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA . O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 1121633/GO, fixou a tese vinculante da constitucionalidade das normas coletivas que afastam direitos trabalhistas, independentemente de vantagens compensatórias explícitas, desde que observados os direitos absolutamente indisponíveis. Na presente hipótese, o instrumento coletivo estabeleceu que, em caso de decisão judicial que afaste o enquadramento do bancário no § 2º do art. 224 da CLT, o valor da gratificação de função percebido como contrapartida a sétima e a oitava horas trabalhadas, acrescido de reflexos, deve ser compensado com as horas extras e reflexos deferidos em juízo. Tal previsão, não obstante ser contrária ao entendimento do Tribunal Superior do Trabalho consolidado na Súmula nº 109, não está circunscrita a direito absolutamente indisponível, tampouco constitui objeto ilícito, na esteira do rol do art. 611-B da CLT, com redação conferida pela Lei nº 13.467/2017. Registre-se, ainda, que os sindicatos fixaram um valor da gratificação de função não inferior a 55% (cinquenta e cinco por cento), isto é, maior do que o previsto em lei, inexistindo mera renúncia de direito dos trabalhadores. Nesse sentir, não há como desprestigiar a autonomia da vontade coletiva das partes, passando-se ao exame da abrangência da compensação determinada na cláusula da CCT dos bancários. A controvérsia posta no recurso de revista é definir se a compensação incide sobre a totalidade dos créditos deferidos nas ações trabalhistas ajuizadas a partir de 1º.12.2018 ou apenas sobre as horas extraordinárias realizadas a partir de dezembro de 2018. Com a devida vênia da Corte local, não se trata de aplicação retroativa da norma coletiva, mas de conferir validade à quitação estipulada no instrumento coletivo, em que os sindicatos concluíram que a gratificação de função do bancário, ” estando este recebendo ou tendo recebido “, deve abater as horas extras deferidas em juízo, sendo tal compensação aplicável às ações trabalhistas ajuizadas a partir de 1º.12.2018, com as limitações impostas na CCT de 2018/2020. O Tribunal Regional, ao não aplicar a literalidade do parágrafo primeiro da Cláusula 11ª da CCT dos Bancários de 2018/2020, decidiu de forma contrária à tese vinculante do Supremo Tribunal Federal firmada no Tema nº 1.046 da Tabela de Repercussão Geral, restando configurada a transcendência política da matéria. Recurso de revista conhecido e provido .

Ainda conforme o relator, também não se trata de aplicação retroativa da norma coletiva, mas de conferir validade à quitação nela estipulada.

A decisão foi unânime.

Processo: RR-1000315-49.2020.5.02.0383

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