Em 1988, a nova Constituição Federal mudou a organização do Poder Judiciário e criou o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que dividiria com o Supremo Tribunal Federal (STF) a função de uniformizar a interpretação da legislação federal. O STF ficou responsável pela lei constitucional, já o STJ ficou responsável pela lei infraconstitucional, surgindo assim o Recurso Especial (REsp).
O primeiro REsp foi analisado em 1989 e tratou de uma questão envolvendo doação de ações, deliberação em assembleia e espólio.
Um casal que detinha o controle acionário de um grupo empresarial familiar doou as ações que possuía em duas de suas empresas para seus dois filhos, reservando-se o usufruto das ações doadas.
Um dos filhos morreu primeiro que os pais e as ações foram transferidas para o Espólio, representado pela viúva e pelo filho do falecido.
Nessa época, foram realizadas assembleias que trataram de alterações estatutárias e aprovações de aumento de capital das empresas. As deliberações dessas assembleias resultaram do voto majoritário do casal.
Em relação ao aumento de capital de uma empresa, ficou estabelecido um prazo de 30 dias para que os demais acionistas pudessem exercer o direito legal de preferência de subscrição proporcional do capital aumentado, mediante pagamento em dinheiro. Os representantes do Espólio não concordaram e resolveram entrar na Justiça para anular as decisões que autorizavam o aumento de capital da empresa.
As Justiças de primeiro e segundo graus concordaram com o Espólio e anularam parte das deliberações das assembleias. Decidiram que o aumento de capital não era válido, porque desrespeitava uma condição de doação das ações. Isso porque, na escritura de doação, havia uma cláusula determinando que, na ocorrência de aumento de capital, a qualquer título, as novas ações seriam divididas igualmente entre os donatários, permanecendo o usufruto em favor dos doadores.
O grupo empresarial recorreu ao STF, que enviou o caso para o STJ em razão da sua instalação, transformando os autos em Recurso Especial.
O ministro Gueiros Leite, relator do recurso, entendeu que a cláusula de escritura de doação não podia prevalecer sobre a vontade da maioria dos votantes nas assembleias, em benefício de privilégios alheios aos estatutos sociais. Destacou que o órgão supremo da empresa era a assembleia geral, e suas decisões eram autônomas e soberanas, não podendo ser anuladas por atos sem relação razoável com a sociedade empresarial, salvo se houvesse vício de vontade ou consentimento.
O relator esclareceu que, nos casos de aumento de capital, a lei concedia aos acionistas o direito de preferência para adquirir mais ações, limitado à proporção do número de ações que cada um já possuía. Assim, na preferência para aumento de capital, o privilégio legal não poderia ser maior que o raio da ação, muito menos aumentado por causa de um acordo ou negócio feito entre acionistas.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. SOCIEDADE ANÔNIMA. AUTONOMIA DAS DELIBERAÇÕES ASSEMBLEARES.
AS DELIBERAÇÕES SOCIETARIAS SÃO AUTONOMAS E SOBERANAS, NÃO SUJEITAS A ATOS PRATICADOS “ULTRA VIRES SOCIETATIS”, ISTO E, ATOS NÃO RAZOAVELMENTE VINCULADOS A SOCIEDADE.
A PREFERENCIA PARA O AUMENTO DE CAPITAL NÃO PODE SER LEVADA ALÉM DO SEU RAIO DE AÇÃO, PARA ASSIM AMPLIAR O PRIVILÉGIO LEGAL E ISSO POR FORÇA DE SIMPLES ACORDO OU NEGOCIO FEITO ENTRE ACIONISTAS.
NEGATIVA DE VIGENCIA DO ART.171, LEI 6404/76. DISSIDIO (CF, ART.105, III, A E C).
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
Dessa forma, o Tribunal da Cidadania deu provimento ao recurso e restituiu a validade das assembleias que permitiram o aumento de capital da empresa.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): Resp 1