A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de um banco contra decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) para afastar as limitações impostas ao seu direito de propriedade sobre um bem objeto de busca e apreensão. Os ministros consideraram que, uma vez consolidada a propriedade em favor do credor, é descabida a determinação no sentido de que ele somente possa alienar, transferir ou retirar o bem da comarca com autorização do juízo competente para julgar a ação de busca e apreensão.
Segundo o relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, o entendimento adotado pelo TJMT, além de ofender a sistemática do Decreto-Lei 911/1969, “acarreta nítida violação ao direito de propriedade” previsto no artigo 1.228 do Código Civil.
Bellizze citou entendimento do ministro do STJ Jorge Scartezzini, hoje aposentado, no sentido de que, consolidada a propriedade nas mãos do fiduciário, a venda passa a ser exercício do pleno poder de dispor de um proprietário irrestrito, não mais um ônus para a realização de uma garantia.
No caso analisado, após a comprovação do atraso no pagamento do financiamento, o juízo competente deferiu a medida de busca e apreensão de um veículo, mas estabeleceu como condição que o banco se abstivesse de alienar, transferir ou retirar o bem da comarca sem autorização – decisão mantida em segunda instância.
Restituição possível
O ministro Marco Aurélio Bellizze destacou que, a partir da vigência da Lei 10.931/2004 – que alterou dispositivos do artigo 3º do Decreto-Lei 911/1969 –, ficou estabelecido que o devedor poderá pagar a integralidade da dívida em cinco dias após a execução da liminar de busca e apreensão, oportunidade em que o bem lhe será restituído.
“No entanto, caso o devedor não efetue o pagamento no prazo legal, haverá a consolidação da propriedade e da posse plena e exclusiva do bem móvel objeto da alienação fiduciária no patrimônio do credor”, afirmou o relator. Foi o que ocorreu no caso em julgamento.
Bellizze lembrou que, mesmo havendo a consolidação da propriedade em favor do credor, remanesce para o devedor o direito de apresentar contestação e alegar teses de defesa.
Nessas situações, explicou, se a ação de busca e apreensão for julgada improcedente e o bem já tiver sido alienado a terceiro, o magistrado aplicará multa à instituição financeira no percentual de 50% do valor financiado, sem prejuízo de eventual pedido de perdas e danos.
De acordo com o ministro, na redação dos parágrafos 6º e 7º do artigo 3º do Decreto-Lei 911/1969, “o próprio legislador já estabeleceu a forma de compensar o devedor no caso de julgamento de improcedência da ação de busca e apreensão, quando o bem já tiver sido alienado”.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO DE VEÍCULO OBJETO DE CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. DEFERIMENTO LIMINAR DO PEDIDO. PROIBIÇÃO DA PARTE AUTORA DE ALIENAR, TRANSFERIR OU RETIRAR O BEM DA RESPECTIVA COMARCA SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, ATÉ O TÉRMINO DA AÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. CASO O DEVEDOR NÃO PAGUE A INTEGRALIDADE DA DÍVIDA NO PRAZO DE 5 (CINCO) DIAS, CONTADO DA EXECUÇÃO DA LIMINAR DEFERIDA, HAVERÁ A CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE E DA POSSE PLENA E EXCLUSIVA DO BEM EM FAVOR DO CREDOR FIDUCIÁRIO. ART. 3º, CAPUT E §§ 1º E 2º, DO DECRETO-LEI N. 911⁄1969. VIOLAÇÃO DOS DISPOSITIVOS LEGAIS QUE REGEM A MATÉRIA, ALÉM DO DIREITO DE PROPRIEDADE DO CREDOR. REFORMA DO ACÓRDÃO RECORRIDO. RECURSO PROVIDO.1. A questão debatida no presente recurso especial consiste em saber se, após o deferimento da medida liminar em ação de busca e apreensão de veículo objeto de contrato de alienação fiduciária, é possível determinar que a parte autora (credor) se abstenha de alienar, transferir ou retirar o bem da respectiva comarca sem autorização do Juízo, até o encerramento do feito.2. Nos termos do art. 3º, caput e §§ 1º e 2º, do Decreto-lei n. 911⁄1969, após a execução da liminar de busca e apreensão do bem, o devedor terá o prazo de 5 (cinco) dias para pagar a integralidade da dívida pendente, oportunidade em que o bem lhe será restituído sem o respectivo ônus. No entanto, caso o devedor não efetue o pagamento no prazo legal, haverá a consolidação da propriedade e da posse plena e exclusiva do bem móvel objeto da alienação fiduciária no patrimônio do credor.3. Nessa linha de entendimento, havendo a consolidação da propriedade e da posse plena do bem no patrimônio do credor fiduciário, em razão do não pagamento da dívida pelo devedor no prazo estabelecido no Decreto-lei n. 911⁄1969, não se revela possível impor qualquer restrição ao direito de propriedade do credor, sendo descabida a determinação no sentido de que a parte autora somente possa alienar, transferir ou retirar o bem da comarca com autorização do Juízo.3.1. Com efeito, o entendimento adotado pelo Tribunal de origem, de impor restrições à remoção e alienação do bem até o término da ação de busca e apreensão, mesmo após a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário, ofende não só a sistemática prevista no art. 3º, §§ 1º e 2º, do Decreto-lei n. 911⁄1969, mas, também, acarreta nítida violação ao direito de propriedade do recorrente.3.2. Ademais, ao contrário do que consignou o acórdão recorrido, a possibilidade de livre disposição do bem pelo credor fiduciário, após a consolidação da propriedade em seu favor, não viola os princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, porquanto o próprio legislador já estabeleceu a forma de compensar o devedor no caso de julgamento de improcedência da ação de busca e apreensão, quando o bem já tiver sido alienado, determinando, nos §§ 6º e 7º do art. 3º do Decreto-lei n. 911⁄1969, a condenação do credor ao pagamento de multa em valor considerável – 50% do valor originalmente financiado devidamente atualizado -, além de perdas e danos.4. Recurso especial provido.
Leia o acórdão.