Créditos do Fies recebidos por instituições de ensino privadas são impenhoráveis

​Os valores recebidos por instituições de ensino superior privadas vinculados ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) – seja via certificados financeiros do tesouro ou seu equivalente financeiro – são impenhoráveis.

O entendimento é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que deu provimento ao recurso de uma instituição de ensino para declarar a impenhorabilidade dos créditos.

Em exceção de pré-executividade, a instituição alegou que os créditos oriundos do Fies não poderiam ser penhorados. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) considerou que a pretensão não caracterizava questão de ordem pública e que os créditos recebidos pelas faculdades por meio do programa Bolsa Universitária não se enquadram na impenhorabilidade prevista no artigo 833, IX, do Código de Processo Civil de 2015, uma vez que não existe obrigação de que os recursos sejam compulsoriamente aplicados em educação. Com esses fundamentos, indeferiu o pedido.

Segundo a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso no STJ, o recebimento desses títulos ou valores pelas instituições de ensino privadas está diretamente condicionado à efetiva prestação de serviços educacionais aos alunos beneficiados pelo financiamento estudantil, sendo, inclusive, vedada a sua negociação com outras pessoas jurídicas de direito privado, como prevê o parágrafo 1º do artigo 10 da Lei 10.260/2001.

Ela afirmou que o importante a analisar, no caso, é se os recursos recebidos são vinculados ao programa governamental.

“O fato de a recorrente ter prestado os serviços de educação previamente ao recebimento dos créditos correspondentes do Fies não descaracteriza sua destinação; ao contrário, reforça a ideia de que se trata de recursos compulsoriamente aplicados em educação.”

Interesse públic​​o

Nancy Andrighi destacou que o intuito de fazer prevalecer o interesse coletivo em relação ao interesse particular justifica a previsão de impenhorabilidade dos recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, regra estabelecida no inciso IX do artigo 833 do Código de Processo Civil.

Segundo a relatora, além de remunerar os serviços prestados, os créditos recebidos do Fies retribuem a oportunidade dada aos estudantes de menor renda de obter a formação de nível superior, de aumentar suas chances de inserção no mercado de trabalho formal e melhorar a qualidade de vida da família.

“Permitir a penhora desses recursos públicos transferidos às instituições particulares de ensino poderia frustrar a própria adesão ao programa e, em consequência, o atingimento dos objetivos por ele traçados”, concluiu a relatora.

No voto acompanhado pelos demais ministros da turma, Nancy Andrighi disse que os recursos são vinculados a um fim social – portanto, impenhoráveis.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚM. 282⁄STF. EMBARGOS À EXECUÇÃO. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. CRÉDITOS VINCULADOS AO FIES. RECURSO PÚBLICO RECEBIDO POR INSTITUIÇÃO PRIVADA PARA APLICAÇÃO COMPULSÓRIA EM EDUCAÇÃO. IMPENHORABILIDADE. JULGAMENTO: CPC⁄15.
1. Exceção de pré-executividade oferecida nos embargos à execução em 29⁄01⁄2019, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 19⁄08⁄2019 e atribuído ao gabinete em 07⁄10⁄2019.
2. O propósito recursal é dizer sobre a possibilidade de penhora dos créditos vinculados ao Fundo de Financiamento Estudantil – FIES, constituídos em favor da recorrente.
3. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial (súm. 282⁄STF).
4. O recebimento, pelas instituições de ensino superior, dos Certificados Financeiros do Tesouro – Série E (CFT-E) – e mesmo do valor financeiro equivalente, no caso da sua recompra – está condicionado à efetiva prestação de serviços educacionais aos alunos beneficiados pelo financiamento estudantil, sendo, inclusive, vedada a sua negociação com outras pessoas jurídicas de direito privado (art. 10, § 1º, da Lei 10.260⁄01).
5. O intuito de fazer prevalecer o interesse coletivo em relação ao interesse particular justifica a previsão de impenhorabilidade dos recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, prevista no art. 833, IX, do CPC⁄15.
6. O fato de a recorrente ter prestado os serviços de educação previamente ao recebimento dos créditos correspondentes do FIES não descaracteriza sua destinação; ao contrário, reforça a ideia de que se trata de recursos compulsoriamente aplicados em educação.
7. Hipótese em que, incidindo a penhora diretamente sobre recursos de origem pública e sendo os valores recebidos pela recorrente vinculados à contraprestação pelos serviços educacionais prestados, conclui-se pela impenhorabilidade dos referidos créditos.
8. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1840737

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