A interposição de um único agravo de instrumento para atacar múltiplas decisões interlocutórias não viola o princípio da unicidade recursal, já que não há na legislação processual nenhum impedimento a essa prática.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou o entendimento para dar provimento ao recurso de uma empresa de leilões e possibilitar a análise de seu agravo de instrumento no tribunal de origem.
Segundo o processo, uma empresa de genética de animais ajuizou ação de cancelamento de protesto cumulada com compensação de danos morais contra um banco e a empresa de leilões, tendo em vista o protesto supostamente indevido de duplicata no valor de R$ 35 mil.
A primeira decisão interlocutória deferiu parcialmente a antecipação de tutela para suspender os efeitos do protesto do título. A segunda determinou que a autora da ação fosse intimada para prestar caução. A terceira decisão estendeu a antecipação da tutela a novo protesto ocorrido posteriormente ao ajuizamento da ação.
A empresa de leilões entrou tempestivamente com um agravo de instrumento atacando as três decisões. Tanto o juiz singular quanto o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) negaram a análise do agravo em razão de sua “manifesta inadmissibilidade”.
O entendimento das instâncias de origem é que a empresa de leilões deveria interpor um recurso para cada decisão, respeitando, dessa forma, a unicidade recursal.
Mesma espécie
Segundo a ministra relatora do recurso especial, Nancy Andrighi, a prática, apesar de não ser comum, é legítima, pois o agravo estava atacando decisões da mesma espécie. Ela mencionou precedente da Terceira Turma, de sua própria relatoria, julgado em 2012, que decidiu no mesmo sentido (REsp 1.112.599).
“Mesmo que o esperado fosse a interposição de três recursos distintos, porque três eram as decisões combatidas, o fato de a recorrente ter-se utilizado de um único recurso não pode lhe tolher o direito de ter seus argumentos apreciados pelo tribunal competente.”
A relatora lembrou que o princípio da unicidade recursal (também chamado de singularidade ou unirrecorribilidade) consagra a premissa de que, para cada decisão a ser atacada, há um único recurso próprio e adequado previsto no ordenamento jurídico. As exceções são o recurso especial e o recurso extraordinário, que podem ser interpostos contra o mesmo acórdão, e os embargos de declaração.
Nessa linha de ideias, Nancy Andrighi afirmou que, em regra, não é possível a utilização de mais de um recurso para impugnar a mesma decisão, sob pena de o segundo não ser conhecido por preclusão consumativa.
“Todavia, mencionado princípio não veda a interposição de um único recurso para impugnar mais de uma decisão. E não há, na legislação processual, qualquer impedimento a essa prática, não obstante seja incomum”, concluiu a relatora.
Veja a Ementa:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CANCELAMENTO DE PROTESTO CUMULADA COM COMPENSAÇÃO DE DANOS MORAIS. INTERPOSIÇÃO DE UM ÚNICO RECURSO PARA ATACAR TRÊS DECISÕES DISTINTAS. POSSIBILIDADE.
1. Ação de cancelamento de protesto cumulada com compensação de danos morais.
2. Ação ajuizada em 15⁄09⁄2014. Recurso especial concluso ao gabinete em 22⁄09⁄2016. Julgamento: CPC⁄73.
3. O propósito recursal é analisar se houve violação do princípio da unirrecorribilidade recursal, tendo em vista a interposição de um único recurso de agravo de instrumento para impugnar três decisões interlocutórias distintas.
4. O princípio da singularidade, também denominado da unicidade do recurso ou unirrecorribilidade, consagra a premissa de que, para cada decisão a ser atacada, há um único recurso próprio e adequado previsto no ordenamento jurídico.
5. A recorrente utilizou-se do recurso correto (respeito à forma) para impugnar as decisões interlocutórias, qual seja o agravo de instrumento.
6. O princípio da unirrecorribilidade não veda a interposição de um único recurso para impugnar mais de uma decisão. E não há, na legislação processual, qualquer impedimento a essa prática, não obstante seja incomum.
7. Recurso especial conhecido e provido.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1628773