Turma afasta responsabilidade de cirurgião por erro de anestesista que levou paciente a estado vegetativo

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Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o médico-cirurgião, ainda que seja o chefe da equipe, não pode ser responsabilizado solidariamente por erro médico cometido exclusivamente pelo anestesista.

Aplicando esse entendimento, por maioria de votos, o colegiado reformou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) para restabelecer sentença que atribuiu exclusivamente ao anestesista a responsabilidade pelo erro que levou uma paciente a ficar em estado vegetativo. Em consequência, o juízo negou o pedido de indenização contra o cirurgião-chefe.

Na ação de indenização por danos morais e materiais, ajuizada apenas contra o cirurgião, a família narrou que a paciente, de 24 anos, foi submetida a cirurgia de redução de mamas, que transcorreu normalmente. Na sala de recuperação anestésica, porém, ela apresentou quadro de instabilidade respiratória e, como apurado pela perícia, foi vítima de negligência de atendimento por parte do anestesista.

Por causa desse erro médico, a mulher ficou em estado vegetativo, mantendo somente as funções fisiológicas essenciais, como respiração e circulação.

O pedido de indenização foi julgado improcedente em primeiro grau, mas o TJSP reformou a sentença e concluiu que o cirurgião, por ter escolhido o anestesista, teria responsabilidade pelo erro médico.

Relação de subordinação entre os médicos

O autor do voto que prevaleceu no colegiado, ministro Marco Aurélio Bellizze, explicou que o acórdão do TJSP está em dissonância com o entendimento pacificado na Segunda Seção, de que é preciso haver relação de subordinação entre os médicos para configurar a solidariedade.

Bellizze lembrou que, no julgamento dos EREsp 605.435, os magistrados entenderam que o cirurgião, ainda que seja chefe de equipe, não pode ser responsabilizado por erro médico cometido exclusivamente pelo médico anestesista, como ocorreu na hipótese em julgamento.

“Considerando que, no presente caso, é fato incontroverso nos autos que o erro médico foi cometido exclusivamente pelo anestesista, não há como responsabilizar o médico-cirurgião, ora recorrente, pelo fatídico evento danoso, impondo-se, assim, a reforma do acórdão recorrido”, concluiu o ministro ao restabelecer a sentença.

O EREsp 605435 ficou assim ementado:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CIVIL E CONSUMIDOR. ERRO MÉDICO. RESPONSABILIDADE DOS MÉDICOS CIRURGIÃO E ANESTESISTA. CULPA DE PROFISSIONAL LIBERAL (CDC, ART. 14, § 4º). RESPONSABILIDADE PESSOAL E SUBJETIVA. PREDOMINÂNCIA DA AUTONOMIA DO ANESTESISTA, DURANTE A CIRURGIA. SOLIDARIEDADE E RESPONSABILIDADE OBJETIVA AFASTADAS.
1. Não se conhece dos embargos de divergência apresentados pela Clínica, pois: (I) ausente o necessário cotejo analítico entre os acórdãos embargado e paradigma, para fins de comprovação da divergência pretoriana (RISTJ, arts. 255, §§ 1º e 2º, e 266, § 1º); e (II) o dissídio apontado baseia-se em regra técnica de conhecimento do recurso especial.
2. Comprovado o dissídio pretoriano nos embargos de divergência opostos pelo médico cirurgião, devem ser conhecidos.
3. A divergência cinge-se ao reconhecimento, ou afastamento, da responsabilidade solidária e objetiva (CDC, art. 14, caput) do médico-cirurgião, chefe da equipe que realiza o ato cirúrgico, por danos causados ao paciente em decorrência de erro médico cometido exclusivamente pelo médico-anestesista.
4. Na Medicina moderna a operação cirúrgica não pode ser compreendida apenas em seu aspecto unitário, pois frequentemente nela interferem múltiplas especialidades médicas. Nesse contexto, normalmente só caberá a responsabilização solidária e objetiva do cirurgião-chefe da equipe médica quando o causador do dano for profissional que atue sob predominante subordinação àquele.
5. No caso de médico anestesista, em razão de sua capacitação especializada e de suas funções específicas durante a cirurgia, age com acentuada autonomia, segundo técnicas médico-científicas que domina e suas convicções e decisões pessoais, assumindo, assim, responsabilidades próprias, segregadas, dentro da equipe médica. Destarte, se o dano ao paciente advém, comprovadamente, de ato praticado pelo anestesista, no exercício de seu mister, este responde individualmente pelo evento.
6. O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 14, caput, prevê a responsabilidade objetiva aos fornecedores de serviço pelos danos causados ao consumidor em virtude de defeitos na prestação do serviço ou nas informações prestadas – fato do serviço. Todavia, no § 4º do mesmo artigo, excepciona a regra, consagrando a responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais. Não há, assim, solidariedade decorrente de responsabilidade objetiva, entre o cirurgião-chefe e o anestesista, por erro médico deste último durante a cirurgia.
7. No caso vertente, com base na análise do contexto fático-probatório dos autos, o colendo Tribunal de Justiça afastou a culpa do médico-cirurgião – chefe da equipe -, reconhecendo a culpa exclusiva, com base em imperícia, do anestesista.
8. Embargos de divergência da Clínica não conhecidos.
9. Embargos de divergência do médico cirurgião conhecidos e providos.

O recurso no TJSP, ficou assim ementado:

INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAISE MORAIS ERRO MÉDICO – Trauma irreversível – Perda dos atributos –  atributos da neuro-sensibilidade, mobilidade, consciência, mantendo incólume apenas funções fisiológicas, em quadro de respiração e circulação – Improcedência da ação decretada – Inconformismo – Acolhimento – Laudo pericial produzido que concluiu peremptoriamente pela relação direta do erro médico e pós-cirúrgico e os resultados lesivos experimentados – Responsabilização do cirurgião chefe da equipe que atendeu a paciente – Falha na prestação de serviço – Negligência configurada –  Responsabilidade solidária – Pensão mensal –  Cabimento – Inteligência do art. 1.539 do Código Civil de 1.916, vigente à época dos fatos – Arbitramento em 2 (dois) salários mínimos –  Verba devida, com correção monetária e juros de mora incidentes daquela data (Súmulas 43 e 54 do STJ) Ressarcimento das despesas demonstradas que se mostraram suficientes – Danos morais – Ocorrência Indenização que deve ser proporcional e adequada ao caso concreto – Fixação em R$200.000,00 (duzentos mil reais) para a autora SIMONE ALVES PEREIRA e R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais)para o coautor OSVALDO PEDROZO, que está em consonância com a regra do artigo 944 do Código Civil e se mostra condizente com o dano sofrido, além de atribuir caráter educativo à reprimenda – Correção desta data(Súmula 362 do STJ) e juros de mora contados do evento – Sentença reformada Inversão da sucumbência – Recurso parcialmente provido.

No STJ, o recurso ficou assim ementado:

RECURSO  ESPECIAL.  AÇÃO  DE  INDENIZAÇÃO  POR  DANOS  MATERIAIS  E  MORAIS.  1. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. 2. ERRO MÉDICO COMETIDO  EXCLUSIVAMENTE  PELO  ANESTESISTA,  QUE  NÃO  FAZ  PARTE  DO  POLO PASSIVO.  RESPONSABILIZAÇÃO  DO  MÉDICO  CIRURGIÃO.  IMPOSSIBILIDADE.  ACÓRDÃO RECORRIDO  EM  DISSONÂNCIA  COM  O  ENTENDIMENTO  PACIFICADO  PELA  SEGUNDA SEÇÃO DO STJ, POR OCASIÃO DO JULGAMENTO DO ERESP  605.435/RJ. 3. RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. RECURSO PROVIDO.

  1. Não há  que  se  falar  em  negativa  de  prestação  jurisdicional,  pois  todas  as  alegações formuladas  no  recurso  de  apelação  interposto  pelo  ora  recorrente  foram  devidamente analisadas pelo Tribunal de Justiça.

  2. O acórdão  recorrido  está  em  manifesta  dissonância  com  o  entendimento  pacificado  na Segunda  Seção  do Superior Tribunal de Justiça,  que, por ocasião  do julgamento  do EREsp 605.435/RJ,  entendeu  que  o  médico  cirurgião,  ainda  que  se  trate  de  chefe  de  equipe,  não pode ser responsabilizado por erro médico cometido exclusivamente pelo médico anestesista, como ocorrido na hipótese.

  3. Recurso especial provido

Leia o acórdão no REsp 1.790.014.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1790014

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