No novo CPC, declinação de competência sobre rescisória para o STJ impõe complemento e remessa dos autos

Em razão da substituição do acórdão do tribunal local pela decisão do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.284.035 – em que foi mantida a vedação à capitalização de juros em cédula de crédito comercial –, a Terceira Turma reconheceu a competência do STJ para julgar a respectiva ação rescisória, na qual se discute a legalidade do anatocismo (juros sobre juros).

Por unanimidade, o colegiado deu parcial provimento a recurso do Banco do Brasil e determinou ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) que permita à instituição financeira emendar sua petição inicial na ação rescisória e, em seguida, remeta o processo ao STJ, o qual tem competência para o julgamento, nos termos do artigo 105, inciso I, alínea “e”, da Constituição. Também deverá ser dada oportunidade à parte adversa para complementar seus argumentos de defesa.

Segundo os autos, o Banco do Brasil entrou com a ação rescisória para desconstituir uma sentença transitada em julgado no STJ, que tratava da vedação à capitalização de juros remuneratórios fixados em cédula de crédito comercial.

Após a instrução, o TJMS concluiu ser incompetente para analisar o pedido rescisório, tendo em vista que a matéria de mérito havia sido decidida pelo STJ. Por isso, a corte estadual extinguiu a ação.

Lei nova

O relator na Terceira Turma, ministro Marco Aurélio Bellizze, observou que a jurisprudência do tribunal entende que a ação rescisória, quanto aos seus pressupostos, deve ser regida pela lei processual em vigor ao tempo do trânsito em julgado da decisão rescindenda (QO na AR 5.931), sendo que os atos a serem realizados no curso do processo devem observar a lei nova.

No entanto, o magistrado destacou que não estavam em discussão os pressupostos da rescisória, mas sim a consequência jurídica do reconhecimento da competência absoluta do STJ no caso. Segundo Bellizze, por se tratar de regra de procedimento, que se aplica no curso da demanda, deve ser considerada a norma processual em vigor no momento do ato judicial que confirma ou declina da competência, “em observância ao sistema (teoria) do isolamento dos atos processuais”.

Para ele, embora a ação rescisória tenha sido proposta sob a vigência do Código de Processo Civil de 1973, sua extinção sem resolução do mérito pelo TJMS ocorreu já sob o CPC/2015. Portanto, o ministro considerou ser necessário o atendimento do artigo 968, parágrafos 5º e 6º, do novo código, que deve ser observado quando houver dúvida fundada sobre a competência (os dispositivos preveem a complementação dos autos e a sua remessa ao juízo competente).

De acordo com Bellizze, a competência do STJ para a ação rescisória dos seus julgados é absoluta; por isso, considerando-se incompetente o tribunal de origem, impõe-se não a extinção do processo, mas a remessa dos autos à corte superior, como preceitua o artigo 64, parágrafo 3º, do CPC/2015.

Para o relator, o TJMS aplicou erroneamente a orientação constante do Enunciado Administrativo 2/STJ – que se refere tão somente aos pressupostos recursais –, bem como utilizou indevidamente o sistema da unidade processual, em vez do sistema do isolamento dos atos processuais, que é o adotado pela legislação, pela jurisprudência e pela doutrina majoritária.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. CÉDULA DE CRÉDITO COMERCIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. OMISSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. COMPETÊNCIA ABSOLUTA DO STJ PARA JULGAMENTO DA AÇÃO RESCISÓRIA. OPERADO O EFEITO SUBSTITUTIVO DO RECURSO ESPECIAL CUJO ACÓRDÃO TRANSITOU EM JULGADO. CARACTERIZAÇÃO DE DÚVIDA FUNDADA QUANTO AO TRIBUNAL COMPETENTE. NECESSIDADE DE REMESSA DO FEITO. EXEGESE DOS ARTS. 64, § 3º, E 968, §§ 5º E 6º, DO CPC⁄2015. REGRA DE PROCEDIMENTO. APLICAÇÃO DO SISTEMA DO ISOLAMENTO DOS ATOS PROCESSUAIS. RECURSO ESPECIAL DE BANCO DO BRASIL S.A. CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
1. O propósito recursal consiste em definir: i) a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional; ii) o Tribunal competente para o julgamento da ação rescisória ajuizada perante o Tribunal de origem; e iii) caso reconhecida a competência desta Corte Superior, a norma processual regente da consequência jurídica oriunda do julgamento de incompetência do Tribunal de origem, se a extinção do processo sem resolução do mérito ou a remessa dos autos ao Tribunal competente, nos termos do art. 968, §§ 5º e 6º, do CPC⁄2015.
2. Verifica-se que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução da lide, de forma fundamentada, não havendo falar em negativa de prestação jurisdicional.
3. Operado o efeito substitutivo do acórdão rescindendo prolatado por este Tribunal Superior, nos autos do REsp n. 1.284.035⁄MS, em que se manteve a vedação à capitalização de juros em cédula de crédito comercial, segundo o art. 512 do CPC⁄1973 (art. 1.008 do CPC⁄2015), ressai incontestável a competência do STJ para o julgamento da ação rescisória na qual se discute acerca da legalidade do anatocismo, nos termos do art. 105, I, e, da CF⁄1988.
4. Os pressupostos processuais da ação rescisória, assim como as respectivas hipóteses de cabimento, devem ser aferidos segundo a lei processual vigente ao tempo do trânsito em julgado da decisão rescindenda, ao passo que, sobrevindo lei adjetiva nova no curso da demanda, os atos futuros ainda não iniciados submeter-se-ão à novatio legis, consoante preconiza o sistema do isolamento dos atos processuais adotado pela jurisprudência desta Corte Superior e positivado nos arts. 1.211 do CPC⁄1973 e 14 e 1.046 do CPC⁄2015.
5. Não obstante a presente ação rescisória tenha sido proposta sob a égide do diploma processual revogado, o julgamento de extinção do processo sem resolução de mérito pelo TJMS, em virtude de incompetência, se deu à luz do CPC⁄2015, de forma a incidir a lei nova e, por conseguinte, o atendimento à providência do art. 968, §§ 5º e 6º, do CPC⁄2015, por configurar regra de procedimento, que deve ser observada quando houver dúvida fundada acerca da competência, como na hipótese.
6. De rigor, assim, a devolução dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul para que seja oportunizado ao autor a emenda da inicial e, posteriormente, ao réu a complementação dos argumentos de defesa, com a subsequente remessa do feito a esta Corte Superior para processamento e julgamento da ação rescisória em comento.
7. Recurso especial de Banco do Brasil S.A. conhecido e parcialmente provido.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1756749

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