A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) para federalização das ações penais relativas ao caso Favela Nova Brasília – uma série de mortes e outros crimes ocorridos durante incursões de policiais civis nessa comunidade do Rio de Janeiro, entre os anos de 1994 e 1995.
Com base em manifestação mais recente do Ministério Público Federal, o colegiado entendeu que não há razão para retirar a competência dos órgãos de persecução penal do Rio de Janeiro, os quais têm cumprido a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que, em 2017, reconheceu a ocorrência de grave violação aos direitos humanos.
O caso Favela Nova Brasília diz respeito a dois episódios ocorridos na comunidade: em 18 de outubro de 1994, durante uma operação policial, 13 moradores foram mortos e três mulheres – duas delas menores de idade na época – sofreram abusos sexuais. No ano seguinte, em 8 de maio de 1995, mais 13 pessoas foram mortas em nova entrada de policiais na favela.
Federalização exige o cumprimento de requisitos
O relator do pedido, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, destacou que a jurisprudência do STJ se firmou no sentido da necessidade do cumprimento de três requisitos cumulativos para o acolhimento do incidente de deslocamento de competência: a constatação de grave violação a direitos humanos; a possibilidade de responsabilização internacional do Brasil em razão do descumprimento de tratados; e a demonstração de que os órgãos locais não possuem condições de prosseguir na condução das apurações.
Em relação aos episódios de 1994, o ministro apontou que, após o julgamento da CIDH, os réus foram denunciados e mandados a júri popular. Em agosto deste ano, eles foram absolvidos pelo tribunal do júri – o que demonstra o funcionamento atual das instituições fluminenses e afasta um dos requisitos para a admissão do incidente.
“No tocante aos fatos de 1994, a despeito de ter ocorrido uma patente desídia na investigação durante mais de dez anos, foram apuradas provas suficientes para o oferecimento de denúncia e para a pronúncia dos investigados, o que demonstra que a máquina estatal, por meio das instituições judiciárias estaduais, vem-se desincumbindo, atualmente, a contento, de suas funções, em busca de efetuar a devida persecução penal dos apontados como envolvidos nas mortes em questão”, afirmou o ministro.
Não há vício que justifique o deslocamento
No mesmo sentido, o relator assinalou que já foi recebida a denúncia contra os supostos responsáveis pelas agressões sexuais ocorridas em 1994, o que também afasta a justificativa para o envio dos autos à Justiça Federal.
Quanto aos fatos ocorridos em 1995, Reynaldo Soares da Fonseca afirmou que, embora também seja patente o “descaso estatal na condução de inquérito policial que perdurou, inicialmente, por 14 anos, culminando em sucessivos arquivamentos”, não teria sentido anular o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio que referendou o último arquivamento do caso para mandá-lo à Justiça Federal, pois os crimes ocorreram há mais de 25 anos e já prescreveram.
Além disso, ele observou que a mais recente tentativa de reabrir as investigações, após a condenação imposta pela CIDH, foi infrutífera, e o parecer final do Ministério Público Federal considerou que, mesmo tendo havido efetiva investigação policial, o MP estadual concluiu pela ausência de provas suficientes para sustentar a denúncia.
“Assim sendo, não há como se discernir um cenário jurídico possível que recomende o deslocamento da competência para condução do inquérito para a Justiça Federal”, concluiu o ministro ao negar o pedido de deslocamento da competência.
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O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.