Suspensa análise de RE sobre legalidade de execução extrajudicial de dívida hipotecária

O ministro Dias Toffoli pediu vista dos autos do Recurso Extraordinário (RE) 556520, interposto pelo Banco Bradesco S/A, a fim de que seja reconhecida a constitucionalidade de execução extrajudicial de crédito hipotecário, prevista nos artigos 30, parte final, e 31 a 38, do Decreto-lei nº 70, de 21 de novembro de 1966. O julgamento da matéria, com repercussão geral reconhecida, teve início na sessão plenária do Supremo Tribunal Federal (STF) ocorrida nesta quarta-feira (25).

O caso

De acordo com o RE, para a aquisição de um imóvel próprio, um casal de paulistanos e o Banco Bradesco adotaram, no contrato de compra e venda, o procedimento extrajudicial de crédito hipotecário. Devido ao inadimplemento das prestações, o casal teve contra si execução extrajudicial de seu imóvel e, consequentemente, arrematação pelo credor hipotecário.

Inconformado, o casal ajuizou ação anulatória julgada improcedente pela primeira instância. Em seguida, interpôs recurso de apelação que foi provido, por maioria de votos, pela 22ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que desfez a arrematação.

Tese do autor

No RE, o Bradesco questiona esta decisão do TJ-SP, baseada na Súmula nº 39, do extinto Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, que entendeu serem inconstitucionais os artigos 30, parte final, 31 a 38 do Decreto-lei 70/66. Aponta violação ao artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, e ressalta a harmonia dos dispositivos do Decreto-lei e a CF.

O autor do recurso afirma que a execução extrajudicial de dívida hipotecária não é uma inovação do direito brasileiro, nem do citado decreto-lei, na medida em que também está contemplada nos artigos 774, inciso IlI, do Código Civil, e artigo 279, do Código Comercial, além do artigo 120, parágrafo 2º, da Lei de Falências. Também sustenta que a Constituição Federal recepcionou o Decreto-lei 70/66.

Por fim, o banco assevera que a execução extrajudicial prevista no decreto não implica a usurpação do controle da matéria pelo Poder Judiciário, nem priva o mutuário do devido processo legal. Assim, pede para que seja reformado o acórdão contestado para conhecer a constitucionalidade da regular execução extrajudicial do crédito hipotecário estabelecida no Decreto-lei.

Voto do relator

“O princípio da razoabilidade é conducente a concluir-se que ninguém deixa de pagar prestação do próprio teto e da respectiva família sem uma causa ponderável”, disse o ministro Marco Aurélio, relator da matéria. Para ele, “nem mesmo a relapsia seria suficiente a chegar-se a execução privada contemplada, em relação a certa casta de credores, no Decreto-lei 70/66”.

O relator ressaltou que, conforme mandamento constitucional, a perda de um bem há de respeitar o devido processo legal que remete, necessariamente, ao Judiciário “já que ninguém pode fazer justiça com as próprias mãos”. O ministro Marco Aurélio avaliou que a perda de bens sem um devido processo legal é incompatível com a Constituição e, portanto, “contrária a um verdadeiro Estado Democrático de Direito”.

O ministro observou que, segundo as normas do decreto, “inexistindo a purgação da mora, passa o credor a estar de pleno direito autorizado a publicar editais e a efetuar no decurso de 15 dias imediatos o primeiro leilão público do imóvel hipotecado”. Completou o relator ressaltando que a automaticidade de providências “acabam por alcançar o direito de propriedade, perdendo o devedor, sem possibilidade de defender-se, o bem que até então integrava-lhe o patrimônio”.

Ainda, de acordo com o ministro Marco Aurélio, o Decreto-lei 70/66 estabelece que o Judiciário apenas pode ser acionado para discutir aspectos formais “ficando jungida a posse, não arrematação, e o registro da carta respectiva no cartório de imóveis, mas a requerimento judicial”.

“Está-se diante de regência, sob todos os ângulos, incompatível com a Constituição Federal no que assegura aos litigantes, em processos judicial ou administrativo, e, aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes e se vincula a perda de bem ao devido processo legal”, analisou.

Resquício do autoritarismo

O ministro salientou que o Decreto-lei 70/66 “é resquício do autoritarismo da época, do esvaziamento do Judiciário como uma garantia do cidadão, do tratamento diferenciado a beneficiar justamente a parte mais forte na relação jurídica, ou seja, a parte credora”. Ele entendeu que o ponto do decreto que viabiliza a execução privada não foi recepcionado pela Carta da República.

Dessa forma, o ministro Marco Aurélio desproveu o Recurso Extraordinário, declarando a inconstitucionalidade dos citados dispositivos. O voto do relator foi seguido pelo ministro Luiz Fux, antes da suspensão do julgamento devido ao pedido de vista.

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