Primeira Turma mantém multa de R$ 700 mil a distribuidora que vendeu remédio acima do preço permitido

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, negou provimento ao recurso no qual uma distribuidora de produtos hospitalares questionava a multa de R$ 700 mil que lhe foi imposta por ter vendido remédios acima dos preços permitidos pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) do Rio Grande do Sul.

A multa, no valor inicial de cerca de R$ 1 milhão, foi aplicada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que entendeu que a empresa cobrou além do permitido por um remédio para doença renal crônica.

Na ação ajuizada para tentar anular a multa, a distribuidora alegou que o preço praticado foi resultado de um termo de ajustamento de conduta (TAC) firmado por ela com o Ministério Público do Rio Grande do Sul, a Secretaria de Saúde e a produtora do medicamento.

Após o juízo de primeiro grau julgar o pedido improcedente, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) considerou que o TAC celebrado com autoridades estaduais não afasta a competência da União, por meio da Anvisa, para regular os preços no setor. Contudo, o TRF4 considerou desproporcional o valor da multa e o reduziu ao patamar de R$ 700 mil.

Recurso não impugnou fundamento suficiente para manter a multa

Ao STJ, a distribuidora sustentou que, conforme o artigo 4º da Lei 10.742/2003, a multa seria ilegal, pois a norma é direcionada exclusivamente às empresas produtoras de medicamentos, e não às distribuidoras. Alegou, ainda, que o acórdão do TRF4 violou o artigo 5º, parágrafo 6º, da Lei 7.347/1985 e ofendeu os princípios da confiança legítima, da proporcionalidade e da razoabilidade.

O ministro Gurgel de Faria, relator, observou que as alegações da empresa recorrente não têm a capacidade de invalidar a aplicação da multa, na medida em que o artigo 4º da Lei 10.742/2003, segundo o entendimento das instâncias ordinárias, não foi o único dispositivo legal que embasou a imposição da sanção.

De acordo com o ministro, a autuação da empresa também foi fundamentada no artigo 8º da Lei 10.742/2003, o qual é suficiente para a manutenção da multa, uma vez que estabelece que o descumprimento de atos estipulados pela CMED, bem como de norma prevista na própria Lei 10.742/2003, sujeita-se às sanções administrativas previstas no artigo 56 da Lei 8.078/1990.

“No caso, conforme se observa do acórdão recorrido, a empresa recorrente teria descumprido atos emanados pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos, na forma do artigo mencionado, pelo que, independentemente da aplicação ou não do artigo 4º em relação àquela, a sanção se manteria por conta de outro fundamento que nem sequer foi impugnado no apelo”, declarou.

TAC não exclui a atuação da Anvisa

Quanto à alegação de violação ao artigo 5º, parágrafo 6º, da Lei 7.347/1985, o relatou afirmou que até poderia ser considerada, se as mesmas autoridades que firmaram o TAC tivessem, em desrespeito aos limites daquele acordo, fixado a multa.

Contudo, o ministro apontou que o TAC – firmado para disciplinar questão relacionada à prestação de saúde no Rio Grande do Sul – não tem o efeito de excluir a atuação da Anvisa, a qual agiu em âmbito distinto (regulação do setor farmacêutico e dos preços de medicamentos).

Sobre o valor da multa, Gurgel de Faria ressaltou que, nos termos da jurisprudência do STJ, ele só poderia ser alterado em recurso especial se fosse flagrantemente irrisório ou excessivo, situação não verificada no caso.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS. PREÇOS ACIMA DO REGULAMENTO DA CMED. MULTA. LEGALIDADE. TAC. ÂMBITO ESTADUAL. EXCLUSÃO. ATUAÇÃO DA ANVISA. IMPOSSIBILIDADE. ATRIBUIÇÕES DISTINTAS.
1. Não há violação do art. 1.022, II, do CPC quando o órgão julgador, de forma clara e coerente, externa fundamentação adequada e suficiente à conclusão do acórdão embargado, como no caso dos autos, em que o Tribunal Regional expressamente enfrentou a controvérsia sobre a possível inaplicabilidade do art. 4º da Lei n. 10.742/2003 em relação às distribuidoras de medicamentos.
2. Ainda que o art. 4º da Lei n. 10.742/2003 regesse apenas a atuação dos produtores de medicamentos (excluindo os distribuidores), não seria o caso de afastar, na espécie, a multa amargada pela empresa recorrente, na medida em que, segundo consta das decisões da instância ordinária, tal dispositivo não foi o único que embasou a aplicação da sanção.
3. Hipótese em que a punição infligida à recorrente também se alicerçou no art. 8º da Lei n. 10.742/2003, que tem densidade normativa suficiente para manutenção da multa, uma vez que a empresa recorrente teria descumprido atos emanados pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos – CMED, na forma do artigo supracitado, pelo que, independentemente da aplicação ou não do art. 4º em relação àquela, a sanção se manteria por conta de outro fundamento que nem sequer foi impugnado no apelo.
4. Também não se sustenta a alegação de violação ao art. 5º, § 6º da n. Lei 7.347/1985, pois a contrariedade ao referido dispositivo – e, por consequência, ao princípio da confiança – seria aplicável se as mesmas autoridades que firmaram o TAC, no âmbito das suas atribuições legais, tivessem, em desrespeito aos limites do acordo, fixado a multa ora questionada, o que não ocorreu.
5. No caso, o TAC firmado com autoridades estaduais, cujo objeto era disciplinar questão relacionada à prestação de saúde no estado do Rio Grande do Sul, não tem o condão de excluir a atuação de agência federal (ANVISA) em âmbito, inclusive, distinto (regulação do setor farmacêutico e dos preços praticados na venda de medicamentos).
6. Sobre a proporcionalidade da sanção administrativa aplicada, nos termos da pacífica jurisprudência do STJ, “o reexame do critério para sua fixação, bem como sua proporcionalidade para majorá-la ou reduzi-la é vedado em recurso especial por exigir revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos (Súmula n. 7 do STJ)” (AgInt no REsp n. 1.957.817/TO, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 22/5/2023, DJe de 25/5/2023).
7. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, não provido.

Leia o acórdão no REsp 1.916.816.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1916816

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