O sistema permite procurar eventual patrimônio oculto dos devedores por meio das movimentações financeiras.
A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho deferiu a uma operadora de telemarketing de São Paulo (SP) a possibilidade de acesso ao Sistema de Investigação de Movimentações Bancárias (Simba) para tentar, em processo de execução, receber créditos trabalhistas em ação contra a Contractors Peopleware and Technology Serviços de Teleatendimento Ltda. De acordo com o colegiado, o não pagamento da condenação é suficientemente grave para autorizar o uso do mecanismo, que permite procurar a existência de patrimônio oculto dos devedores.
Simba
O Sistema Simba e o outros mecanismos semelhantes, como o Sistema Comprot, da Receita Federal, e a Rede Lab-LD, voltado para a lavagem de dinheiro, são utilizados pela Justiça do Trabalho, mediante convênios específicos, para acessar bancos de dados e ferramentas eletrônicas variadas, com o objetivo de localizar bens de devedores e obter as informações necessárias a uma execução efetiva. No caso do Simba, ele permite acessar informações financeiras além das compreendidas pelo sistema Bacen-Jud, que trata da localização e do bloqueio de valores em contas bancárias.
Movimentação
Após ganhar a reclamação trabalhista, a operadora pediu a realização de pesquisas por meio do Simba, com o argumento de que o processo tramita há mais de 10 anos e que diligências realizadas por outros meio, como o Bacen-Jud e o RenaJud, não tiveram sucesso. Segundo ela, com o Simba, seria possível consultar a movimentação de dados bancários da empresa e seus sócios e verificar eventuais transferências de recursos a terceiros.
Medida excepcional
O pedido foi indeferido tanto pelo primeiro grau quanto pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), que a utilização do sistema implicaria a quebra do sigilo bancário dos executados, medida excepcional que somente seria autorizada se houvesse indícios da ocorrência de ilícitos. Para o TRT, o não pagamento dos valores devidos não se enquadraria entre os ilícitos previstos na Lei Complementar 105/2001, que trata do sigilo das operações das instituições financeiras.
Ilícito trabalhista
O relator do recurso de revista da empregada, ministro José Roberto Pimenta, assinalou que o fundamento do TRT está em descompasso com a postura do TST e de sua Comissão Nacional de Efetividade da Execução Trabalhista, que utiliza e preconiza o uso intenso desse mecanismo e de vários outros. “Todo o desgaste e o esforço das partes e do aparato jurisdicional caem por terra se a sentença se transforma apenas em um pedaço de papel, sem resultados práticos”, afirmou.
Para o relator, a Lei Complementar 105/2001, ao prever a necessidade da existência de indícios da prática de ilícitos pelo alvo da investigação que determina o levantamento do sigilo bancário, está se referindo aos ilícitos em geral, e não apenas aos criminais. “No caso, o ilícito que autoriza a utilização desses mecanismos tecnológicos extremamente eficazes e avançados é um ilícito trabalhista, caracterizado pelo não pagamento de um débito de natureza alimentar ao titular desse direito”, explicou.
Acesso à Justiça
Na avaliação do ministro, a negativa do TRT de autorizar a utilização do sistema viola direta e frontalmente os dispositivos da Constituição da República (artigo 5º, incisos XXXV e LXXVIII) que asseguram o acesso à justiça e a razoável duração do processo. “Não há injustiça maior do que ganhar um processo com decisão transitada em julgado e não conseguir o resultado prático, palpável, econômico de direitos que têm expressão financeira”, concluiu.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO DE REVISTA REGIDO PELO CPC/2015 E PELA INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 40/2016 DO TST. EXECUÇÃO.
INDEFERIMENTO DE REALIZAÇÃO DE PESQUISA NO SISTEMA “SIMBA”. VIOLAÇÃO DOS INCISOS XXXV E LXXVIII DO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, QUE ASSEGURAM O ACESSO À JUSTIÇA E A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO.
O Tribunal Regional indeferiu o pedido de realização de pesquisas pelo Sistema “SIMBA” (Sistema de Investigação de Movimentações Bancárias), ao fundamento de que o inadimplemento das verbas trabalhistas deferidas neste feito, assim como a não localização de bens passíveis de penhora, não possuem o condão de caracterizar, por si sós, o ilícito previsto pela Lei Complementar n° 105/2001, que confere respaldo legal ao aludido sistema, e, portanto, não possibilitam a quebra do sigilo das movimentações bancárias dos executados. Esse fundamento, todavia, revela-se em descompasso com a postura do Tribunal Superior do Trabalho e de sua Comissão Nacional de Efetividade da Execução Trabalhista, que utiliza e preconiza o uso intenso desse mecanismo e de vários outros, em prol da efetividade das execuções trabalhistas. Sabe-se que, para a efetividade da jurisdição, é imprescindível uma sentença executada, pois todo o desgaste e o esforço das partes e do aparato jurisdicional caem por terra se a sentença transforma-se apenas em um pedaço de papel, sem resultados práticos palpáveis, no sentido de tornar realidade a promessa constitucional e legal do direito material trabalhista, em prol dos direitos fundamentais dos trabalhadores, que terão êxito na ação, com coisa julgada formada, e não conseguirão a satisfação dos seus direitos fundamentais sociais descumpridos. O Sistema “SIMBA”, assim como o Sistema “Comprot”, a “Rede Lab-LD” e outros são objetos de convênios específicos firmados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho – para acessar bancos de dados e ferramentas eletrônicas variadas, que têm como objetivos localizar bens de devedores e obter as informações necessárias a uma execução efetiva – , com outros órgãos públicos que desenvolveram esses sistemas em virtude da luta contra a corrupção no Brasil e de todo esse fenômeno em prol do combate às ilegalidades, devendo, portanto, serem usados na esfera trabalhista. Com efeito, o sistema “SIMBA” teve seu uso regulamentado por meio da Resolução nº 140, de 29 de agosto de 2014, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), e foi oriundo de acordo de cooperação técnica firmado entre o CSJT e o Ministério Público Federal, em 16/6/2014, permitindo o tráfego de dados bancários entre instituições financeiras e órgãos públicos, mediante prévia autorização judicial. Desse modo, a LC nº 105/2001, ao aludir à necessidade da existência de indícios da prática de ilícitos pelo alvo da investigação determinada por um juiz, que determina o levantamento do sigilo bancário, no caso o Juiz do Trabalho, está se referindo aos ilícitos em geral, e não apenas a ilícitos criminais. Isso porque o ilícito que, na hipótese, autoriza a utilização desses mecanismos tecnológicos extremamente eficazes e avançados é um ilícito trabalhista, caracterizado pelo não pagamento de um débito trabalhista de natureza alimentar ao titular desse direito, reconhecido por força de uma sentença condenatória transitada em julgado, não havendo, portanto, a necessidade de prática de ilícito criminal. O ilícito trabalhista é suficientemente grave a ponto de autorizar o uso desses mecanismos, que apenas permitem procurar a existência de patrimônio oculto dos devedores trabalhistas que se evadem ao cumprimento das decisões transitadas em julgado. Se a decisão regional nega a utilização desses sistemas que são objetos de convênio com o Tribunal Superior do Trabalho e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, verifica-se, sim, violação direta e frontal aos incisos XXXV e LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal, que asseguram o acesso à Justiça e a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, e, por conseguinte, o direito a uma execução efetiva que permita a satisfação do direito material reconhecido por decisão já transitada em julgado. Acresce-se que o direito a uma execução efetiva é reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência comparada e brasileira, no sentido de compor esse complexo constitucional chamado de devido processo legal ou, como dizem os italianos, modernamente: o Direito é um processo équo e justo. O direito a uma tutela jurisdicional équa , equitativa, e justa. Não há injustiça maior do que ganhar um processo com decisão transitada em julgado e não conseguir o resultado prático, palpável, econômico de direitos que têm expressão financeira. Para usar a expressão de Proto Pisani, os direitos sociais trabalhistas são direitos de expressão financeira, mas com finalidade-meta econômica, porque garantem a sobrevivência digna dos trabalhadores e de seus familiares. Eles têm expressão econômica, mas não têm efeito meramente patrimonial; eles são mais do que mero patrimônio, do que mera ofensa patrimonial. Esta Segunda Turma, a propósito, já decidiu, no julgamento do Processo nº RR-230800-09.1996.5.02.0027, que o indeferimento da utilização do Sistema “Simba” ou do Sistema “Comprot” como mecanismos de efetivação da execução do crédito trabalhista ofende o disposto no artigo 5º, incisos XXXV e LXXVIII, da Constituição Federal.
Recurso de revista conhecido e provido.
Com a decisão, unânime, o processo deverá retornar ao primeiro grau para que seja dado prosseguimento à execução.
Processo: RR-484-34.2010.5.02.0050