Em decisão unânime, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) para autorizar a penhora de um terreno, com matrícula própria, localizado atrás de um bem de família e sem saída para a via pública.
Para o TRF4, não haveria como separar o terreno daquele que serve de residência ao devedor, e essa contiguidade indissolúvel o transformaria, também, em bem de família.
No STJ, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, entendeu de forma diferente. Segundo ele, uma vez que o imóvel encravado possui matrícula própria, ele é considerado um segundo bem do executado e, portanto, é passível de penhora.
Passagem forçada
Em relação ao fato de o terreno não ter acesso à via pública, o relator citou o artigo 1.285 do Código Civil, que dispõe sobre a passagem forçada. Segundo o dispositivo, a passagem é imposta por lei, mas obriga o pagamento de prévia indenização ao vizinho.
“A servidão legal tem o fito de prevenir conflitos sociais entre vizinhos e possibilitar que o exercício do direito de propriedade contemple sua função social, não se confundindo com servidão predial. As servidões legais correspondem aos direitos de vizinhança, tendo como fonte direta a própria lei, incidindo independentemente da vontade das partes”, explicou o ministro.
Menor oneração
Salomão destacou que cabe ao juiz da execução delimitar judicialmente a passagem, estabelecendo o rumo, sempre levando em conta, para fixação de trajeto e largura, a menor oneração possível do prédio vizinho e a finalidade do caminho. As despesas, lembrou o ministro, são de responsabilidade do executado.
“É de rigor a reforma do acórdão recorrido, visto que adota solução incompatível com o princípio da efetividade da tutela executiva, e não observa a solução específica conferida ao caso pelo disposto no artigo 1.285 do CC (correspondente aos artigos 646 e 647 do CPC/73), a propiciar a penhora do imóvel encravado”, concluiu o relator.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO MATERIAL E PROCESSUAL CIVIL. LEI N. 8.009⁄1990. DISPOSIÇÕES EXCEPCIONAIS ACERCA DE IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO RESTRITA. PENHORA DO SEGUNDO IMÓVEL DO PROPRIETÁRIO DO BEM DE FAMÍLIA, AINDA QUE ENCRAVADO. CABIMENTO, COM EXSURGIMENTO DA SERVIDÃO LEGAL DE PASSAGEM.
1. A Lei n. 8.009⁄1990 é de ordem pública, assegurando um mínimo existencial, observadas as regras de exceção nela previstas. Contudo, não é o propósito desse Diploma legal servir de instrumento para favorecer maus pagadores e prejudicar credores.
2. A legislação estabelece, de forma expressa, as hipóteses de exceção ao universal princípio da sujeição do patrimônio do devedor às dívidas, a demandar interpretação estrita, pois a regra geral é a prevista no art. 391 do Código Civil, que dispõe que “pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor”.
3. Por um lado, pelo princípio da efetividade da tutela executiva, o exequente tem direito à satisfação de seu crédito, sem a qual o processo não passa de mera ilusão. Por outro lado, o art. 805 do Novo CPC, consagrando o princípio da efetividade da tutela executiva, impõe ao executado que, acaso alegue existir medida menos gravosa à execução, indique os meios mais eficazes e menos onerosos.
4. O art. 176, § 1º, I, da Lei dos Registros Públicos, em harmonia com o princípio da unitariedade matricial, estabelece que cada matrícula deve especificar apenas um imóvel. É dizer, o imóvel encravado, por ter matrícula própria, constitui um segundo bem imóvel do executado, à parte, pois, daquele em que está situada a residência do devedor (bem de família).
5. O art. 1.285, caput, do Código Civil estabelece que o dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário.
6. Com efeito, é possível a penhora do imóvel encravado, devendo o Juízo, para prevenir conflitos e angariar o sucesso da atividade jurisdicional na execução, previamente à expropriação do bem, tomar todas as medidas necessárias para assegurar a cabal indenização – isto, quando o imóvel serviente de passagem não for do próprio executado – e também para delimitar judicialmente a passagem, estabelecendo o rumo, sempre levando em conta, para a fixação de trajeto e largura, a menor onerosidade possível ao prédio vizinho e a finalidade do caminho.
7. Recurso especial provido.