O Plenário do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO) fixou a tese de validade de norma coletiva de trabalho que, na jornada de 12hx36h, suprime o direito do trabalhador à hora noturna reduzida, ao pagamento em dobro dos feriados laborados e ao adicional noturno sobre as horas laboradas em prorrogação. Além disso, o Pleno considerou que, a partir da vigência da reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), o salário mensal pactuado para o trabalho em escala 12×36 já compensa os feriados trabalhados, a redução ficta da hora noturna e o adicional noturno sobre as horas laboradas em prorrogação à jornada noturna.
O colegiado acompanhou o voto do relator do incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), desembargador-presidente Geraldo Rodrigues Nascimento, para fixar a tese jurídica. O relator adotou o entendimento do desembargador Paulo Pimenta para a fixação da tese.
Amicus curiae
Amicus curiae (amigo da corte) é uma expressão latina utilizada para designar o terceiro que ingressa no processo com a função de fornecer subsídios ao órgão julgador. No julgamento desse IRDR, além das partes dos processos-piloto, o tribunal admitiu a participação do Sindicato das Empresas de Asseio, Conservação, Limpeza Urbana e Terceirização de Mão de Obra do Estado de Goiás (Seac-GO), do Sindicato das Empresas de Segurança Privada, de Transporte de Valores e de Cursos de Formação do Estado de Goiás (Sindesp-Go) e do Sindicato dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde no Estado de Goiás (Sindhoesg).
Os interessados apresentaram diversos argumentos favoráveis à validade das normas coletivas que, no regime de jornada de 12hx36h, suprimem o direito do trabalhador à hora noturna reduzida, pagamento em dobro dos feriados laborados e adicional noturno sobre as horas laboradas em prorrogação. Entre as alegações, disseram que as normas coletivas são legítimas para comporem de forma autônoma e democrática o conflito trabalhista, assim como são estimuladas por Organismos Internacionais, a exemplo da OIT.
Afirmaram também que a Constituição prevê a autonomia da vontade coletiva ao permitir que os entes sindicais tenham legitimidade para negociarem normas regentes das relações individuais de trabalho no âmbito das respectivas representações. Disseram que o Supremo reconhece a validade dos instrumentos normativos coletivos mesmo que disponham sobre redução de direitos trabalhistas, independentemente de haver ou não compensação com outras vantagens negociadas para a confecção das normas coletivas. Alegaram que a flexibilização da jornada laboral atende às necessidades de adequação do direito às novas dinâmicas trabalhistas surgidas no mundo globalizado, além de possibilitar a harmonização dos interesses do empregado e do empregador, entre outros argumentos.
Em contrapartida, os autores das causas-piloto e o Ministério Público do Trabalho (MPT) trouxeram argumentos contrários, como a previsão contida na Súmula 60 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) acerca do pagamento do adicional noturno sobre as horas laboradas em prorrogação à jornada noturna, e a Súmula 444 do TST, que estabelece o pagamento em dobro dos feriados laborados na jornada 12hx36h. Argumentaram também que as normas coletivas que dispõem sobre jornada de trabalho apenas prevalecerão sobre a lei se houver respeito aos limites constitucionais, entre outros.
O presidente definiu como objeto do incidente o limite da validade da norma coletiva que, em regime de 12hx36h, suprime a hora noturna reduzida, o pagamento da dobra dos feriados e do adicional noturno sobre as horas laboradas em prorrogação à jornada noturna. Geraldo Nascimento explicou que, por certo tempo, prevaleceu no TRT-18 o entendimento de que as normas coletivas eram inválidas ao excluírem, da jornada 12hx36h, o direito do trabalhador à hora noturna reduzida e aos feriados em dobro. Para o colegiado, tais normas representavam renúncia de direitos e, por isso, aplicavam a Súmula TRT-18 nº 9 e a Súmula 444 do TST.
Entretanto, prosseguiu o magistrado, esse entendimento passou a ser questionável a partir do julgamento dos recursos extraordinários 895759 e 590415 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), quando prevaleceu o princípio da liberdade de negociação coletiva, garantindo legitimidade às convenções e acordos coletivos de trabalho. O desembargador salientou que, com a decisão do STF, a Primeira e a Segunda Turmas do TRT-18 passaram a considerar válidas as normas negociadas coletivamente que, no regime 12hx36h, afastam o direito do empregado à redução ficta da hora noturna, ao pagamento em dobro dos feriados laborados e ao pagamento do adicional noturno sobre as horas prorrogadas após as 5h da manhã.
O relator esclareceu que, mesmo com a regulamentação do assunto pela reforma trabalhista, a fixação da tese no IRDR é necessária em relação ao período anterior à reforma. Nascimento explicou que “não havia disposição legal a respeito de tais matérias, o que ensejou verdadeiro dissenso jurisprudencial sobre o assunto”. O presidente mencionou o julgamento do Tema 1.046 de repercussão geral pelo Supremo, quando foi declarada a validade de acordos e convenções coletivas de trabalho que limitam ou suprimem direitos trabalhistas, independentemente da concessão de vantagens compensatórias.
O relator disse que prevaleceu a necessidade de se observar o princípio da adequação setorial negociada e resguardar um patamar civilizatório mínimo ao trabalhador, com respeito à dignidade humana e à valorização do trabalho. Nascimento destacou a essencialidade da autonomia da vontade coletiva para a promoção de justiça e solidariedade social. Ele entende que as decisões autônomas e tomadas em conjunto pelos destinatários das normas laborais permitem o estabelecimento de uma organização do trabalho mais justa, eficaz e democrática, desde que observados os limites constitucionais.
Além desses limites, o desembargador mencionou a permissão dada pela reforma trabalhista para os casos em que prevalece a vontade coletiva em relação às leis. Para o relator, a reforma foi clara sobre a possibilidade de dispor sobre questões relacionadas à jornada de trabalho e ao salário, uma vez que as regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho.
O desembargador considerou que, a partir do início da vigência da reforma trabalhista, não teria resultado a discussão a respeito da validade da norma coletiva quanto ao adicional noturno sobre as horas laboradas em prorrogação e dobra dos feriados e, por isso, não haveria afronta à Súmula 60 do TST. Em relação ao período anterior à reforma, o magistrado entendeu que a decisão tomada pelo STF no julgamento do Tema 1.046 é aplicável por se tratar de questão atinente à jornada e ao salário do empregado, de modo que os sindicatos podem dispor sobre elas.
Ao final do julgamento, Geraldo Nascimento disse ter adotado a proposta da tese jurídica sugerida pelo desembargador Paulo Pimenta no seguinte sentido:
“VALIDADE DE NORMA COLETIVA DE TRABALHO QUE, NA JORNADA DE 12HX36H, SUPRIME O DIREITO DO TRABALHADOR À HORA NOTURNA REDUZIDA, AO PAGAMENTO EM DOBRO DOS FERIADOS LABORADOS E AO ADICIONAL NOTURNO SOBRE AS HORAS LABORADAS EM PRORROGAÇÃO.
-
Tanto no período anterior como a partir da vigência da Lei 13.467/2017, é válida a norma coletiva de trabalho que, na jornada de 12hx36h, expressamente suprime o direito do trabalhador à hora noturna reduzida, ao pagamento em dobro dos feriados laborados e ao adicional noturno sobre as horas laboradas em prorrogação.
-
A partir da vigência da Lei 13.467/2017, com a inclusão do art. 59-A na CLT, o salário mensal pactuado para o trabalho em escala 12×36 já compensa os feriados trabalhados, a redução ficta da hora noturna e o adicional noturno sobre as horas laboradas em prorrogação à jornada noturna”
A decisão foi unânime. Cabe recurso para o TST e o STF.
Saiba mais:
Processo: 0010730-20.2018.5.18.0000