A Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou, por unanimidade, um recurso da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que requereu o afastamento da sentença que a condenava ao pagamento de honorários advocatícios no valor de R$ 2 mil em ação na qual a autora faleceu e o advogado desta requerente pediu a desistência do processo.
Segundo consta dos autos, a autora da ação sofria de um tipo de câncer no pâncreas (adenocarcinoma de pâncreas) e buscou na justiça autorização para que a Anvisa se abstivesse de praticar qualquer ato ou conduta que impedisse a importação excepcional do medicamento Abraxane, na quantidade necessária para o tratamento prescrito e autorizasse e determinasse que o plano de saúde e a administradora do plano importassem e fornecessem o medicamento sem qualquer despesa da autora.
No curso da ação, a autora faleceu e o advogado pediu a desistência. Com isso, o juízo de 1º grau extinguiu o processo sem julgamento do mérito e condenou a agência reguladora ao pagamento de honorários, ao que a autarquia recorreu alegando falta de interesse de agir da parte autora e que não negou a importação excepcional do medicamento, uma vez que não houve qualquer requerimento administrativo nem antes do ajuizamento da ação nem depois da concessão da liminar.
Dignidade da pessoa humana e o direito à vida e à saúde – Ao examinar a apelação, o relator, desembargador federal Carlos Augusto Pires Brandão, entendeu que a sentença deveria ser mantida, pois “ainda que não se trate de compelir o Estado a fornecer o medicamento, tratou-se de importação excepcional de medicamentos sem registro na Anvisa, às expensas dos planos de saúde da parte autora”.
Entretanto, o magistrado explicou que pedidos desse tipo “devem submeter-se a pareceres prévios da área técnica e apreciação e autorização pela diretoria colegiada”, mas, como bem observou o juiz da 1ª instância, “os próprios termos da manifestação formulada pela Anvisa evidenciam a sua resistência ao fornecimento do medicamento pleiteado pela parte autora, do qual esta necessita para, na medida do possível, manter a sua qualidade de vida e até a sua própria vida, tornando evidente que não alcançará os seus propósitos sem a tutela jurisdicional requerida”.
Diante dessas observações, o relator afirmou que a autora comprovou a necessidade de uso do medicamento por meio de laudo pericial, exames e prescrições do médico. Logo, “não prospera a alegação de falta de interesse em agir, posto que a dignidade da pessoa humana e o direito à vida e à saúde, abrigados na Constituição Federal, não podem submeter-se a formalismos para aguardar a deliberação da agência em um processo administrativo, cujos prazos não correspondem à urgência requerida por enfermidade tão grave, para que enfim possa proceder à importação excepcional e para uso próprio da medicação prescrita ainda que não possua registro nem pedido de registro na Anvisa, mormente quando a importação não ocorrerá às expensas do Estado”.
O recurso ficou assim ementado:
CONSTITUCIONAL. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. IMPORTAÇÃO EXCEPCIONAL DE MEDICAMENTO SEM REGISTRO NA ANVISA. LAUDO PERICIAL. IMPRESCINDIBILIDADE COMPROVADA. INTERESSE PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE. HONORÁRIOS MANTIDOS. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. A questão afeta ao fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA já foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 1165959, com repercussão geral (Tema 1161), firmando a tese no sentido de competir ao Estado o fornecimento de medicamento que, embora não possua registro na ANVISA, tem a sua importação autorizada pela Agência de Vigilância Sanitária, desde que comprovada a incapacidade econômica do paciente, a imprescindibilidade clínica do tratamento, e a impossibilidade de substituição por outro similar constante das listas oficiais de dispensação de medicamentos e os protocolos de intervenção terapêutica do SUS. (RE 1165959, Rel. Ministro Marco Aurélio, Data de Análise da Preliminar de Repercussão Geral e Julgamento de Mérito: 08/07/2021). 2. Na espécie, ainda que não se trate de compelir o Estado a fornecer o medicamento, tratou-se de importação excepcional de medicamentos sem registro na ANVISA, às expensas dos planos de saúde da parte autora. 3. Demonstrada por meio de laudo pericial, exames e prescrições do médico assistente a imprescindibilidade do fármaco, não prospera a alegação de falta de interesse em agir, posto que a dignidade da pessoa humana e o direito à vida e à saúde, abrigados na Constituição Federal, não podem submeter-se a formalismos para aguardar a deliberação da agência em um processo administrativo, cujos prazos não correspondem à urgência requerida pela gravidade da doença. Precedentes. 4.Mantidos os honorários sucumbenciais fixados em R$2.000,00 (dois mil reais), arbitrados de acordo com o disposto na legislação vigente à época da prolação (CPC/73, art.20). 5. Apelação desprovida.
Processo: 0017523-63.2014.4.01.3300