Terceira Turma reconhece cobrança ilegal de tarifas como interesse individual homogêneo e manda divulgar sentença coletiva na internet

Com base nas novas disposições do Código de Processo Civil de 2015 e na busca pelo alcance do maior número de beneficiários, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a possibilidade do ajuizamento de ação coletiva de consumo e determinou que uma sentença coletiva que condenou um supermercado de Mato Grosso a se abster de cobrar tarifa de administração de crédito seja publicada na imprensa oficial e no site da própria empresa na internet.

A ação coletiva de consumo, proposta pelo Instituto Mato-Grossense de Defesa do Consumidor contra o Supermercado Modelo (massa falida), discutia a validade da cobrança de tarifa de administração de crédito dos cartões emitidos para compras financiadas pelo próprio supermercado.

Em primeiro grau, o juiz indeferiu o ingresso no processo do Banco IBI e condenou o supermercado a se abster de cobrar a tarifa dos cartões com a bandeira Modelo. O magistrado também determinou que fosse publicado em dois jornais de grande circulação de Mato Grosso o conteúdo da decisão, convocando os consumidores a pleitearem o ressarcimento dos valores cobrados indevidamente.

A sentença foi mantida pelo TJMT, que entendeu que o Banco IBI não teria interesse jurídico para recorrer como terceiro interessado. O tribunal concluiu que a cobrança da tarifa de administração seria ilegítima por não ter sido previamente informada aos consumidores.

Recurso de terceiro interessado

Em análise de recurso especial do Banco IBI, a ministra Nancy Andrighi destacou que o terceiro estranho ao processo também pode ter legitimidade para recorrer de determinada decisão proferida em ação na qual não é parte, desde que tenha interesse jurídico no litígio.

No caso dos autos, a ministra afirmou que o TJMT fez menção expressa à parceria existente entre o Supermercado Modelo e a instituição bancária, o que autoriza ao banco a intervenção na condição de terceiro interessado, tendo em vista a capacidade de a sentença influenciar a relação jurídica que o IBI possui com os consumidores.

No entanto, ao admitir o interesse recursal da instituição financeira, a relatora apontou que “a admissão da qualidade de terceiro interessado do Banco IBI S/A – Banco Múltiplo traz como consequência, apenas, o reconhecimento de seu interesse de recorrer do acórdão proferido pelo TJMT, não havendo nulidade a ser pronunciada, ante ausência de prejuízo efetivo e a incidência do princípio pas de nullité sans grief”.

Direitos individuais homogêneos e origem comum

Em relação aos temas discutidos pelo banco no recurso especial relacionados à possibilidade de propositura de ação coletiva, a ministra disse que o interesse individual homogêneo tem como origem comum o contrato do cartão Modelo, no qual estaria ocorrendo a cobrança ilícita.

Ressaltou a relatora que os interesses individuais homogêneos são definidos por sua origem comum, a qual se refere “a um específico fato ou peculiar direito que é universal às inúmeras relações jurídicas individuais, a partir dos quais haverá conexão processual, caracterizada pela identidade de causa de pedir próxima ou remota, que é o elemento tutelado nas ações coletivas que versem sobre individuais homogêneos”.

A ministra destacou que “as peculiaridades de cada situação individual e a diversidade de proveitos que podem advir aos consumidores não são, portanto, óbices à tutela coletiva de interesses individuais homogêneos, porquanto não interferem na origem comum e universal da pretensão (causa de pedir próxima ou remota)”.

Divulgação ampla

No caso da publicação em jornais, Nancy Andrighi reforçou a jurisprudência da Terceira Turma no sentido de que a publicidade dada à sentença genérica deve observar as novas disposições do artigo 257 do CPC de 2015, minimizando a “custosa publicação física” e facilitando sua divulgação a um número maior de pessoas.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DA DECISÃO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA. SÚMULA 182/STJ.
1. O agravo interposto contra decisão denegatória de processamento de recurso especial que não impugna, especificamente, todos os fundamentos por ela utilizados, não deve ser conhecido.
2. Agravo não conhecido. PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO. TERCEIRO INTERESSADO. ART. 499 DO CPC/73 (ART. 996 DO CPC/15). NULIDADE. PREJUÍZO CONCRETO E EFETIVO. DEMONSTRAÇÃO. AUSÊNCIA. INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. ORIGEM COMUM. CONFIGURAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO. ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA. MULTA COMINATÓRIA. VALOR. PROPORCIONALIDADE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ. PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA. JORNAIS DE GRANDE CIRCULAÇÃO.
1. Cuida-se de ação coletiva de consumo, na qual se questiona a validade da cobrança de tarifa de administração e conservação de crédito, relacionados aos cartões emitidos para que os consumidores realizassem compras financiadas pela agravante.
2. Recursos especiais interpostos em 04/02/2015; conclusos ao gabinete em 25/08/2016; aplicação do CPC/73.
3. O propósito recursal consiste em determinar se: a) se ocorreu negativa de prestação jurisdicional; b) o recorrente possui legitimidade para recorrer da sentença como terceiro interessado e se há nulidade a ser reconhecida no processo; c) os interesses mencionados na inicial são homogêneos e aptos à tutela coletiva; d) a sentença extrapolou o pedido da inicial; e) houve cerceamento de defesa da recorrente; f) o prazo prescricional é trienal; g) as astreintes foram fixadas em valor razoável e proporcional; h) é possível a condenação à publicação da decisão em jornais de grande circulação.
4. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC/73, rejeitam-se os embargos de declaração.
5. O terceiro, estranho ao processo, também pode ter legitimidade para recorrer de uma determinada decisão proferida em ação na qual não é parte, mas, para tanto, ele deve ter interesse jurídico no processo, de natureza análoga ao do assistente. Precedentes.
5. Na presente hipótese, a sentença tem capacidade de influenciar a relação jurídica que o recorrente possui com os consumidores, os quais, na pessoa do substituto processual, são adversários do assistido, havendo, portanto, interesse jurídico de recorrer da sentença.
6. Não se pronuncia a nulidade processual sem demonstração de efetivo e concreto prejuízo (pas de nulité sans grief). Precedentes.
7. A origem comum, que caracteriza o interesse individual homogêneo, refere-se a um específico fato ou peculiar direito que é universal às inúmeras relações jurídicas individuais, a partir dos quais haverá conexão processual entre os interesses, caracterizada pela identidade de causa de pedir próxima ou remota, identificada, na espécie, na assinatura do contrato de cartão de crédito e na cobrança da taxa de manutenção dele decorrente. 8. A ausência de decisão acerca dos argumentos invocados pelo recorrente em suas razões recursais impede o conhecimento do recurso especial.
9. As questões de ordem pública são passíveis de conhecimento de ofício nas instâncias ordinárias, contudo, estas devem observar o requisito do prequestionamento na via do recurso especial.
Precedentes.
10. Admite-se, excepcionalmente, em recurso especial, reexaminar o valor fixado a título de multa cominatória, quando ínfimo ou exagerado, o que não ocorre na hipótese em exame, em que as astreintes, fixadas em R$ 1.000,00 (mil reais), não se mostram desproporcionais ou desarrazoadas.
11. Em razão do dever do juiz de assegurar o resultado prático do julgado, determinando todas as providências legais que entender necessárias para a satisfação do direito da ação e com vistas ao alcance do maior número de beneficiários, a obrigação imposta ao recorrente de divulgar a sentença genérica em jornais de grande circulação deve ser substituída pela publicação na internet, nos sites de órgãos oficiais e no da própria recorrente, pelo prazo de 15 dias.
12. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, parcialmente provido.

“Desse modo, ainda que a divulgação da sentença não possa deixar de ser imposta à recorrente, deve a publicação em jornais de grande circulação ser substituída por sua publicação em órgãos oficiais e, ainda, pelo período de 15 dias, no sítio eletrônico da recorrente”, concluiu a ministra.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1570698

Deixe uma resposta

Iniciar conversa
Precisa de ajuda?
Olá, como posso ajudar