Recebimento de pensão por dependentes de ex-governadores do PA é inconstitucional

Segundo o ministro Luiz Fux, relator, a concessão de benefício dessa natureza a ex-presidentes da República foi abolida na Constituição Federal, em nome do princípio republicano.

Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) invalidou o artigo 4º da Lei estadual 5.360/1986 do Pará, que prevê o pagamento de pensão à viúva e aos filhos menores de idade de ex-governadores. Na sessão virtual concluída em 4/9, o Plenário julgou procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 590, ajuizada pelo governador do Pará, Helder Barbalho, para declarar que o dispositivo não foi recepcionado pela Constituição Federal. Barbalho contestou também decisões judiciais que mantinham o pagamento do benefício, correspondente a 85% da remuneração de desembargador do Tribunal de Justiça do Estado.

O governador argumentava que a Corte já havia decidido, no julgamento da ADI 4.552, pela inconstitucionalidade do artigo 305, parágrafo 1º, da Constituição do Estado do Pará, que previa o pagamento de valores a título de representação a ex-governadores. Com a decisão, também teriam sido suspensas as pensões pagas às viúvas e aos filhos menores de ex-governadores. No entanto, o Tribunal de Justiça estadual deferiu medidas cautelares para manter o benefício, com fundamento no artigo 4º da Lei 5.360/1986.

Princípio republicano

Em seu voto, o ministro Luiz Fux destacou que, a partir da promulgação da Constituição Federal, a concessão de benefício dessa natureza a ex-presidentes da República foi abolida, mas alguns estados mantiveram a previsão para governadores em suas constituições estaduais. A mudança em âmbito federal, segundo Fux, se deu em respeito ao princípio republicano, “uma vez que o mandato de Presidente da República possui período determinado e, após esse período, o indivíduo que ocupou o cargo não faz jus a qualquer pagamento pelo Estado”.

Para o ministro, a norma estadual vem na contramão desse entendimento, “pois possibilita a manutenção do pagamento de pensão a familiares de pessoas que não exercem mais mandato eletivo, sem nenhuma contraprestação”. Além disso, o relator ressaltou que não há razão constitucional para a manutenção do benefício, “uma vez que manifesta flagrante violação aos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa”. O ministro também afastou a possibilidade de violação a direito adquirido. “Não existe direito adquirido a determinado regime jurídico, mormente quando o regime jurídico que se pretende ver preservado não encontra guarida na Constituição Federal”, destacou.

Modulação

Como a questão trata de verbas alimentares pagas há muito tempo, Fux assentou em seu voto a necessidade de modular os efeitos da decisão, de forma a não exigir a devolução dos valores recebidos até a data da publicação do acórdão deste julgamento. Seu voto foi acompanhado pelos demais ministros, à exceção do ministro Marco Aurélio, que divergiu parcialmente, quanto à modulação dos efeitos.

O recurso ficou assim ementado:

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. ARTIGO 4º DA LEI 5.360/1986 DO ESTADO DO PARÁ. CONCESSÃO DE PENSÃO ÀS VIÚVAS E FILHOS MENORES DE EX-GOVERNADORES. NÃO RECEPÇÃO PELA ORDEM CONSTITUCIONAL INAUGURADA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. INCOMPATIBILIDADE COM OS PRINCÍPIOS REPUBLICANO, DA IMPESSOALIDADE E DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO. NATUREZA ALIMENTAR DAS VERBAS RECEBIDAS DE BOA-FÉ. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. ARGUIÇÃO CONHECIDA E JULGADO PROCEDENTE O PEDIDO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO PARA AFASTAR O DEVER DE RESSARCIMENTO DOS VALORES RECEBIDOS ATÉ A DATA DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO. 1. A arguição de descumprimento de preceito fundamental é meio processual adequado para veicular controvérsia a respeito da recepção de direito pré-constitucional, considerada sua compatibilidade com a Constituição Federal de 1988. Precedente: ADPF 33, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, DJ de 27/10/2006. 2. O artigo 4º da Lei 5.360/1986 do Estado do Pará estabelece o pagamento de pensão à viúva e filhos menores de quem tiver exercido, em caráter permanente, o cargo de Governador do Estado, no valor correspondente a 85% (oitenta e cinco por cento) da remuneração do cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado. 3. O princípio republicano apresenta conteúdo contrário à prática do patrimonialismo na relação entre os agentes do Estado e a coisa pública, o que se verifica no caso sub examine. 4. Os princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa vedam a instituição de tratamento privilegiado sem motivo razoável, tal qual o estabelecido em proveito de familiares de quem não mais exerce função pública ou presta qualquer serviço à Administração Pública. Precedentes: ADI 4.552, Rel. Min. Cármen Lúcia, Plenário, DJe de 14/2/2019; ADI 3.418, Rel. Min. Dias Toffoli, Plenário, DJe de 4/12/2018; ADI 4.552-MC, Rel. Min. Cármen Lúcia, Plenário, DJe de 9/6/2015; ADI 3.853, Rel. Min. Cármen Lúcia, Plenário, DJe de 26/10/2007. 5. O direito adquirido não configura fundamento idôneo para a continuidade do pagamento de benefício fundado em previsão incompatível com a Constituição. Precedentes: AO 482, Rel. Min. Cármen Lúcia, Plenário, DJe de 25/5/2011; AI 410.946-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, Plenário, DJe de 7/5/2010; RE 563.965, Rel. Min. Cármen Lúcia, Plenário, DJe de 20/3/2009. 6. A segurança jurídica impõe a modulação dos efeitos da decisão, a fim de que a sanatória de um vício não propicie o surgimento de panorama igualmente inconstitucional, máxime em razão do caráter alimentar das verbas percebidas, afetando de maneira desarrazoada a intangibilidade do patrimônio. Precedentes: ADI 4.884-ED, Rel. Min. Rosa Weber, Plenário, DJe de 8/10/2018; ADI 3.791, Rel. Min. Ayres Britto, Plenário, DJe de 27/08/2010. 7. Arguição de descumprimento de preceito fundamental conhecida e julgado procedente o pedido, para declarar a não recepção do artigo 4º da Lei 5.360/1986 do Estado do Pará pela ordem constitucional inaugurada pela Constituição Federal de 1988. 8. Modulação dos efeitos da decisão para assentar a inexigibilidade de devolução dos valores recebidos pelos beneficiários da norma não recepcionada até a data da publicação do acórdão.

Leia mais:

ADPF questiona lei do Pará que prevê pagamento de pensão a dependentes de ex-governadores 

 

Deixe uma resposta

Iniciar conversa
Precisa de ajuda?
Olá, como posso ajudar