O Município de Pelotas (RS) deverá pagar a uma professora da rede municipal diferenças salariais tomando como base o piso do magistério público do Estado do Rio Grande do Sul (RS). A condenação ficou mantida depois que a Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho negou provimento a agravo do município, que pretendia o exame de seu recurso de revista.
A professora, contratada no regime da CLT, trabalhava 20 horas semanais com complemento de carga horária de mais 20 horas. Na reclamação trabalhista, ela sustentou que o município descumpria a Lei 11.738/2008, que instituiu o piso nacional para os profissionais do magistério público da educação básica, pagando salário inferior ao previsto.
O município, em sua defesa, argumentou que parcelas como complementação de piso, hora atividade e incentivo integram o vencimento básico. Assim, conforme alegou, a remuneração da professora atingia o valor correspondente ao piso salarial do magistério municipal para a carga horária de 20 horas semanais.
O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) deferiu as diferenças pedidas pela professora, com fundamento em jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4167, o STF declarou a constitucionalidade da Lei 11.738/2008, garantindo aos professores da rede pública de ensino básico o pagamento do piso salarial do magistério como padrão mínimo de vencimento, e não como padrão remuneratório global. Segundo o TRT, essa decisão tem efeito vinculante e eficácia para todos, “não podendo lei municipal dispor de forma prejudicial ao trabalhador”.
Garantia
Ao analisar o agravo do município, o relator, ministro Mauricio Godinho Delgado, observou que o inciso IV do artigo 7º da Constituição da República garante ao trabalhador o recebimento de remuneração não inferior ao salario mínimo. O inciso VII do mesmo artigo, por sua vez, garante “salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável”.
O ministro explicou que a remuneração pode variar em contraponto ao salário mínimo, “seja pelas unidades de produção realizadas no mês, seja pelo número de horas trabalhadas”. “Em qualquer das duas situações, o empregado tem direito a receber, mensalmente, o salário mínimo mensal integral, jamais uma fração dele”, enfatizou.
Segundo o relator, esse entendimento está pacificado na jurisprudência do STF e do TST, na Orientação Jurisprudencial (OJ) 358 da Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1). De acordo com o item II da OJ 358, não é válida a remuneração de empregado público inferior ao salário mínimo, “ainda que cumpra jornada de trabalho reduzida”. As frações diárias e horárias do salário mínimo, para o ministro, “correspondem a meras fórmulas de cálculo do salário do empregado, não afetando a garantia constitucional desse patamar salarial mínimo mensal”.
O recurso ficou assim ementado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO DO MUNICÍPIO DE PELOTAS. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 40 DO TST . 1. DIFERENÇAS SALARIAIS. PISO NACIONAL SALARIAL DO MAGISTÉRIO. LEI Nº 11.738/2008. SALÁRIO MÍNIMO CONSTITUCIONAL (ART. 7º, IV, DA CF). CORRESPONDÊNCIA AO PATAMAR DO SALÁRIO MÍNIMO MENSAL – SENDO INVÁLIDA A PROPORCIONALIDADE QUANTO À JORNADA OU À PRODUÇÃO, CASO RESULTE EM PAGAMENTO INFERIOR AO SALÁRIO MÍNIMO CONSTITUCIONAL MENSAL. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA, ITERATIVA E CLÁSSICA DO STF. ARESTOS DISTINTOS ESPECIFICADOS. O art. 7º, IV, da CF, estabelece a seguinte norma conformadora do salário mínimo legal nacional: IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada a sua vinculação para qualquer fim . Esse salário mínimo nacional constitucional expressamente previsto na CF/88 corresponde à parcela mensal . Isso porque a parcela mensal é que pode atender ao disposto no referido inciso constitucional. Nesse contexto, a ideia de salário mínimo horário e diário diz respeito a uma forma de cálculo quando já atendido o salário mínimo mensal. Conforme se percebe, a garantia do salário mínimo referida no inciso IV do art. 7º da CF/88 se reporta ao salário mínimo mensal, pois apenas esse é capaz de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e às de sua família “com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”. Não pode, dessa forma, um empregado, no Direito do País, receber, por mês, menos que um salário mínimo mensal. Essa norma constitucional se torna ainda mais clara pelo dispositivo inserido no inciso VII da mesma CF, que enfatiza a “garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável” . Ora, a remuneração pode variar, em contraponto ao salário mínimo, seja pelas unidades de produção realizadas no mês, seja pelo número de horas trabalhadas no referido mês. Em qualquer das duas situações, o empregado tem direito a receber, mensalmente, o salário mínimo mensal integral; jamais uma fração do salário mínimo mensal. Nessa linha, é a jurisprudência pacífica e clássica do STF, conforme reconhecido pelo inciso II da OJ 358, II, do TST: “II – Na Administração Pública direta, autárquica e fundacional não é válida remuneração de empregado público inferior ao salário mínimo, ainda que cumpra jornada de trabalho reduzida. Precedentes do Supremo Tribunal Federal”. Quer isso dizer que a garantia constitucional, repita-se, diz respeito ao salário mínimo legal mensal, ao passo que as frações diárias e horárias do salário mínimo correspondem a meras fórmulas de cálculo do salário do empregado, não afetando a garantia constitucional desse patamar salarial mínimo mensal. Insista-se: é o que a jurisprudência do STF compreende e afirma, há vários anos, conforme julgados reiterados das duas Turmas daquela Corte Constitucional. 2. DIFERENÇAS SALARIAIS. PISO NACIONAL DO MAGISTÉRIO. LEI Nº 11.738/2008. INTERPRETAÇÃO DE LEGISLAÇÃO MUNICIPAL. SÚMULA 126/TST . No sistema processual trabalhista, o exame da matéria fática dos autos é atribuição da Instância Ordinária, quer pelo Juízo de Primeiro Grau, quer pelo TRT. Sendo o recurso de revista um apelo de caráter extraordinário, em que se examinam potenciais nulidades, a interpretação da ordem jurídica e as dissensões decisórias em face da jurisprudência do TST, somente deve a Corte Superior Trabalhista se imiscuir no assunto fático se houver manifestos desajustes ou contradições entre os dados fáticos expostos e a decisão tomada. Assim, afirmando a instância ordinária, com base na interpretação da legislação municipal, que as parcelas denominadas “hora atividade” “incentivo” e “complemento de carga horária” não integram o salário base da Autora para fins de apuração do cumprimento da Lei 11.738/2008, a qual estabelece o piso salarial dos professores, torna-se inviável, em recurso de revista, reexaminar o conjunto probatório dos autos, por não se tratar o TST de suposta terceira instância, mas de Juízo rigorosamente extraordinário – limites da Súmula 126/TST. Agravo de instrumento desprovido .
A decisão foi unânime.
Processo: AIRR-20553-55.2016.5.04.0104