Primeira Seção define período de validade da convocação por edital para demarcação de terrenos de marinha

Em julgamento de recurso repetitivo (Tema 1.199), a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou tese segundo a qual, “nos procedimentos de demarcação de terrenos de marinha, é válido o ato jurídico de chamamento de interessados certos ou incertos à participação colaborativa com a administração formalizado exclusivamente por meio de edital, desde que o ato tenha sido praticado no período de 31/5/2007 até 28/3/2011, em que produziu efeitos jurídicos a alteração legislativa do artigo 11 do Decreto-Lei 9.760/1946 promovida pelo artigo 5º da Lei 11.481/2007“.

O colegiado consolidou o entendimento das turmas de direito público no sentido de reconhecer a validade dos procedimentos demarcatórios de terreno de marinha da União no período controvertido.

Na avaliação do relator, ministro Paulo Sérgio Domingues, o chamamento do particular para colaborar com a administração pública na tomada de decisão é uma etapa inaugural do procedimento de demarcação de terrenos de marinha, “sendo exagerado apego ao formalismo impor a custosa e demorada notificação pessoal a todo e qualquer potencial interessado na definição das linhas de preamar, aos quais o procedimento reserva, em etapa imediatamente subsequente, oportunidade inconteste de impugnação, com observância das garantias processuais do contraditório e da ampla defesa (artigos 13 e 14 do DL 9.760/1946)”.

Convocação de interessados para estabelecer o ponto preamar médio

O relator explicou que o conceito jurídico de terreno de marinha está estabelecido no Código de Águas (Decreto 24.643/1934), abrangendo aqueles que, “banhados pelas águas do mar ou dos rios navegáveis, vão até 33 metros para a parte da terra, contados desde o ponto a que chega o preamar médio (estado do lugar no tempo da execução do artigo 51, parágrafo 14, da lei de 15/11/1831)”.

A definição desse ponto, destacou o ministro, passou a ser atribuição do Serviço de Patrimônio da União – atual Secretaria do Patrimônio da União (SPU) –, nos termos do artigo 10 do DL 9.760/1946.

Segundo Paulo Sérgio Domingues, o decreto estabelecia que, para a realização do trabalho de determinação das linhas, caberia à SPU convidar os interessados, certos e incertos, pessoalmente ou por edital, para que no prazo de 60 dias apresentassem estudos, plantas, documentos ou outros esclarecimentos concernentes aos terrenos compreendidos no trecho sujeito à demarcação. Em 2007, no entanto, a Lei 11.481 passou a exigir tão somente o convite por edital.

Em 2009, foi proposta ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação direta de inconstitucionalidade pela Assembleia Legislativa de Pernambuco (ADI 4.264), com o propósito de invalidar a alteração feita pela Lei 11.481/2007. O STF deferiu uma medida cautelar em 2011 para suspender a eficácia da lei. No entanto, a ADI acabou extinta por perda de objeto, em razão da edição da Lei 13.139/2015, que voltou a exigir o convite pessoal.

Convocação por edital não invalida procedimentos de demarcação

Para o ministro, a suspensão determinada pelo STF não afetou os atos jurídicos realizados antes do deferimento da liminar, os quais não foram por ela invalidados. “Deve prevalecer, assim, ao menos no período anterior ao da suspensão da eficácia da norma impugnada, a presunção de constitucionalidade inerente a toda e qualquer lei ou ato normativo”, disse.

Domingues explicou que o dia 28 de março de 2011 deve ser considerado o marco de cessação da eficácia do artigo 5º da Lei 11.481/2007, pois foi nessa data que ocorreu a publicação da ata da sessão de julgamento da medida cautelar no STF.

Na avaliação do ministro, não há motivos jurídicos para invalidar os procedimentos de demarcação de terrenos de marinha, no período em que prevaleceram a regra da Lei 11.481/2007 e a decisão do STF, tão somente porque eventuais interessados, certos ou incertos, tenham sido convidados à participação por meio de edital.

Tese Jurídica
“Nos procedimentos de demarcação de terrenos de marinha, é válido o ato jurídico de chamamento de interessados certos ou incertos à participação colaborativa com a Administração formalizado exclusivamente por meio de edital, desde que o ato tenha sido praticado no período de 31/05/2007 até 28/03/2011, em que produziu efeitos jurídicos a alteração legislativa do art. 11 do Decreto-lei 9.760/46 promovida pelo art. 5º da Lei 11.481/2007”.

O recurso RESp 2015301, ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO – ADMINISTRATIVO – PROCESSUAL CIVIL – TERRENO DE MARINHA – PROCEDIMENTO DE DEMARCAÇÃO – ATO JURÍDICO DE CHAMAMENTO DE INTERESSADOS À PARTICIPAÇÃO COLABORATIVA POR MEIO DE EDITAL – VALIDADE DO ATO, OBSERVADO O PERÍODO EM QUE PRODUZIU EFEITOS JURÍDICOS O ART. 5º DA LEI 11.481/2007, QUE ALTEROU A REDAÇÃO ORIGINAL DO ART. 11 DO DL 9.760/46 – FIXAÇÃO DE TESE JURÍDICA DE EFICÁCIA VINCULANTE – SOLUÇÃO DO CASO CONCRETO: PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL, NA EXTENSÃO DO CONHECIMENTO.
1. Controvérsia posta no recurso especial repetitivo: decidir acerca da validade dos procedimentos demarcatórios de terrenos de marinha nos quais o chamamento de eventuais interessados, com fundamento no art. 11 do Decreto-lei 9.760/46, tenha ocorrido somente por meio de notificação por edital, notadamente no período compreendido entre o advento da Lei 11.481, de 31/05/2007, e 28/03/2011, data da publicação da ata da sessão de julgamento do STF de 16/03/2011 no DJe (n. 57, pág. 46) e no DOU (n. 59, Seção 1, pág. 2), quando deferida a medida cautelar na ADI 4.264/PE.
2. Validade do ato de chamamento , no período em exame e da forma como realizado, que decorre da incidência na espécie do art. 11, § 1º-A, da Lei 9.868/99, que estabelece, como regra, a eficácia meramente prospectiva (“ex nunc”) da medida cautelar concedida pelo Supremo Tribunal Federal em ação direta de inconstitucionalidade.
Dessa forma, ainda que o STF tenha deferido a medida cautelar no bojo da ADI 4.264/PE para o fim de suspender a eficácia da nova redação conferida ao art. 11 do DL 9.760/46 pelo art. 5º da Lei 11.481/2007, essa suspensão não afetou os atos jurídicos realizados antes do deferimento da liminar, os quais, portanto, por ela não foram invalidados. Além disso, com a extinção da ADI 4.264/PE por “perda superveniente do objeto” nos idos de 2018, deixou de existir, no mundo jurídico, a medida cautelar antes deferida, não tendo havido, portanto, pronunciamento definitivo pelo STF quanto à constitucionalidade do art. 5º da Lei 11.481/2007. Deve prevalecer, assim, ao menos no período anterior ao da suspensão da eficácia da norma impugnada, a presunção de constitucionalidade inerente a toda e qualquer lei ou ato normativo.
3. Fundamento hermenêutico ao qual se agrega a percepção de que o art. 11 do Decreto-lei 9.760/46, em sua redação original, aludia à expedição de convite a eventuais interessados para participação colaborativa no início do procedimento demarcatório, notadamente por meio da apresentação ao corpo técnico da Administração Pública de mapas, documentos, plantas, registros e demais documentos que pudessem, de alguma forma, influenciar no mérito do ato administrativo de definição da linha de preamar do ano de 1831 neste ou naquele trecho de terreno de marinha submetido à demarcação.
Inexistência, nessa etapa inaugural do procedimento, de antagonismo evidente entre a posição do particular e aquela assumida pela Administração Pública, o que elide argumentação alusiva à ocorrência de violação a garantias processuais pelo convite à participação colaborativa veiculado por simples edital de chamamento geral de potenciais interessados.
4. Etapa inaugural do procedimento de demarcação de terrenos de marinha em que o ato jurídico de chamamento do particular para colaborar com a Administração na tomada de decisão assemelha-se, em muito, ao mecanismo da consulta pública ou da audiência pública, não surpreendendo que, a partir da Lei 13.139/2015, tenha-se evoluído para determinar a realização dessas audiências em todos os procedimentos demarcatórios. Etapa inaugural do procedimento em que soa exagerado apego ao formalismo impor a custosa e demorada notificação pessoal a todo e qualquer potencial interessado na definição das linhas de preamar, aos quais o procedimento reserva, em etapa imediatamente subsequente, oportunidade inconteste de impugnação com observância das garantias processuais do contraditório e da ampla defesa (arts. 13 e 14 do DL 9.760/46).
5. Jurisprudência de ambas as Turmas de Direito Público do STJ consolidada no sentido de reconhecer a validade dos procedimentos demarcatórios de terreno de marinha da União no período controvertido. Precedentes citados: REsp n. 1.814.599/MA, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 5/9/2019, DJe de 25/10/2019; AgInt no AREsp n. 1.074.225/RJ, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 6/3/2018, DJe de 18/4/2018;
AgInt no AREsp n. 1.220.760/MA, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 13/12/2018, DJe de 18/12/2018; AgInt no AREsp n. 309.590/RJ, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 20/2/2018, DJe de 5/3/2018; AgInt no REsp n. 1.908.041/PE, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 17/5/2021, DJe de 19/5/2021; AgInt no REsp n. 1.389.811/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 13/3/2018, DJe de 5/4/2018; AgInt no REsp n. 1.388.335/SC, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 27/6/2017, DJe de 5/9/2017; AgRg no REsp n. 1.504.110/RJ, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 22/9/2015, DJe de 14/10/2015; e REsp n. 1.345.646/SC, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 2/12/2014, DJe de 17/12/2014.
6. Tese jurídica de eficácia vinculante, sintetizadora da ratio decidendi do julgado paradigmático: “Nos procedimentos de demarcação de terrenos de marinha, é válido o ato jurídico de chamamento de interessados certos ou incertos à participação colaborativa com a Administração formalizado exclusivamente por meio de edital, desde que o ato tenha sido praticado no período de 31/05/2007 até 28/03/2011, em que produziu efeitos jurídicos a alteração legislativa do art. 11 do Decreto-lei 9.760/46 promovida pelo art. 5º da Lei 11.481/2007”.
7. Solução do caso concreto: pedido subsidiário formulado no recurso especial incognoscível, por não ser possível conhecer de alegação de violação a dispositivo de lei (in casu, art. 1022, II, do CPC) em recurso especial interposto com fundamento exclusivo em dissídio jurisprudencial (CF, art. 105, III, “c”) relativo à interpretação divergente conferida a outro dispositivo legal (in casu: art. 11 do Decreto-lei 9.760/46).
8. No cerne, cuida-se de procedimento demarcatório de terreno acrescido de marinha situado no município de São Luís/MA, com Linha Preamar Média (LPM) aprovada em 22/03/2010, traçada em processo administrativo inaugurado em 2008, período em que vigia o art. 11 do DL 9.760/46 sob a redação do art. 5º da Lei 11.481/2007. Conforme tese fixada, é válido o ato de chamamento de interessados por meio de notificação editalícia, sejam eles certos ou incertos, no período em exame. Tribunal de origem que confere solução destoante à causa, refutando a validade do procedimento por vício formal decorrente da cientificação dos interessados feita apenas por editais. Reforma do julgamento que se impõe.
9. Recurso especial conhecido em parte, e, na extensão do conhecimento, provido.

 

Leia o acórdão no REsp 2.015.301.

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