Penhora parcial de salário exige prova de que medida não põe subsistência em risco

Apesar de o Código de Processo Civil (CPC) de 1973 reconhecer a impenhorabilidade das verbas de natureza remuneratória, a regra impeditiva permite exceções, como no caso dos descontos relativos a débitos de prestação alimentícia – uma exceção prevista na própria lei. Mais recentemente, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) evoluiu para admitir a flexibilização da regra da impenhorabilidade também no caso de dívida não alimentar, desde que esteja comprovado nos autos que o bloqueio de parte da remuneração não prejudica a subsistência do devedor.

O entendimento foi reafirmado pela Terceira Turma ao analisar pedido de penhora de parte da remuneração de sócio de empresa cuja personalidade jurídica foi desconsiderada no curso de processo de execução de dívida oriunda de operação mercantil. O colegiado entendeu não haver no processo elementos suficientes que permitissem concluir que o devedor pudesse suportar a penhora sem o sacrifício de sua subsistência.

A relatora do recurso especial do credor, ministra Nancy Andrighi, explicou que a evolução jurisprudencial do STJ teve por objetivo a harmonização de duas vertentes do princípio da dignidade da pessoa humana: o direito ao mínimo existencial e o direito à satisfação executiva.

“Sob essa ótica, a aplicação do artigo 649, IV, do CPC/73 exige um juízo de ponderação à luz das circunstâncias que se apresentam caso a caso, sendo admissível que, em situações excepcionais, se afaste a impenhorabilidade de parte da remuneração do devedor para que se confira efetividade à tutela jurisdicional favorável ao credor”, disse a ministra.

Circunstâncias particulares

Nancy Andrighi destacou que o ganho auferido por empresário não representa apenas o resultado de seus esforços pessoais na atividade econômica, pois contém parcelas que visam remunerar a organização e o capital investido.

Todavia, no caso julgado, a relatora lembrou que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal concluiu pela impossibilidade absoluta da penhora da remuneração do devedor, sem discriminar as circunstâncias particulares do sócio.

“Mostra-se inviável, na espécie, relativizar a garantia de impenhorabilidade do salário, haja vista que não há, no acórdão recorrido, quaisquer elementos que permitam aferir a excepcional capacidade do devedor de suportar a penhora de parte de sua remuneração sem que reste sacrificada a sua subsistência e a de sua família”, concluiu a ministra ao negar provimento ao recurso especial do credor.

O recurso ficou assim ementado:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CPC⁄1973. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUES. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284⁄STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. COTEJO ANALÍTICO E SIMILITUDE FÁTICA. AUSÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO NÃO CARACTERIZADO. SÚMULA 282⁄STF. SALÁRIO. IMPENHORABILIDADE. RELATIVIZAÇÃO EXCEPCIONAL.
1. Ação monitória, em fase de cumprimento de sentença, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 16⁄12⁄2014 e atribuído ao Gabinete em 02⁄09⁄2016.
2. O propósito recursal consiste em definir se é possível a penhora de parte do salário do devedor para o pagamento de dívida de natureza não alimentar.
3. A ausência de indicação do dispositivo de lei tido como vulnerado pelo Tribunal de origem enseja a inadmissibilidade do recurso especial, em razão de sua deficiente fundamentação. Incidência da Súmula n. 284⁄STF.
4. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas.
5. É inadmissível o conhecimento do recurso especial se não houve decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados. Aplicação da Súmula 282⁄STF.
6. Em situações excepcionais, admite-se a relativização da regra de impenhorabilidade das verbas salariais prevista no art. 649, IV, do CPC⁄73, a fim de alcançar parte da remuneração do devedor para a satisfação de crédito não alimentar, preservando-se o suficiente para garantir a sua subsistência digna e a de sua família. Precedentes.
7. Na espécie, contudo, diante da ausência de elementos concretos que permitam aferir a excepcional capacidade do devedor de suportar a penhora de parte de sua remuneração, deve ser mantida a regra geral de impenhorabilidade.
8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1673067

Deixe uma resposta

Iniciar conversa
Precisa de ajuda?
Olá, como posso ajudar