A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou penhoráveis os recursos obtidos pelas Instituições de Ensino Superior (IES) privadas após a recompra, pelo Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), de títulos não utilizados para o pagamento das despesas previstas no artigo 10 da Lei 10.260/2001.
Para o colegiado, como esses recursos são incorporados ao patrimônio da instituição para uso irrestrito, eles não podem mais ser considerados verbas de aplicação compulsória em educação – perdendo, portanto, a característica de impenhorabilidade.
O recurso analisado pelo STJ foi interposto por uma faculdade, segundo a qual seriam impenhoráveis os créditos correspondentes à recompra dos certificados representativos de dívida pública emitidos em favor do Fies, tendo em vista que também teriam aplicação compulsória na educação.
Certificados do Tesouro
Relator do recurso, o ministro Marco Aurélio Bellizze explicou que, de acordo o sistema legal que regula o Fies, o fundo solicita ao Tesouro Nacional a emissão de Certificados Financeiros do Tesouro – Série E (CFT-E). Na medida em que ocorre a prestação dos serviços educacionais, esses títulos são repassados às instituições de ensino superior para pagamento exclusivo de contribuições sociais previdenciárias e, de forma subsidiária, dos demais tributos administrados pela Receita Federal, como previsto na Lei 10.260/2001.
Segundo o ministro, a mesma lei estabelece que, após o pagamento dos débitos previdenciários e tributários, o Fies deve recomprar o que eventualmente excedeu as obrigações legais, resgatando os títulos CFT-E junto às instituições e entregando-lhes o valor equivalente ao resgate.
Limites à impenhorabilidade
Além disso, o ministro lembrou que o artigo 833, inciso IX, do Código de Processo Civil de 2015 estabelece a impenhorabilidade dos recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social.
“Contudo, a interpretação desse dispositivo não pode ser extensiva, de modo a vedar a constrição de qualquer valor que decorra de repasses públicos às IES privadas, assim como não pode implicar uma impenhorabilidade perpétua, pois isso desvirtuaria a lógica do sistema, ante a possibilidade da execução de manobras capazes de inviabilizar a satisfação do crédito dos credores das mantenedoras das IES”, apontou o ministro.
Incorporação da verba
Nesse contexto, Bellizze destacou que os certificados emitidos pelo Tesouro Nacional e direcionados às instituições de ensino se encaixam na regra geral de impenhorabilidade, já que eles são, de fato, recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação.
Entretanto, o relator ressaltou que, ao receber os valores decorrentes da recompra dos CFT-E, as instituições de ensino incorporam essa verba ao seu patrimônio, podendo aplicá-la da forma como quiserem, sem que haja qualquer ingerência do poder público.
Em consequência, Bellizze considerou não existir óbice legal à penhora dos valores oriundos da recompra dos títulos. “Pelo contrário, mostra-se, inclusive, salutar aos ordenamentos jurídico e econômico que essas verbas possam ser constritas em caso de inadimplemento das obrigações decorrentes das relações privadas das IES, dando maior credibilidade ao sistema jurídico e garantindo aos credores que haverá opções para se buscar o crédito na eventual configuração da mora da instituição de ensino”, afirmou.
Ao negar provimento ao recurso da faculdade, o ministro também ressaltou que esse entendimento não altera a orientação da Terceira Turma no sentido da impenhorabilidade de verbas destinadas à educação, havendo apenas uma distinção sobre o alcance dessa restrição e os recursos efetivamente submetidos à regra.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CRÉDITOS VINCULADOS AO FIES. IMPENHORABILIDADE. PRECEDENTES DA TERCEIRA TURMA DO STJ. DISTINÇÃO. VALORES DECORRENTES DA RECOMPRA DE CFT-E. POSSIBILIDADE DE CONSTRIÇÃO. NÃO APLICAÇÃO DO ART. 833, IX, DO CPC⁄2015. PENHORA DE PERCENTUAL DO FATURAMENTO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DOS DISPOSITIVOS LEGAIS SUPOSTAMENTE VIOLADOS. SÚMULA 284⁄STF. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO PARA, NESSA EXTENSÃO, NEGAR-LHE PROVIMENTO.1. Cinge-se a controvérsia em definir, além da necessidade de redução do percentual de constrição do faturamento, a possibilidade, ou não, de penhora de recursos oriundos de recompra do FIES, ante a sua aplicabilidade compulsória na área da educação.2. Conforme a legislação de regência, na medida em que há a prestação do serviço educacional, os títulos Certificados Financeiros do Tesouro – Série E (CFT-E), emitidos pelo Tesouro Nacional, são repassados às Instituições de Ensino Superior (IES) para pagamento exclusivo de contribuições sociais previdenciárias e, subsidiariamente, dos demais tributos administrados pela Receita Federal do Brasil (art. 10, caput e § 3º, da Lei n. 10.260⁄2001).2.1. Após o pagamento dos referidos débitos previdenciários e tributários, o FIES recomprará os valores de titularidade das instituições de ensino que eventualmente sobrepujam as obrigações legalmente vinculadas, resgatando os títulos CFT-E junto às mantenedoras das IES, e entregará o valor financeiro equivalente ao resgate, atualizado pelo Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M).2.2. A Terceira Turma do STJ firmou a tese de que os recursos públicos recebidos por instituição de ensino superior privada são impenhoráveis, pois são verbas de aplicação compulsória em educação. Precedentes.2.3. Contudo, deve-se fazer uma distinção entre os valores impenhoráveis e aqueles penhoráveis. Os certificados emitidos pelo Tesouro Nacional (CFT-E), de fato, não são penhoráveis, haja vista a vinculação legal da sua aplicação.2.4. De outro lado, ao receber os valores decorrentes da recompra de CFT-E, as instituições de ensino incorporam essa verba definitivamente ao seu patrimônio, podendo aplicá-la da forma que melhor atenda aos seus interesses, não havendo nenhuma ingerência do poder público. Assim, havendo disponibilidade plena sobre tais valores, é possível a constrição de tais verbas para pagamento de obrigações decorrentes das relações privadas da instituição de ensino.3. Quanto à penhora de percentual do faturamento, ressalta-se que o recurso especial é reclamo de natureza vinculada e, para o seu cabimento, inclusive quando apontado o dissídio jurisprudencial, é imprescindível que se aponte, de forma clara, os dispositivos supostamente violados pela decisão recorrida, sob pena de inadmissão, ante a aplicação analógica da Súmula 284⁄STF.4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.
Leia o acórdão.