O excesso de prazo na formação da culpa ofende o postulado da dignidade da pessoa humana. Com este argumento, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) deu provimento ao Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 103546, para determinar a imediata soltura do réu J.A.N., acusado de homicídio qualificado, na Paraíba, e preso desde setembro de 2006 sem que haja, até o momento, previsão de data para a realização de seu julgamento pelo Tribunal do Júri.
De acordo com o relator do caso, ministro Celso de Mello, diferente do que sustenta a defesa, o decreto de prisão preventiva estaria devidamente fundamentado, não havendo a alegada falta de fundamentação na ordem de prisão. Nesse sentido, disse o ministro, os autos revelam que o réu chegou mesmo a prometer retaliações contra quem o acusou.
Excesso de prazo
Mas há um evidente excesso de prazo na formação da culpa, salientou o decano da Corte. Celso de Mello lembrou que o réu está preso preventivamente desde setembro de 2006 – portanto há quatro anos e três meses – sem julgamento e previsão de que ocorra o julgamento pelo Tribunal do Júri, conforme informação prestada pelo juiz de primeira instância.
Para o relator, mesmo em se tratando de crimes hediondos, o excesso de prazo não pode ser tolerado. A duração prolongada da prisão preventiva ofende o postulado da dignidade da pessoa humana, princípio essencial, valor fonte que conforma todo o ordenamento constitucional brasileiro, assentou o ministro Celso de Mello.
Citando precedentes das duas turmas do STF, o ministro votou no sentido de dar provimento ao recurso, para determinar imediata soltura de J.A.N., se ele não estiver preso por outro motivo. A decisão, contudo, não interfere no andamento do processo crime em tramitação na comarca de Santa Rosa /PB, explicou o relator. Todos os ministros presentes à sessão desta terça-feira (7) seguiram o entendimento do decano.
O recurso ficou assim ementado:
“HABEAS CORPUS” – PRISÃO CAUTELAR – DURAÇÃO IRRAZOÁVEL QUE SE PROLONGA, SEM CAUSA LEGÍTIMA, POR QUASE SEIS (06) ANOS – CONFIGURAÇÃO, NA ESPÉCIE, DE OFENSA EVIDENTE AO “STATUS LIBERTATIS” DO PACIENTE – INADMISSIBILIDADE – PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – A UTILIZAÇÃO, PELO RÉU, DO SISTEMA RECURSAL, POR QUALIFICAR-SE COMO EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO, NÃO PODE SER INVOCADA, CONTRA O ACUSADO, PARA JUSTIFICAR O PROLONGAMENTO INDEVIDO DE SUA PRISÃO CAUTELAR – INJUSTO CONSTRANGIMENTO CONFIGURADO – AFASTAMENTO, EM CARÁTER EXCEPCIONAL, NO CASO CONCRETO, DA INCIDÊNCIA DA SÚMULA 691/STF – “HABEAS CORPUS” CONCEDIDO DE OFÍCIO. – O excesso de prazo, mesmo tratando-se de delito hediondo (ou a este equiparado), não pode ser tolerado, impondo-se, ao Poder Judiciário, em obséquio aos princípios consagrados na Constituição da República, a imediata revogação da prisão cautelar do indiciado ou do réu. – A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa – considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Constituição Federal (Art. 5º, incisos LIV e LXXVIII). EC 45/2004. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, ns. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência. – O direito de recorrer representa prerrogativa legítima do acusado (de qualquer acusado), não se qualificando, por isso mesmo, como ato caracterizador de conduta processual procrastinatória. – Na realidade, a utilização, pelo réu, dos recursos penais cabíveis, além de constituir prerrogativa que lhe não pode ser negada, traduz exercício regular de um direito, cuja prática não autoriza seja ela invocada, pelos órgãos da persecução penal, como fator de legitimação do abusivo prolongamento da prisão cautelar do acusado.
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Processo relacionado: RHC 103546