Negado pedido de interrupção de venda de genérico de medicamento de alto custo contra hepatite C

Farmacêutica alega violação de patente.

A juíza substituta em 2º grau Jane Franco Martins, da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, negou pedido feito por farmacêutica norte-americana para impedir a comercialização de medicamento genérico utilizado no tratamento do vírus da hepatite C. Foi mantida a decisão do juiz Luís Felipe Ferrari Bedendi, da 2ª Vara Empresarial e de Conflitos Relacionados à Arbitragem da Comarca da Capital, que negou a tutela de urgência proposta pela autora da ação.
Consta nos autos que a farmacêutica afirma haver infração de patente de sua propriedade, o que é negado pela fabricante do genérico. De acordo com a magistrada, nesta fase inicial do processo ainda não existem indícios suficientes de violação de patente, sendo necessária a realização de perícia para averiguar a alegação. Ao contrário, afirmou ela, a súbita interrupção do fornecimento de genérico de medicamento de alto custo pode trazer danos à saúde da população. “A medida pretendida guarda grande perigo de dano reverso, uma vez que, caso deferida, iria impedir a participação da agravada em certame público para a venda de remédio destinado à hepatite C e, por via reflexa, acabaria igualmente por prejudicar todo um conjunto de pacientes que se utilizam do Sistema Único de Saúde para obter os remédios de que necessitam”, escreveu.
A relatora do recurso destacou que o acordo internacional sobre propriedade intelectual do qual o Brasil é signatário “versa que um dos pilares da proteção dos direitos de patente é justamente o bem-estar social econômico e um equilíbrio entre direitos e obrigações. Nesse prisma, qualquer questão que envolva medicação de alto custo e destinada à profilaxia de doenças de extrema gravidade, como é a hepatite C, deverá ser lida a partir do princípio elencado no próprio acordo do qual o Brasil faz parte e que está em vigor. Ora, o remédio aqui discutido é notoriamente caro, estando muitos dos pacientes impossibilitados de adquirir o remédio, porquanto os valores cobrados estão além de suas possibilidades”.
De acordo com a magistrada, no desenrolar do processo será possível melhor analisar a questão, com posterior julgamento pelo colegiado da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial.

O recurso ficou assim ementado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – Ação inibitória com pedido de tutela antecipada – Violação de Marca – Decisão que indeferiu a tutela pretendida – Insurgência da autora – Momento de cognição superficial em que é aferida a presença dos requisitos do artigo 300 do CPC de 2015 – Inexistência dos requisitos do artigo 300 do CPC de 2015 a demonstrar a efetiva violação da patente BR 12 2018 0 5050-5 – Em primeiro lugar, Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS) e Lei nº 9.279/96 que versam que a proteção à propriedade intelectual não se faz de forma automática, mas deve respeitar os valores da CF/88 – TRIPS adotado no contexto da criação da OMC em 1994, dando origem à Lei nº 9.279/96 – Propriedade intelectual não deve apenas servir aos interesses dos países desenvolvidos, devendo reconhecer as necessidades de saúde dos países subdesenvolvidos – Precedente do E. STJ – REsp n. 1.543.826/RJ – Em que o E. STJ defendeu expressamente que o direito de propriedade industrial encontra-se subordinado ao atendimento da função social e à diretriz de compatibilização do objetivo de estímulo ao desenvolvimento tecnológico e econômico nacional com o interesse social – Patentes referentes a compostos farmacêuticos que devem ser lidas pelo imperativo do desenvolvimento nacional e da função social da propriedade – Inteligência dos artigos 3º, inciso II e artigo 5º, inciso XXII ambos da CF/88 – Probabilidade do direito que deve ser ainda mais pronunciada nesses casos para que se conceda a referida tutela – Caso concreto em que remanescem fundadas dúvidas sobre a existência de violação ou não da patente BR 12 2018 0 5050-5 – Conjunto probatório que não indica a existência de violação acima da dúvida razoável – Em segundo lugar, o próprio TRIPS (Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio – Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights), em seu artigo 7º, versa que as normas de propriedade intelectual devem contribuir para o bem-estar social econômico e a um equilíbrio entre os direitos e obrigações – Rodada Doha da OMC que erigiu como objetivo o tema do acesso justo ao mercado de medicamentos – Novamente, necessidade de instrução probatória para se permitir ao Poder Judiciário sopesar os direitos fundamentais em choque no caso concreto – Em terceiro lugar, a pretensão da agravante é impedir que a agravada comercialize o seu composto farmacêutico à base de sofosbuvir, principalmente impedindo-a de participação no Pregão Eletrônico nº 28/2022 – Existência de ação análoga em relação à BLANVER S.A. e BLANVER FARMOQUÍMICA E FARMACÊUTICA S.A, em que também se objetiva impedir a participação no Pregão Eletrônico nº 28/2022 – Em conjunto as ações pretendem que somente a agravante possa explorar o componente farmacêutico do sofosbuvir – Nova lei de licitações, nº 14.133/21, que erigiu o princípio da competitividade enquanto informador do procedimento licitatório – Inteligência do art. 5º da Lei nº 14.133/21 – Competição que se faz com a maior participação de ofertantes, possibilitando a escolha da melhor proposta pelo Poder Público – Pretensão da agravante que, na prática, equivaleria a se criar, de fato, uma hipótese de inexigibilidade da licitação, conforme os ditames do art. 74 da Lei nº 14.133/21 – Tratamento para Hepatite C que é notoriamente dispendioso – Máximas da experiência, art. 375 do CPC de 2015 – Aquisição dos remédios sem a realização de procedimento licitatório que pode importar em indevido dispêndio de recursos públicos – Em quarto lugar, há razoável dúvida sobre a existência de infração indireta, por meio de composto produzido pelo fígado do paciente, o trifosfato GS-461203 que violaria a patente BR 12 2018 0 5050-5 – Colenda Primeira Câmara Reservada de Direito Empresarial nos autos de nº 2032476-91.2022.8.26.0000 que já analisou o mesmo caso, referente à mesma matéria, se posicionando que a complexidade do caso subjacente demandava a realização de prova pericial – Necessidade de instrução processual e realização de perícia – Inexistência de má-fé a ser reconhecida, tendo ambas as partes agido com conduta limítrofe – Decisão mantida – Recurso desprovido

Agravo de Instrumento nº 2030441-61.2022.8.26.0000

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