Não cabe ao juízo da recuperação decidir sobre busca e apreensão de produto de terceiro em depósito em armazém da empresa recuperanda

Por maioria de votos, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afirmou, em julgamento de conflito de competência, que não cabe ao juízo da recuperação judicial decidir sobre a busca e apreensão de produtos agropecuários de terceiros, depositados em armazém de empresa submetida aos efeitos da recuperação.

O caso envolveu o depósito de 3 milhões de quilos de soja em armazém de uma empresa que deveria restituir o produto nas datas acordadas, ou quando solicitado. Em razão de a empresa ter entrado em recuperação judicial, a restituição dos grãos não foi efetivada e, então, a empresa depositante ajuizou ação de busca e apreensão, distribuída à 5ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, foro de eleição do contrato de depósito.

O juízo da 5ª Vara Cível determinou a entrega dos bens à empresa depositante, expedindo carta precatória para a comarca de Guarani das Missões (RS), local do depósito. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), no entanto, em julgamento de agravo de instrumento, determinou que o pedido da depositante estaria sujeito à anuência do juízo da recuperação judicial.

Relator

A depositante suscitou o conflito de competência no STJ. O relator, ministro Villas Bôas Cueva, votou pela declaração de competência do juízo da vara de Guarani das Missões para processar e julgar a ação de depósito.

Villas Bôas Cueva levou em consideração que a atividade da empresa em recuperação também compreende o comércio de bens fungíveis, de forma que poderia utilizar os grãos que estão em sua posse no giro de seus negócios e restituir outros da mesma qualidade e quantidade.

Para o ministro, “a entrega dos bens que estão em depósito tem repercussão direta sobre a recuperação judicial, inclusive sobre a sua viabilidade, pois, diante da insuficiência do produto, poderá ser determinada a convolação da recuperação judicial em falência”.

Com o pedido de recuperação, destacou o relator, todos os proprietários de bens depositados poderiam pedir, ao mesmo tempo, a devolução de seus produtos, e aqueles que fossem mais rápidos receberiam os grãos em detrimento daqueles que têm o mesmo direito. Nessa circunstância, poderia ocorrer a quebra da empresa.

Divergência

A ministra Isabel Gallotti, entretanto, apresentou voto divergente. Em seu entendimento, embora a Lei 9.973/00 permita ao depositário de produtos agropecuários a prática de atos de comércio de bens da mesma espécie daqueles usualmente recebidos em depósito, o depositário não tem o direito de dispor da coisa depositada sem a prévia concordância formal do depositante.

“O armazenador que comercializa a mesma espécie de bens dos que mantém em depósito deve conservar fisicamente em estoque o produto submetido à sua guarda, do qual não pode dispor sem autorização expressa do depositante”, disse a ministra.

Por considerar que os grãos depositados são bens de terceiros, a ministra aplicou ao caso a Súmula 480 do STJ, segundo a qual “o juízo da recuperação judicial não é competente para decidir sobre a constrição de bens não abrangidos pelo plano de recuperação da empresa”.

A maioria do colegiado seguiu o entendimento da ministra Gallotti e definiu a competência do juízo da 5ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo para processar e julgar a ação de depósito, que decidiu sobre a retirada da totalidade da soja.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO POSITIVO. AÇÃO DE DEPÓSITO. CABIMENTO. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. ARMAZÉM GERAL. DEPÓSITO CLÁSSICO DE BENS FUNGÍVEIS. CONTRATO TÍPICO. DIFERENCIAÇÃO DO DEPÓSITO ATÍPICO. GRÃOS DE SOJA. RESTITUIÇÃO. NÃO SUBMISSÃO AO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DO FORO DE ELEIÇÃO CONTRATUAL.
DECRETO 1.102/1903. LEI 9.300/2000. DECRETO 3.855/2001. CÓDIGO CIVIL, ARTS. 627 E SEGUINTES. LEI 11.101/2005. SÚMULA 480/STJ.
1. A substituição da decisão proferida no processo originário, que ensejou o ajuizamento do conflito de competência, por novo decisório em outro incidente na mesma causa, que preserva as mesmas características, encaminha a conclusão de que o conflito não está prejudicado.
2. Configurado o conflito positivo de competência quando se submete ao crivo de uma das autoridades judiciárias a discricionariedade sobre o cumprimento de decisão emanada da outra, impondo-se a definição da autoridade judiciária competente.
3. Os bens objeto de ação de busca e apreensão pertencem à sociedade empresária suscitante, estando armazenados em poder da suscitada, que se submete a processo de recuperação judicial, em virtude contrato de depósito. 4. “O contrato de armazenagem de bem fungível caracteriza depósito regular, pois firmado com empresa que possui esta destinação social, sem qualquer vinculação a financiamento, ut Decreto 1.102/1903. Cabível, portanto, a ação de depósito para o cumprimento da obrigação de devolver coisas fungíveis, objeto de contrato típico” (Segunda Seção, EREsp 396.699/RS, Rel. p/ acórdão Ministro Fernando Gonçalves, DJU de 3.5.2004).
5. Diferentemente de depósito bancário, o armazenador que comercializa a mesma espécie de bens dos que mantém em depósito deve conservar fisicamente em estoque o produto submetido a sua guarda, do qual não pode dispor sem autorização expressa do depositante.
6. Disciplina legal própria, que distingue o depósito regular de bens fungíveis em estabelecimento cuja destinação social é o armazenamento de produtos agropecuários do depósito irregular de coisa fungível, que se caracteriza pela transferência da propriedade para o depositário, mantido o crédito escrituralmente.
7. Constituindo, por conseguinte, bem de terceiro cuja propriedade não se transferiu para a empresa em recuperação judicial, não se submete ao regime previsto na Lei 11.101/2005. Incidência do enunciado 480 da Súmula do STJ.
8. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 5ª Vara Cível de São Paulo.

Leia o acórdão.

 CC 147927

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