Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO) entendeu ser válido o pedido do Ministério Público do Trabalho (MPT-GO) para executar coletivamente o saldo residual de um acordo firmado com uma multinacional para pagamento de horas in itinere para mais de 5,1 mil trabalhadores. A execução alcançaria o crédito de cerca de 200 trabalhadores que não foram encontrados para receber o pagamento relativo às horas in itinere. O colegiado acompanhou o voto do relator, desembargador Platon de Azevedo Filho..
O acordo envolvia mais de 5,1 mil empregados, representados pelo sindicato, para receberem 70% do valor das horas in itinere devidas a cada um, com adicional de 55%, previsto no acordo coletivo para as horas extras e mais 20% referente aos reflexos em repouso semanal remunerado (RSR), férias com 1/3, 13º salário, FGTS e multa de 40% sobre FGTS (relativos aos empregados dispensados sem justa causa). À época, o valor aproximado do acordo era de R$4,5 milhões. Os pagamentos foram efetuados no decorrer de 2017 e 2018. Entretanto, cerca de 200 trabalhadores não foram localizados, deixando um saldo residual para pagamento.
Por isso, o MPT pediu ao Juízo da 4ª Vara do Trabalho de Rio Verde a aplicação do instituto da fluid recovery sobre a destinação do saldo remanescente devido aos empregados não localizados. O pedido foi negado. Assim, a procuradoria recorreu ao tribunal.
Sustentou a necessidade de liquidar o débito do acordo sob o prisma da tutela coletiva de direitos individuais homogêneos. Reafirmou a possibilidade legal de se executar o acordo coletivamente na hipótese de ausência de interessados em liquidar individualmente o crédito, como previsto no artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor.
Platon Filho ponderou sobre a forma de execução coletiva residual, conhecida como fluid recovery – reparação fluida. Esse instituto permite às partes legítimas a possibilidade de promover a liquidação e execução do julgado, caso os titulares dos direitos reconhecidos não atuem no prazo legal. Para o relator, a reparação fluida poderia ser aplicada ao caso.
O desembargador explicou que, embora o dano individualmente experimentado por cada trabalhador possa ser considerado de pequeno potencial lesivo, ao avaliar coletivamente, o dano é grave devido ao número de trabalhadores envolvidos, cerca de 5,1 mil, além dos que não foram localizados para o pagamento do crédito. O desembargador pontuou que a aplicação da reparação fluida ao acordo, homologado em 2017, não ofenderia o instituto da coisa julgada.
“Trata-se de uma forma de liquidação do julgado prevista pela Lei 8.078/90, cabível quando os indivíduos titulares dos direitos reconhecidos não atuem no prazo legal, autorizando a reversão do valor em benefício da coletividade”, afirmou. O desembargador ressaltou haver uma ordem judicial de pagamento de algumas contas que foram localizadas pela Caixa Econômica Federal, que deve ser cumprida pela multinacional. Em seguida, a indústria deve apresentar a lista dos substituídos que não receberam os valores por inexistência de conta ou qualquer outro motivo.
“Assim, somente após o cumprimento dessa ordem judicial, deverá ser aplicado o instituto da fluid recovery”, salientou o relator ao deferir o pedido da Procuradoria. Platon Filho determinou que caberá ao juízo de 1º grau definir, nos termos da legislação aplicável ao caso, a destinação dos valores.
O recurso ficou assim ementado:
EXECUÇÃO EM AÇÃO CIVIL COLETIVA. APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA FLUID RECOVERY. O art. 100 da Lei 8.078/1990 (CDC) estabelece uma forma de execução coletiva residual, que a doutrina convencionou denominar de fluid recovery (reparação fluida), em que se confere aos legitimados ativos do art. 82 da citada lei a possibilidade de promover a liquidação e execução do julgado, caso os indivíduos titulares dos direitos reconhecidos não atuem no prazo legal. Essa indenização fluida terá lugar quando os lesados não tenham sido identificados ou não tenham requerido a liquidação individual, razão porque deverá ocorrer uma liquidação coletiva, em que se apura um montante devido a vítimas indeterminadas, a ser revertido ao fundo criado pela Lei 7.347/1985 (caput do art. 100 do CDC).
Ainda pode haver recurso.
Processo: 0010303-36.2017.5.18.0104