Lei que autoriza a entrada de animais domésticos em hospitais é inconstitucional

Decisão do TJPR afirma que a norma fere o direito fundamental à saúde ao não prever cuidados de higiene, treinamento e seleção dos animais

Na segunda-feira (4/11), o Órgão Especial (OE) do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), em votação unânime, declarou inconstitucional a Lei que autoriza a entrada de animais domésticos em hospitais (18.918/2016). A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) foi proposta pela Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Estado do Paraná (FEHOSPAR).

No processo, a Federação alegou que o conteúdo da norma violaria o direito à saúde (vício material). Além disso, segundo a FEHOSPAR, a lei desrespeitaria a competência do Ministério da Saúde para dispor sobre a implementação de Terapia Assistida por Animais (TAA) e afrontaria o princípio da separação dos poderes ao abordar tema de competência privativa do Governador do Estado (vícios formais).

A Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ) foi favorável à declaração de inconstitucionalidade. “A autorização genérica para o ingresso de quaisquer animais domésticos que não ofereçam riscos ao ser humano extrapola os dados científicos obtidos no estudo da Terapia Assistida por Animais, prática já consolidada que possui rígidos protocolos para o controle de infecções hospitalares”, disse a PGJ em seu parecer.

Necessidade de rigor técnico

Em seu voto, o Desembargador relator José Sebastião Fagundes Cunha destacou que a Lei 18.918/2016 viola o direito fundamental à saúde ao não prever cuidados de higiene, treinamento e seleção dos animais que entrariam em contato com os pacientes. Assim como a Procuradoria-Geral de Justiça, o magistrado reforçou a necessidade de rigor técnico sobre os protocolos de rotina hospitalar.

“A ausência de determinação de exames específicos, de banhos e outros cuidados, especialmente quanto ao temperamento dos animais, coloca em risco a saúde pública. A importância de semelhantes Programas é reconhecida internacionalmente, mas também internacionalmente são elencados critérios para a sua realização, os quais não encontramos no texto da lei”, salientou o acórdão.

A decisão do TJPR segue o posicionamento do Centro Estadual de Vigilância Sanitária e Comissão Estadual de Controle de Infecção em Serviços de Saúde, que foi desfavorável à entrada e à visitação de animais domésticos nos estabelecimentos de assistência à saúde, com exceção dos que fazem parte dos Programas de Ações Assistidas por Animais e da categoria cão-guia.

Debates anteriores sobre o tema no Judiciário paranaense

Desde setembro de 2017, a norma em questão estava suspensa cautelarmente, pois o Tribunal de Justiça julgou que a entrada de animais em hospitais colocaria em risco a saúde das pessoas hospitalizadas. O Desembargador relator considerou, à época, que o assunto necessitava de regulamentação para garantir “a segurança de todos os pacientes, através de um procedimento adequado de seleção dos animais, desde o comportamento e risco (agressividade) até parasitas e outras doenças”.

Em maio de 2019, uma audiência pública sobre o tema foi realizada no Auditório Pleno do Tribunal de Justiça. O debate entre médicos, médicos veterinários, psicólogos e representantes dos Poderes Executivo e Legislativo ajudou a embasar a decisão sobre a inconstitucionalidade da Lei. O parecer da Médica Veterinária Erika Zanoni a respeito da Intervenção Assistida por Animais, apresentado em 2017, na Câmara dos Deputados, também foi fundamental para o julgamento do feito ao descrever os protocolos de conduta nas intervenções feitas com a participação de animais.

O recurso ficou assim ementado:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE–LEI  ESTADUAL  Nº  18.918,  DE  07  DE  DEZEMBRO  DE  2016,  QUE  “DISPÕE  SOBRE  A  PERMISSÃO  DA  VISITAÇÃO  DE  ANIMAIS  DOMÉSTICOS  E  DE  ESTIMAÇÃO  EM  HOSPITAIS  PRIVADOS,  PÚBLICOS  CONTRATADOS,  CONVENIADOS  E  CADASTRADOS  NO  SISTEMA  ÚNICO DE  SAÚDE –SUS” –MEDIDA  CAUTELAR DEFERIDA –PRELIMINAR –REJEIÇÃO –ALEGAÇÃO  DE ILEGITIMIDADE  ATIVA  DA  FEDERAÇÃO  SINDICAL  AUTORA–AFASTAMENTO –LEGITIMIDADE  DECORRENTE  DE  NORMA  EXPRESSA  DA  CONSTITUIÇÃO  PARANAENSE–IRRELEVÂNCIA  DA  EXPIRAÇÃO  DO  PRAZO  DE VALIDADE  DA  CERTIDÃO  DE  REGISTRO  SINDICAL  CONSIDERANDO  A  SUPERVENIÊNCIA DE  PORTARIA  DO  MINISTÉRIO  DO  TRABALHO QUE  CONVERTEU  CERTIDÕES PROVISÓRIAS EM  DEFINITIVAS –INDEPENDE  DE  AUTORIZAÇÃO  DOS  SUBSTITUÍDOS  A  LEGITIMIDADE EXTRAORDINÁRIA DAS ENTIDADES SINDICAIS PARA  DEFENDER  EM  JUÍZO  OS  DIREITOS  E INTERESSES  DOS  INTEGRANTES  DA  CATEGORIA–ALEGADA  OFENSA A LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL    INSUSCETÍVEL    DE IMPUGNAÇÃO DO CONTROLE  ABSTRATO  DA CONSTITUCIONALIDADE    EXERCIDO    PELOS TRIBUNAIS  LOCAIS,  CUJO  PARÂMETRO  ESSENCIAL   É   A   CONSTITUIÇÃO   ESTADUAL–HOMOGENEIDADE –PERTINÊNCIA  TEMÁTICA –CONSTITUIÇÃO  ESTADUAL  ART.  11,  INCISO VI –COGNIÇÃO  SUMÁRIA –AUSÊNCIA  DE FUMUS BONI IURIS –MÉRITO –LEI ESTADUAL QUE  PERMITE  A  VISITAÇÃO  DE  ANIMAIS  DOMÉSTICOS E DE ESTIMAÇÃO EM HOSPITAIS–ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL  POR  INFRINGIR  O  PRINCÍPIO  DA  SEPARAÇÃO  DE  PODERES E AO DISPOR  SOBRE MATÉRIA  DE  COMPETÊNCIA  EXCLUSIVA  DO GOVERNADOR  DO  ESTADO–ALEGAÇÃO  DE INCONSTITUCIONALIDADE  MATERIAL  POR  VIOLAÇÃO  AO  DIREITO  FUNDAMENTAL  À  SAÚDE–COMPETÊNCIA  CONCORRENTE  DOS  ESTADOS  PARA  LEGISLAR  EM  MATÉRIA  DE  SAÚDE –INSTITUIÇÃO  DE  PROGRAMA  DE  VISITAÇÃO  DE  ANIMAIS  A  PESSOAS  HOSPITALIZADAS QUE  OSTENTA  CARÁTER  OBRIGATÓRIO (ART.  24.  XII  DA  CF  E  ART.  13,  XII  DA CE)–PROVIDÊNCIA  QUE,  EM  TESE,  NÃO INTERFERE  NA CRIAÇÃO,  ESTRUTURAÇÃO E   ATRIBUIÇÕES   DAS   SECRETARIAS   DE ESTADO  E  ÓRGÃOS  DA  ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA   DE   FORMA   A   CARACTERIZAR MATÉRIA  DE  COMPETÊNCIA  LEGISLATIVA PRIVATIVA  DO  CHEFE  DO  PODER  EXECUTIVO  (ARTIGOS  66,  INCISO  IV;  E  87,  INCISOS  VI  E  VII  DA  CE) –INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL –CONCORRÊNCIA COM TERAPIA ASSISTIDA POR ANIMAIS ––DEFICIÊNCIA  NOS  CRITÉRIOS  DE  ADMISSÃO  DE ANIMAIS  QUE  COLOCA  EM  RISCO  A  SAÚDE PÚBLICA   DOS   PACIENTES–PARECER   DA PROCURADORIA   DE   JUSTIÇA   NO   MESMO SENTIDO –FALTA  DE  RAZOABILIDADE  E/OU PROPORCIONALIDADE –DESNECESSIDADE DE  INAUGURAÇÃO  DE  MODELO  DE  VISITAÇÃO AVULSA –INTERVENÇÃO ASSISTIDA PÓR ANIMAIS  É  PRÁTICA  TERAPÊUTICA  MULTIDISCIPLINAR    QUE    PROPORCIONA    IDÊNTICOS BENEFÍCIOS  E  ASSEGURA  MENOR  RISCO  À SAÚDE   DOS   PACIENTES   HOSPITALIZADOS. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE CONHECIDA, AFASTADAS AS PRELIMINARES E NO MÉRITO JULGADA PROCEDENTE PARA DAR  POR  DEFINITIVA  A  LIMINAR  QUE  RECONHECEU A INCONSTITUCIONALIDADE.

Nº do Processo: 0001334-58.2017.8.16.0000

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