A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que, no caso de multa por agravo inadmissível, a exigência de depósito do valor como condição para a interposição de outros recursos pode ser suprida por fiança bancária – desde que o recorrente não figure a um só tempo como fiador e afiançado.
Na origem do caso, um banco interpôs agravo interno em processo que tramitava no Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT). Os julgadores consideraram o recurso manifestamente inadmissível e aplicaram a multa prevista no artigo 1.021, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil (CPC), condicionando a interposição de qualquer novo recurso ao depósito prévio do valor, nos termos do parágrafo 5º do mesmo dispositivo.
A instituição financeira recorreu ao STJ, alegando que o agravo deveria ser admitido e a multa afastada. Pediu, ainda, que fosse aceita carta-fiança – emitida por ela própria – em lugar do depósito em dinheiro exigido legalmente.
Fiança bancária é menos onerosa para o devedor
A relatora, ministra Nancy Andrighi, apontou que, embora a legislação busque tutelar o interesse do credor, o STJ tem privilegiado o princípio da menor onerosidade ao devedor, segundo o qual não se deve onerá-lo a ponto de prejudicar suas atividades se existem mecanismos menos gravosos suficientes para a satisfação do crédito.
Por essa razão – explicou a magistrada –, em algumas hipóteses, o STJ tem admitido a substituição do depósito em dinheiro por outras formas de caução. Além disso, a relatora afirmou que há uma tendência da legislação em prestigiar a fiança bancária, menos onerosa para o devedor, especialmente nos processos em que a matéria litigiosa não está definitivamente resolvida.
Para Nancy Andrighi, a substituição do depósito pela carta-fiança atende ao objetivo da garantia e não deturpa o caráter preventivo e repressivo da penalidade processual.
A ministra destacou ainda que, nas hipóteses em que a multa por recurso protelatório for aplicada em dissonância com a jurisprudência do STJ, ela pode prejudicar o acesso à Justiça ao exigir o depósito em um alto montante em dinheiro para que seja admitido o recurso.
São necessárias pessoas distintas na prestação da fiança
A ministra esclareceu também que, como se trata de uma garantia fidejussória, é necessário que a fiança seja fornecida por alguém diferente do afiançado, pois a sua finalidade é assegurar que, diante da eventual inadimplência do responsável principal, a obrigação seja cumprida por outra pessoa.
“A constituição da fiança bancária pressupõe três pessoas distintas: o credor; o devedor afiançado, ou executado; e o banco fiador, ou garante”, concluiu a relatora, para quem não é possível aceitar a prestação de fiança quando o fiador e o afiançado são a mesma pessoa.
Embora o banco tenha apresentado a fiança para interpor recurso contra a multa aplicada pelo TJMT, a sua carta-fiança não serviu como garantia fidejussória. Devido a isso, o recurso especial não foi conhecido, pois a Terceira Turma considerou não atendida a exigência do parágrafo 4º do artigo 1.021 do CPC.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO. MULTA. MANIFESTAMENTE PROTELATÓRIA. ALEGAÇÃO. DÉPOSITO PRÉVIO. CARTA FIANÇA. PAGAMENTO EM DINHEIRO. FIADOR E AFIANÇADO MESMA PESSOA.
1. Cuida-se de ação de execução, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 14⁄05⁄21 e concluso ao gabinete em 19⁄04⁄2022.2. O propósito recursal consiste em definir se (I) é possível aceitar carta fiança como depósito prévio do valor da multa, nos termos do art. 1.021, §5º, do CPC, e se (II) a multa imposta pela Corte Estadual, com fulcro no art. 1.021, §4º, do CPC, é cabível na hipótese.3. O art. 1.021, §4º, do CPC, determina que o agravante será condenado a pagar ao agravado o valor da multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime, sendo que a interposição outro recurso estará condicionada ao depósito prévio do valor desta multa.4. O STJ admite a possibilidade de substituição do depósito em dinheiro por medidas alternativas de caução, em hipóteses excepcionais, sob o fundamento de que a fiança bancária se justifica por representar mecanismo de menor onerosidade ao devedor, especialmente no curso de demandas judiciais em que a matéria litigiosa não está definitivamente resolvida.5. A admissão de carta de fiança não deturpa esse objetivo, pois com ela tem-se a garantia da obrigação sem perder o caráter preventivo e o repressivo. Por esta razão, é possível a substituição do depósito prévio em dinheiro por carta fiança para fins de pagamento da multa estipulada no art. 1.021, do CPC.6. A constituição da fiança bancária, nesse sentido, pressupõe três pessoas distintas: o credor; o devedor-afiançado, ou executado; e o banco-fiador, ou garante. Não sendo aceita, nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, a prestação de fiança quando o fiador e o afiançado são a mesma pessoa.7. Na hipótese dos autos o recorrente apresentou carta fiança na qual figura como fiador e afiançado. Por esta razão, embora reconheça-se que a apresentação de carta fiança serve como substituta do pagamento em dinheiro para fins de cumprimento do art. 1.021, §5º, do CPC, a carta fiança apresentada não serve como garantia fidejussória.8. Recurso especial não conhecido em razão da falta de cumprimento de pressuposto específico de admissibilidade diante da ausência de pagamento prévio ou concomitante da multa processual.
Leia o acórdão no REsp 1.997.043.