A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou a apelação do Ministério Público Federal (MPF) após este ente público denunciar uma estudante que ingressou na Universidade Federal da Bahia (UFBA) pelo sistema de cotas usando a justificativa de ser “parda”.
De acordo com os autos, o MPF alegou que a aluna, de forma dolosa, participou indevidamente do programa de cotas raciais na qualidade de pessoa “parda” no curso de Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades e, posteriormente, no curso de Direito.
A UFBA para apurar fraudes na utilização de cotas raciais constituiu a Comissão de Sindicância e concluiu que a ré, com outros estudantes, teria prestado informações falsas quanto a sua etnia por ocasião da inscrição para o vestibular.
Em sua apelação, a acusada alegou atipicidade subjetiva da conduta em razão da ausência de dolo na fraude e de justa causa para a deflagração da ação.
Ao analisar o processo, o relator, desembargador federal Wilson Alves de Souza, explicou que, “no caso em tela, a ré foi acusada da prática do delito previsto no art. 299 do Código Penal (falsidade ideológica) em razão de suposta declaração falsa de autoidentificação étnico-racial em documento expedido pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) com fito de participar indevidamente do programa de cotas raciais”.
Contexto familiar e social – Segundo o magistrado, a tipicidade do crime de falsificação ideológica necessita do documento materialmente legítimo, que o conteúdo seja trocado para informações falsas, não exigindo para a consumação a ocorrência de prejuízo, sendo, então, um crime formal. O elemento subjetivo do tipo exige dolo específico.
“Conforme consta dos autos, a estudante se entende como parda para além dos critérios fenótipo por pertencer a família miscigenada, filha de indivíduos pardos e ter frequentado escola pública, ou seja, em razão do contexto familiar e social em que vivia, acreditando ser um critério válido e se identificando como parda”, analisou o relator.
Portanto, considerou o magistrado que, não havendo elementos que possibilitem afirmar que a acusada agiu de forma dolosa ao se autodeclarar parda em documento público de formulário de autodeclaração étnico-racial expedido pela UFBA, deve ser afastada a imputação ao delito de falsidade ideológica.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSO PENAL E PENAL. DELITO DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. AUSÊNCIA DO DOLO ESPECÍFICO DE FRAUDAR. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público Federal em face da sentença que absolveu a Ré do delito previsto no artigo 299 do Código Penal (falsidade ideológica), reconhecendo tanto a atipicidade da conduta, quanto a ausência de justa causa, devido à inexistência de elementos que possibilitassem afirmar que ela agiu de forma dolosa ao se autodeclarar parda em formulário de autoidentificação étnico-racial perante a Universidade Federal da Bahia – UFBA, com fito de participar do programa de cotas raciais e ingressar na faculdade. 2. No caso, necessário considerar que a autodeclaração foi o critério adotado à época do processo seletivo pela UFBA, como se observa do edital acostado aos autos. Em seu depoimento, afirmou a Acusada que se entende como parda para além dos critérios fenótipos, por pertencer à família miscigenada, filha de indivíduos pardos e ter frequentado escola pública, ou seja, em razão do contexto familiar e social em que vivia, acreditando ser um critério válido. 3. O Enunciado nº 104 da Segunda Câmara Criminal do MPF afirma que não configura o crime de falsidade ideológica (CP, art. 299) a mera autodeclaração étnico-racial, para ingresso em instituições públicas federais, quando for baseada na íntima convicção do investigado e não houver critérios objetivos para sua determinação. 4. Há elementos que possibilitem afirmar que a Ré não agiu de forma dolosa ao se autodeclarar parda em documento público – formulário de autodeclaração étnico-racial expedido pela UFBA -, devendo ser afastada a imputação ao delito de falsidade ideológica (art. 299 do CP). 5. Apelação desprovida.
A Turma acompanhou o voto do relator.
Processo: 1028567-52.2020.4.01.3300