Segundo o colegiado, a conduta, por si só, não configura dano moral.
A Record S.A. – Rádio e Televisão foi absolvida de ter de pagar indenização de R$ 30 mil por danos morais a um ator, por não ter anotado seu contrato na carteira de trabalho por dois anos. A decisão é da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que entendeu que a falta de anotação, por si só, não configura dano moral.
Novelas e seriados
O ator ajuizou reclamação trabalhista dizendo que fora contratado pela Record em março de 2007 para atuar em novelas e seriados, mas havia trabalhado até maio de 2009 sem carteira assinada. Depois, até a dispensa, em abril de 2015, afirmou que teve de criar a pessoa jurídica ADB Produções Artísticas Ltda. Pediu, assim, a declaração da existência do vínculo empregatício durante todo o período e a condenação da empresa por danos morais, pela falta de anotação na carteira de trabalho.
Trabalho autônomo
Em defesa, a Record alegou que a relação era de trabalho autônomo e que a prestação de serviços de artista se dava somente durante a produção das novelas, sem qualquer obrigatoriedade, o que afastaria o vínculo empregatício e a obrigação de anotar o contrato. Ainda, segundo a empresa, não foi comprovado nos autos nenhum tipo de dano causado ao ator.
Pejotização
O juízo da 18ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro rejeitou a existência de vínculo e a culpa da Record por danos morais pela falta de anotação, mas a sentença foi reformada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ), que entendeu ter havido fraude pela pejotização e ofensa à dignidade do trabalhador.
Segundo o TRT, que condenou a empresa a pagar indenização de R$ 30 mil, a falta de anotação da CTPS impede o ator de ter a proteção trabalhista que gera direitos como férias anuais, tempo de serviço para aposentadoria e proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa.
Sem demonstração de dano
Ao analisar o recurso de revista da Record, o relator, ministro Mauricio Godinho Delgado, entendeu que não ficaram comprovados os requisitos configuradores do dano moral – dano, nexo causal e culpa empresarial. Segundo ele, a jurisprudência diz que a falta de registro na CTPS ou o não pagamento das verbas rescisórias, por si sós, não configuram efetivo dano moral. “Não há dados fáticos, expressamente consignados na decisão do TRT, demonstrando efetivo prejuízo em razão da falta de anotação do contrato de trabalho na CTPS do ator”, concluiu.
O recurso ficou assim ementado:
A) AGRAVO DE INSTRUMENTO. INSTRUÇÃO NORMATIVA 40 DO TST . RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . 01. RECONHECIMENTO DO VÍNCULO DE EMPREGO EM JUÍZO. ART. 896, § 1º-A, I, DA CLT. EXIGÊNCIA DE TRANSCRIÇÃO DOS FUNDAMENTOS EM QUE SE IDENTIFICA O PREQUESTIONAMENTO DA MATÉRIA OBJETO DE RECURSO DE REVISTA. TRANSCRIÇÃO INSUFICIENTE. ÓBICE ESTRITAMENTE PROCESSUAL. 02. JORNADA DE TRABALHO. HORAS EXTRAS. AUSÊNCIA DOS CARTÕES DE PONTO. ÔNUS DA PROVA. SÚMULA 338, I/TST. 03. DIREITOS CONEXOS. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 126/TST. Nos termos da atual redação do item I da Súmula 338/TST, é ônus do empregador que conta com mais de dez empregados o registro da jornada de trabalho, na forma do art. 74, § 2º, da CLT, de maneira que a não apresentação injustificada dos controles de ponto gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho apontada na inicial, a qual pode ser elidida por prova em contrário. Trata-se de típico caso em que a doutrina e a jurisprudência vêm admitindo a denominada inversão do ônus da prova, transferindo ao empregador a comprovação de que o obreiro não laborava em regime de sobrejornada ou que, mesmo laborando, as horas extras eram quitadas regularmente. Tal entendimento é aplicável tanto quando não há apresentação dos cartões de ponto de toda a contratualidade como quando o empregador apresenta controles de ponto relativos apenas a parte do período contratual, pois, nesse caso, desincumbe-se apenas parcialmente do ônus que lhe cabe. No caso em exame , diante do reconhecimento do vínculo de emprego e a ausência de apresentação dos controles de jornada pela Reclamada, o Tribunal Regional concluiu como “verdadeira a jornada declinada na inicial, já que não foram ouvidas testemunhas que pudessem limitar a condenação neste particular”. De fato, se não foram apresentados os cartões de ponto e não foi elidida a alegação por prova em contrário, como na hipótese dos autos, dá-se o reconhecimento da jornada de trabalho apontada na inicial. Inteligência da Súmula 338, I/TST. Julgados desta Corte. Agravo de instrumento desprovido. 04. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. AUSÊNCIA DE ANOTAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO NA CTPS. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da arguição de violação do art. 186 do CCB, suscitada no recurso de revista. Agravo de instrumento provido no aspecto.
B) RECURSO DE REVISTA . PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . 01. MULTA DO ART. 477, § 8º, DA CLT. VÍNCULO DE EMPREGO RECONHECIDO EM JUÍZO. POSSIBILIDADE. SÚMULA 462/TST. 02. MULTA DO ART. 467 DA CLT. VÍNCULO DE EMPREGO RECONHECIDO EM JUÍZO. MULTA INDEVIDA. A jurisprudência desta Corte Superior vem decidindo que o reconhecimento da relação de emprego em Juízo não enseja o pagamento damulta do art. 467da CLT, por não se vislumbrar, na hipótese, a existência de verbas rescisórias incontroversas. Julgados.Ressalva-se o entendimento do Relator. Recurso de revista conhecido e provido no aspecto. 03. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. AUSÊNCIA DE ANOTAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO NA CTPS. NÃO CONFIGURAÇÃO. A conquista e a afirmação da dignidade da pessoa humana não mais podem se restringir à sua liberdade e intangibilidade física e psíquica, envolvendo, naturalmente, também a conquista e afirmação de sua individualidade no meio econômico e social, com repercussões positivas conexas no plano cultural – o que se faz, de maneira geral, considerado o conjunto mais amplo e diversificado das pessoas, mediante o trabalho e, particularmente, o emprego. O direito à indenização por dano moral encontra amparo no art. 5º, X, da Constituição Federal, bem como nos princípios basilares da nova ordem constitucional, mormente naqueles que dizem respeito à proteção da dignidade humana e da valorização do trabalho humano (art. 1º da CF/88). No caso dos autos , não houve constatação dos elementos caracterizadores do dano moral – dano, nexo e culpa empresarial. Isso porque, consoante a jurisprudência desta Corte, a falta de registro na CTPS do trabalhador, por si só, não é passível de configurar efetivo dano moral. Recurso de revista conhecido e provido no aspecto. 04. CORREÇÃO MONETÁRIA. ÍNDICE DE ATUALIZAÇÃO DOS DÉBITOS TRABALHISTAS. JUROS MORATÓRIOS. DECISÃO DO STF PROFERIDA NAS ADC´s 58 E 59 E NAS ADI´s 5.857 E 6.021, COM EFEITO VINCULANTE E EFICÁCIA ERGA OMNES . MODULAÇÃO DE EFEITOS. No julgamento da Rcl n. 22.012/RS (sessão de 05.12.2017), pelo Supremo Tribunal Federal, prevaleceu o entendimento de que a adoção do Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) para a atualização dos débitos trabalhistas, no lugar da Taxa Referencial Diária (TRD), não configura desrespeito ao julgamento do STF nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 4.347 e 4.425, que analisaram a emenda constitucional sobre precatórios. Assim, diante da pacificação da matéria no âmbito do Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior do Trabalho passou a adotar o entendimento de que, a partir de 25/03/2015, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) deveria ser utilizado como fator de correção monetária dos débitos trabalhistas, conforme decidido pelo Tribunal Pleno nos autos do processo TST – ArgInc 479-60.2011.5.04.0231. Não obstante, a questão atinente ao índice de correção monetária aplicável aos débitos trabalhistas ainda gerava controvérsias na comunidade jurídica. O debate se acirrou com o advento da Lei 13.467/2017 (Lei da Reforma Trabalhista), que incluiu o § 7° ao artigo 879 da CLT e trouxe previsão expressa de utilização da TR como índice de correção monetária. Diante desse cenário, foram ajuizadas duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs n°s 58 e 59), pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro e pela Confederação Nacional da Tecnologia da Informação e Comunicação, nas quais pretenderam a aplicação da Taxa Referencial – TR para a correção dos débitos trabalhistas e dos depósitos recursais, nos moldes estabelecidos pelos arts. 879, § 7°, da CLT; e 39 da Lei n° 8.177/91. Por outro lado, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA) ajuizou duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs n°s 5867 e 6021), argumentando que as referidas normas implicavam ofensa ao direito de propriedade e à proteção do trabalho e do salário das pessoas humanas trabalhadoras. Em 27/6/2020, o Ministro Gilmar Mendes deferiu liminar em Medida Cautelar na ADC nº 58/DF, na qual determinou a suspensão do julgamento de todos os processos em curso no âmbito da Justiça do Trabalho nos quais se discutisse tanto a aplicação dos arts. 879, § 7º, e 899, § 4º, da CLT, com a redação dada pela Lei nº 13.467/2017, como do art. 39, caput e § 1º, da Lei 8.177/91. Poucos meses depois, na sessão plenária de 18 de dezembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal analisou, conjuntamente, o mérito das Ações Diretas de Constitucionalidade nºs 58 e 59 e das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 5.867 e 6.021 e decidiu, por maioria, na esteira do voto do Ministro Gilmar Mendes, Relator, conferir interpretação conforme a Constituição aos arts. 879, § 7º, e 899, § 4º, ambos da CLT, na redação dada pela Lei 13.467/2017, e reconhecer que é inconstitucional a aplicação da Taxa Referencial (TR) para a correção monetária de débitos trabalhistas e de depósitos recursais no âmbito da Justiça do Trabalho . Definiu ainda que, até que sobrevenha solução legislativa, devem ser aplicados os mesmos índices de correção monetária e de juros vigentes para as condenações cíveis em geral, quais sejam, o IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir do ajuizamento da ação, a taxa SELIC . Esclareceu a Corte Suprema que, em relação à fase extrajudicial, ou seja, a que antecede o ajuizamento das ações trabalhistas, “deverá ser utilizado como indexador o IPCA-E acumulado no período de janeiro a dezembro de 2000. A partir de janeiro de 2001, deverá ser utilizado o IPCA-E mensal (IPCA-15/IBGE )”. E completou o julgado do Supremo Tribunal Federal, ainda se referindo à fase extrajudicial: “Além da indexação, serão aplicados os juros legais (art. 39, caput, da Lei n. 8.177, de 1991 )”. Com respeito à denominada “fase judicial”, dispôs o STF que “a atualização dos débitos judiciais deve ser efetuada pela taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC, considerando que ela incide como juros moratórios dos tributos federais.” Agregou que a “incidência de juros moratórios com base na variação da taxa SELIC não pode ser cumulada com a aplicação de outros índices de atualização monetária, cumulação que representaria bis in idem “. A Suprema Corte, em modulação de efeitos, especificou que todos os pagamentos já realizados, a partir da aplicação da TR, do IPCA-E ou de qualquer outro índice, deverão ser reputados válidos, não ensejando qualquer rediscussão a respeito da matéria e dos valores, nem se admitindo recálculo de quantias, compensação e/ou dedução na conta liquidanda. Decidiu, ainda, que devem ser mantidas as decisões acobertadas pelo manto da coisa julgada, nas quais foram adotados expressamente, na sua fundamentação ou no dispositivo, a TR ou o IPCA-E. Em relação aos processos em andamento que estejam sobrestados na fase de conhecimento, havendo ou não sentença, inclusive na fase recursal, deverá ser aplicada, de forma retroativa, a taxa SELIC (a qual, segundo o STF, engloba juros e correção monetária, como visto). A modulação também previu que a decisão tem efeito vinculante e valerá para todos os casos, atingindo os processos com decisão transitada em julgado nos quais não haja qualquer manifestação expressa sobre os índices de correção monetária e as taxas de juros . Sintetizando a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, é possível concluir que: a) para os processos em curso, deverão ser aplicados, até que sobrevenha outra solução legislativa, na fase pré-judicial, o IPCA-E, para a atualização monetária, a par dos juros de mora (art. 39, caput , da Lei n. 8.177, de 1991). Porém, na fase judicial, a partir do ajuizamento da ação, deverá ser aplicada a taxa SELIC para a atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial, bem como dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho, não cabendo se aplicar, nesta fase, os juros de mora; b) em relação aos débitos trabalhistas judiciais ou extrajudiciais que já tenham sido quitados até a data do referido julgado (18/12/2020), no todo ou em parte, deverão ser mantidos os critérios de correção monetária e juros de mora adotados à época do pagamento, não sendo admitidos o reexame da matéria e a adoção de compensação e/ou dedução do montante já quitado; c) quanto aos processos que se encontram na fase de execução de sentença, há que se verificar o alcance da coisa julgada: se houver, na decisão judicial transitada em julgado, manifestação expressa quanto aos índices de correção monetária (IPCA-E ou TR) e taxa de juros, seja na fundamentação ou no dispositivo, deverão ser aplicados os referidos critérios. Entretanto, caso não haja, no título executivo, manifestação expressa a respeito ou haja “simples consideração de seguir os critérios legais”, aplica-se a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, ou seja, incidência do IPCA-E até a data do início da fase judicial, com os juros legais, e desde então, na fase judicial, com a incidência apenas da taxa SELIC. Na hipótese dos autos , o Tribunal Regional determinou que os parâmetros de correção do crédito obreiro, a partir de 25/03/2015, sejam pelo IPCA-E. Constata-se, pois, que o acórdão regional está em dissonância com a tese vinculante fixada pela Suprema Corte, no tocante aos critérios de correção monetária aplicáveis aos débitos trabalhistas, impondo-se o conhecimento e provimento parcial do recurso de revista para determinar a incidência do IPCA-E e dos juros previstos no art. 39, caput , da Lei nº 8.177/91, na fase pré-judicial , e, a partir do ajuizamento da ação , a incidência da taxa SELIC, que já contempla tanto a correção monetária como os juros de mora. Recurso de revista conhecido e parcialmente provido no tema.
A decisão foi unânime.
Processo: RRAg-11631-10.2015.5.01.0018