É desnecessária a discussão sobre suposto agravamento do risco pelo segurado em seguros de acidente pessoal

De maneira análoga ao seguro de vida, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, na hipótese de seguro de acidentes pessoais, a discussão acerca do suposto agravamento do risco do sinistro pelo segurado é desnecessária, devendo-se conceder a indenização quando evidenciado o sinistro (não natural), o nexo de causalidade e o óbito do segurado.

Dessa forma, o colegiado reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) para conceder o seguro aos pais de um condutor que faleceu em um acidente de moto. A negativa de cobertura havia se baseado no fato de o segurado ter perdido o controle da direção e invadido a contramão em alta velocidade, colidindo frontalmente com outro veículo.

Cobertura dos riscos pelo segurador devem ter interpretação mais favorável ao segurado

Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, a distinção do seguro de acidentes pessoais e do seguro de vida está em que a cobertura da morte, no primeiro, abarca apenas os infortúnios causados por acidente, enquanto, no segundo, a cobertura abrange causas naturais e também eventos externos (acidentais).

A ministra destacou que ambas as espécies compõem o gênero seguro de pessoas (artigo 794 do Código Civil), o qual se diferencia do seguro de danos. “Ressalvada a exigência de evento externo como causa da morte, as relações derivadas do seguro de acidentes pessoais devem ser interpretadas de acordo com as diretrizes legais, doutrinárias e jurisprudenciais que norteiam os seguros pessoais, notadamente aquelas pertinentes ao seguro de vida”, disse.

Na sistemática adotada pelo Código Civil a respeito da responsabilidade do segurador, afirmou, esta fica adstrita aos riscos assumidos e previstos no contrato. De acordo com a relatora, não esclarecidos quais os riscos contratualmente garantidos, a responsabilidade deverá abranger todos os peculiares à modalidade do seguro contratado, aplicando-se, dessa forma, a interpretação mais favorável ao segurado.

Agravar o risco do objeto do contrato

Nancy Andrighi ponderou que a vedação prevista no artigo 768 do CC – segundo a qual “o segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato” – existe em razão do dever de agir com boa-fé (artigo 765 do CC). Evita-se, segundo ela, que o segurador seja compelido a responder injustamente por outros riscos que não os acordados inicialmente em vista de certas situações fáticas – o que, em última análise, acabaria por afetar o equilíbrio da mutualidade dos segurados.

Apesar disso, a ministra destacou que a jurisprudência do STJ entende que a exclusão de coberturas nos seguros de vida deve ser interpretada restritivamente, sob pena de esvaziar a própria finalidade do contrato, uma vez que “é da essência do seguro de vida um permanente e contínuo agravamento do risco segurado”.

De acordo com a relatora, como consequência desse entendimento, a Segunda Seção decidiu que, “nos seguros de pessoas, é vedada a exclusão de cobertura na hipótese de sinistros ou acidentes decorrentes de atos praticados pelo segurado em estado de insanidade mental, de alcoolismo ou sob efeito de substâncias tóxicas”.

Consolidou-se – acrescentou a relatora – a orientação mais benéfica ao consumidor, no sentido de afastar o pagamento da apólice do seguro de vida tão somente quando ocorrer suicídio dentro dos dois primeiros anos do contrato. Naquela decisão, estabeleceu-se que “o agravamento do risco pela embriaguez, assim como a existência de eventual cláusula excludente da indenização, é crucial apenas para o seguro de coisas, sendo desimportante para o contrato de seguro de vida nos casos de morte”.

Do mesmo modo, a ministra observou que, ao se considerar o seguro de acidentes pessoais correspondente ao seguro de pessoas – e não de danos –, é indevido averiguar o agravamento intencional do risco por parte do segurado. A relatora lembrou ainda que a Resolução do Conselho Nacional de Seguros Privados 439/2022 insere o suicídio dentro dos riscos cobertos pela apólice.

O recurso ficou assim ementado:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA CUMULADA COM EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO. VIOLAÇÃO DO ART. 489, § 1º, DO CPC⁄15. NÃO OCORRÊNCIA. SEGURO DE ACIDENTES PESSOAIS. MODALIDADE DE SEGURO DE PESSOAS. IMPOSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DA COBERTURA COM FUNDAMENTO NO AGRAVAMENTO INTENCIONAL DO RISCO. PRECEDENTE DESTA CORTE. SUICÍDIO. EMBRIAGUEZ. CONCLUSÃO IDÊNTICA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 768 DO CC⁄02. REFORMA DO ACÓRDÃO RECORRIDO. DECLARAÇÃO DO DIREITO À INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. QUANTUM. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. SÚMULAS 5 E 7⁄STJ. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM PARA ARBITRAR O MONTANTE INDENIZATÓRIO.
1. Ação de cobrança de indenização securitária cumulada com exibição de documento, ajuizada em 24⁄3⁄2017, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 20⁄5⁄2021 e concluso ao gabinete em 20⁄12⁄2022.
2. O propósito recursal consiste em decidir se é possível a exclusão da cobertura securitária nos contratos de seguro de acidentes pessoais sob o fundamento de que o segurado teria agravado o risco contratado.
3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há falar em violação do art. 489, § 1º, do CPC⁄15.
4. O seguro de acidente pessoal é modalidade de seguro de pessoas, diferenciando-se do seguro de vida em relação à natureza do risco contratado. A cobertura do primeiro abrange apenas os infortúnios causados por acidentes, enquanto o segundo abarca as causas naturais e eventos externos. Precedentes desta Corte.
5. A Segunda Seção desta Corte reafirmou o entendimento no sentido de que, “nos seguros de pessoas, é vedada a exclusão de cobertura na hipótese de sinistros ou acidentes decorrentes de atos praticados pelo segurado em estado de insanidade mental, de alcoolismo ou sob efeito de substâncias tóxicas, ressalvado o suicídio ocorrido dentro dos dois primeiros anos do contrato” (REsp 1.999.624⁄PR, Segunda Seção, DJe 2⁄12⁄2022).
6. No mesmo julgamento, estabeleceu-se que “o agravamento do risco pela embriaguez, assim como a existência de eventual cláusula excludente da indenização, são cruciais apenas para o seguro de coisas, sendo desimportante para o contrato de seguro de vida, nos casos de morte”. De maneira análoga, na hipótese de seguro de acidentes pessoais, modalidade de seguro de pessoas, a discussão acerca do suposto agravamento do risco do sinistro pelo segurado é desnecessária.
7. Se a cobertura nos seguros pessoais deve abranger até mesmo o suicídio premeditado após os dois primeiros anos do contrato, bem como os sinistros decorrentes de atos praticados pelo segurado em estado de insanidade mental, de alcoolismo ou sob efeito de substâncias tóxicas, não há como se afastar a cobertura securitária ao segurado que, por motivos desconhecidos, ao conduzir veículo em alta velocidade, invadiu a contramão e colidiu com terceiro, ocasionando acidente que culminou em sua morte.
8. Necessidade de reforma do acórdão recorrido, que decidiu em desconformidade com a jurisprudência desta Corte.
9. Declarado o direito à indenização securitária, deve o processo retornar ao Tribunal de origem para que seja arbitrado o montante devido, em conformidade com as peculiaridades do contrato. A certeza do valor devido, na hipótese, exige a interpretação das cláusulas contratuais, bem como o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que é vedado em sede de especial pela incidência das Súmulas 5 e 7⁄STJ.
10. Recurso especial conhecido e provido para, reformando o acórdão recorrido, declarar o direito à indenização securitária aos recorrentes, condenar o recorrido ao seu pagamento, e, superadas essas questões, determinar o retorno dos autos para prosseguir no julgamento da apelação, a fim de analisar as teses suscitadas pelos recorrentes quanto ao valor da indenização devida.

Leia o acórdão no REsp 2.045.637.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 2045637

Deixe uma resposta

Iniciar conversa
Precisa de ajuda?
Olá, como posso ajudar