Em decisão unânime, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou habeas corpus ao empresário Fernando Antônio Guimarães Hourneaux de Moura, condenado em processo decorrente da operação Lava Jato. O colegiado entendeu que o descumprimento de acordo de delação premiada pode ser motivo para o restabelecimento da prisão preventiva.
Hourneaux foi condenado a 16 anos e dois meses de reclusão. Na sentença, o juiz determinou a prisão preventiva do empresário sob o fundamento de risco à aplicação da lei penal (possibilidade de fuga) e diante do não cumprimento do acordo de delação firmado por ele.
No acordo, o empresário havia prometido, além de repassar informações, a devolução de cerca de R$ 5 milhões, valor relacionado aos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Diante de sucessivas modificações em seus depoimentos, entretanto, a credibilidade da delação foi comprometida. Além disso, a quantia acertada não foi devolvida e, por já existir histórico, durante o escândalo do mensalão, de fuga do empresário para o exterior, o juiz determinou a custódia preventiva.
“Considerando o comportamento processual pretérito, há um risco concreto de que, diante da violação do acordo e pela negativa de benefícios, venha novamente a refugiar-se no exterior, já que agora a perspectiva de sofrer sanção penal é muito mais concreta do que anteriormente”, explicou o magistrado.
Benefício revogado
No habeas corpus impetrado no STJ, a defesa alegou que a prisão preventiva foi ilegal por ter sido decretada em razão da frustração do acordo de delação. “No artigo 312 do Código de Processo Penal nem tampouco em qualquer outra disposição normativa há a previsão legal de que eventual violação de acordo de delação premiada seja motivo suficiente e automático para a decretação de prisão preventiva”, disse a defesa.
O relator do habeas corpus, ministro Felix Fischer, destacou entendimento da Quinta Turma no sentido de não haver ilegalidade na manutenção de prisão preventiva quando demonstrado, com base em fatos concretos, que a segregação se mostra necessária, dada a gravidade da conduta incriminada, bem como em razão do efetivo risco de fuga.
Além disso, o relator observou que a liberdade havia sido concedida ao réu justamente em razão do acordo de colaboração e que, diante da frustração da expectativa do cumprimento do que foi assumido, também foi revogada a concessão do benefício.
“Não é inusual, em nosso sistema processual, que o descumprimento de obrigações assumidas pelo acusado, que se encontrava preso e alcança a liberdade, impliquem o corolário da retomada de sua segregação”, explicou o relator.
“Nos casos em que a intensidade do descumprimento do acordo de colaboração mostrar-se relevante, a frustração da expectativa gerada com o comportamento tíbio do colaborador permite o revigoramento da segregação cautelar”, acrescentou Fischer.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO “LAVA-JATO”. PRISÃO PREVENTIVA. ALEGAÇÃO DE INIDONEIDADE DA FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL. QUEBRA DO ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA E RISCO À APLICAÇÃO DA LEI PENAL. FUNDAMENTOS VÁLIDOS A AMPARAR A SEGREGAÇÃO CAUTELAR. RECURSO DESPROVIDO.I – Não há óbice em se decretar a prisão preventiva no ensejo da prolação de sentença condenatória, quando presentes os requisitos legais. Possibilidade que ressai evidente do art. 387, par. 1º, do Código de Processo Penal.II – A existência de dados concretos, relacionados ao comportamento pretérito do acusado, somado à sua disponibilidade de recursos financeiros, são hábeis a revelar que a sua colocação em liberdade implicaria em riscos para a aplicação da lei penal, por isso que viabilizada a prisão preventiva sob este fundamento, máxime se decretada na sentença condenatória.III – A quebra das obrigações assumidas pelo acusado-colaborador, em si mesma, não faz despontar os requisitos da prisão preventiva, quando estes, em nenhum momento precedente, fizeram-se presentes, nos casos em que o acordo celebrou-se com réu que ostentava a condição de liberdade.IV – Hipótese diversa, em que a celebração do acordo de colaboração premiada houve de ensejar a concessão da liberdade provisória a acusado que se encontrava preso, fundada numa inequívoca expectativa de que dar-se-ia escorreito o cumprimento do acordado.V – No âmbito do acordo de colaboração premiada, conforme delineado pela legislação brasileira, não é lícita a inclusão de cláusulas concernentes às medidas cautelares de cunho pessoal, e, portanto, não é a partir dos termos do acordo que se cogitará da concessão ou não de liberdade provisória ao acusado que, ao celebrá-lo, encontre-se preso preventivamente. Segundo a dicção do art. 4º, da Lei 12850⁄2013, a extensão do acordo de colaboração limita-se a aspectos relacionados com a imposição de pena futura, isto é, alude-se à matéria situada no campo do direito material, e não do processo.VI – Nos casos em que a liberação do acusado derivou da expectativa fundada de que, com o acordo, haveria de prestar a colaboração a que se incumbiu, não se exclui, verificadas as particularidades da situação, possa-se restabelecer a segregação cautelar.VII – Será de avaliar-se, em cada caso, a extensão do olvido com que se houve o colaborador, frente aos termos do acordo, porquanto não é apenas a circunstância de seu descumprimento que determinará a retomada da prisão preventiva, quando essa foi afastada à conta de sua celebração.VIII – Nos casos em que a intensidade do descumprimento do acordo de colaboração mostrar-se relevante, a frustração da expectativa gerada com o comportamento tíbio do colaborador permite o revigoramento da segregação cautelar, mormente quando seu precedente afastamento deu-se pelo só fato da promessa homologada de colaboração.Recurso ordinário desprovido.