A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, entendeu que a ciência prévia da seguradora quanto à existência de cláusula arbitral no contrato objeto de seguro-garantia impõe sua submissão à arbitragem. Segundo o colegiado, em tais casos, a arbitragem constitui elemento a ser considerado na avaliação de risco pela seguradora, nos termos do artigo 757 do Código Civil.
De acordo com os autos, a Mapfre Seguros foi contratada pela sociedade colombiana Empresas Públicas de Medelín para cobrir os riscos do transporte marítimo internacional, entre os portos de Santos e Barranquilla, de peças para a construção de uma usina hidroelétrica. Durante o trajeto, houve danos na carga segurada. A Mapfre, então, indenizou a empresa colombiana e ajuizou ação regressiva contra as empresas responsáveis pelo transporte.
O juízo de primeiro grau condenou as rés, solidariamente, a ressarcir à seguradora o valor da indenização. Na apelação, as empresas sustentaram a incompetência da Justiça brasileira para o caso, pois a cláusula arbitral existente no conhecimento de transporte marítimo se estenderia à seguradora quando ela se sub-rogou no crédito de sua segurada. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) acolheu o argumento e reformou a sentença.
Em regra, submissão à arbitragem deve ser afastada como efeito da sub-rogação legal
A relatora no STJ, ministra Isabel Gallotti, observou que a sub-rogação legal não implica titularização da posição contratual do segurado pelo segurador, pois, apesar de relacionados, o contrato de seguro e o contrato coberto pela apólice são autônomos e se referem a obrigações distintas.
Segundo a magistrada, enquanto no contrato objeto de seguro-garantia há a obrigação principal não cumprida e demais pactos acessórios decorrentes da avença, no contrato de seguro há apenas um interesse protegido: o risco de descumprimento do contrato assegurado, que o segurador assume em troca dos prêmios pagos e do poder de buscar o ressarcimento na ação de regresso.
Dessa forma, explicou Gallotti, deve ser afastada, normalmente, a submissão à cláusula arbitral como efeito direto e automático da sub-rogação legal, pois é possível a existência de sub-rogação convencional ou, ao menos, a consideração daquela cláusula no risco a ser garantido nos casos de seguro-garantia, ainda que de forma implícita.
“A diferenciação proposta mostra-se essencial em razão da necessidade de a submissão de determinado conflito à jurisdição arbitral ser fruto da autonomia das partes, nos termos do artigo 3° da Lei 9.307/1996, bem como da ineficácia de qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos a que se refere esse artigo. Entendimento diverso possibilitaria obrigar a seguradora a se submeter ao compromisso arbitral decorrente de cláusula compromissória celebrada posteriormente à contratação da apólice securitária, não considerada no cálculo do risco predeterminado”, comentou.
Ciência prévia da seguradora impõe submissão à jurisdição arbitral
A relatora ressaltou que, nos casos de seguro-garantia, não há como afastar o conhecimento prévio da seguradora quanto à existência de cláusula compromissória no contrato de transporte marítimo de cargas objeto da apólice.
De acordo com a magistrada, tendo sido submetido o contrato previamente à seguradora, a fim de que analisasse os riscos – entre os quais foi ou deveria ter sido considerada a cláusula compromissória –, não pode ser afastado o entendimento de que tal cláusula se inclui entre os elementos essenciais do interesse garantido e do risco predeterminado (artigos 757, caput, e 759 do CC).
Assim, explicou Gallotti, como consequência da sub-rogação legal, há a transferência total de direitos, ações, privilégios e garantias do contrato primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores, conforme disposto no artigo 349 do Código Civil (CC). A ministra comentou ainda que, se a seguradora concordou em garantir o contrato com cláusula compromissória, não se pode falar em violação da voluntariedade prevista na Lei de Arbitragem.
“Afastar a sub-rogação na cláusula arbitral, previamente exposta à aprovação da seguradora e de conhecimento de todos, implicaria submeter as partes do contrato de transporte marítimo ao arbítrio da contraparte na livre escolha da jurisdição aplicável à avença, pois dependente única e exclusivamente da seguradora escolhida pelo consignatário da carga”, afirmou.
O recurso ficou assim ementado:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE TRANSPORTE MARÍTIMO INTERNACIONAL. DANO EM CARGA. AÇÃO REGRESSIVA. SEGURADORA. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA PACTUADA NO CONTRATO DE TRANSPORTE. SEGURO GARANTIA. CIÊNCIA PRÉVIA PELA SEGURADORA DO CONTEÚDO DO CONTRATO A SER GARANTIDO ANTES DA EMISSÃO DA APÓLICE. ART. 4º, § 2º, DA LEI N. 9.307/96. INAPLICABILIDADE. CONTRATO DE ADESÃO NÃO CONFIGURADO. REEXAME DE PROVAS. SÚMULAS 5 E 7/STJ.
1. A ciência prévia da seguradora a respeito de cláusula arbitral pactuada no contrato objeto de seguro garantia resulta na sua submissão à jurisdição arbitral, por integrar a unidade do risco objeto da própria apólice securitária, dado que elemento objetivo a ser considerado na avaliação de risco pela seguradora, nos termos do artigo 757 do Código Civil.
2. Nos termos do entendimento desta Corte, o contrato de adesão possui como elementos essenciais a uniformidade, a predeterminação e a rigidez das cláusulas gerais elaboradas unilateralmente, bem como a indeterminação de possíveis aderentes em razão da proposta permanente e geral.
3. A circunstância de o contrato ser materializado por formulário e a existência de cláusulas padronizadas não implica a necessária conclusão de se tratar de contrato de adesão. Para tanto, cumpre esteja presente a característica de contratualidade meramente formal, vale dizer, que a parte não responsável pela prévia determinação uniforme do conteúdo do contrato tenha meramente aderido ao instrumento, sem aceitar efetivamente as suas cláusulas.
4. Hipótese em que o Tribunal de origem, soberano na análise do conteúdo fático e contratual, entendeu tratar-se de contrato paritário, em razão do significativo porte econômico da contratante do transporte internacional e do elevado valor do bem transportado, concluindo pela efetiva anuência à cláusula compromissória expressa no contrato.
5. Rever a inaplicabilidade do artigo 4º, § 2º, da Lei n° 9.307/96 ao contrato em debate esbarraria na vedação de análise cláusulas contratuais e reexame matéria fático-probatória (Súmulas 5 e 7/STJ).
6. Recurso especial parcialmente conhecido e, na parte conhecida, não provido.
Leia o acórdão no REsp 1.988.894.