Aplicativo de transporte não responde por assalto cometido por passageiro contra motorista

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que as empresas gerenciadoras de aplicativos de transporte não devem ser responsabilizadas civilmente no caso de assalto cometido por passageiro contra motorista credenciado pela plataforma. Nessas circunstâncias, a culpa é de terceiro, configurando-se caso fortuito externo à atuação da empresa.

A partir desse entendimento, o colegiado, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial de um motorista que pedia indenização por danos materiais e morais à Uber, em decorrência de roubo praticado por passageiros cadastrados no aplicativo de transporte individual.

Em primeira instância, o pedido foi julgado parcialmente procedente, ao fundamento de que a empresa possui um cadastro com dados pessoais dos clientes e avaliações de passageiros fornecidas pelos motoristas da rede, de forma a gerar uma expectativa de segurança aos profissionais que atuam no serviço.

No entanto, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) reformou a decisão ao acolher a apelação da Uber. Para a corte estadual, a empresa não pode ser responsabilizada por fato de terceiro, que decorre sobretudo de falha do Estado, responsável por assegurar aos cidadãos o direito fundamental à segurança.

No recurso ao STJ, o motorista sustentou que houve negligência quanto à fiscalização dos perfis dos usuários cadastrados na plataforma.

Prevalência de autonomia da vontade e independência do motorista

O relator, ministro Moura Ribeiro, destacou que não é possível atribuir responsabilidade civil extracontratual – seja objetiva ou subjetiva – à Uber, pois a finalidade de seu aplicativo é aproximar motoristas parceiros e seus clientes (passageiros), não havendo qualquer relação de subordinação desses profissionais em relação à empresa gerenciadora da ferramenta.

Para o ministro, as atividades profissionais desenvolvidas pela empresa e pelo motorista credenciado integram uma cadeia de serviços, para fins de responsabilização civil por danos ocasionados aos passageiros, mas, sobre o pacto negocial existente entre eles, prevalecem a autonomia da vontade e a independência na atuação de cada um.

“Não há ingerência da Uber na atuação do motorista de aplicativo, considerado trabalhador autônomo (artigo 442-B da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT), salvo quanto aos requisitos técnicos necessários para esse credenciamento, que decorrem estritamente da relação estabelecida entre o transportador e a gerenciadora da plataforma”, afirmou Moura Ribeiro.

Não é dever da empresa fiscalizar o comportamento dos passageiros

O ministro lembrou que o STJ e o Supremo Tribunal Federal (STF) já definiram que a Uber é responsável pelo gerenciamento de sua plataforma digital, pelo cadastro de seus clientes (passageiros) e pelo cadastro dos motoristas credenciados, com os quais não mantém vínculo empregatício.

“Assim, não se insere no âmbito de sua atuação fiscalizar a lisura comportamental dos passageiros que se utilizam de seu aplicativo”, ressaltou.

Ausência de nexo de causalidade entre conduta da Uber e fato danoso

De acordo com o relator, a jurisprudência do STJ entende que o roubo, mediante uso de arma de fogo, em regra, é fato de terceiro equiparável a fortuito externo e exclui o dever de indenizar por danos ao consumidor, mesmo no sistema de responsabilidade civil objetiva.

Moura Ribeiro acrescentou que não há nexo de causalidade entre a conduta da Uber e o roubo sofrido pelo motorista, cujo risco é inerente à atuação do transportador e por ele deve ser assumido.

“Caracterizado, assim, o fato de terceiro, estranho ao contrato de fornecimento/gerenciamento de aplicativo tecnológico oferecido pela Uber, para a intermediação entre o passageiro e o motorista credenciado, por fugir completamente de sua atividade-fim, correta a solução dada pelo acórdão recorrido”, concluiu o ministro.

O recurso ficou assim ementado:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ROUBO PRATICADO POR PASSAGEIROS CONTRA MOTORISTA DE APLICATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DA EMPRESA GERENCIADORA DO APLICATIVO (UBER). IMPOSSIBILIDADE. CASO FORTUITO EXTERNO. IMPREVISIBILIDADE E INEVITABILIDADE DA CONDUTA. AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA NA RELAÇÃO PROFISSIONAL DESEMPENHADA POR APLICATIVO E SEUS MOTORISTAS CREDENCIADOS. AUSÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE A CONDUTA DA UBER (GERENCIADORA DE APLICATIVO) E O FATO DANOSO. RISCO DA ATIVIDADE DE TRANSPORTE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONHECIDO. SÚMULA 83 DO STJ. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.
1. É do terceiro a culpa de quem pratica roubo contra o motorista de aplicativo. Caso fortuito externo a atuação da UBER.
2. A jurisprudência do STJ orienta-se no sentido de que o roubo é fato de terceiro que rompe o nexo de causalidade. Precedentes.
3. Inexistência, por outro lado, de vínculo de subordinação entre motoristas de aplicativo e a empresa gerenciadora da plataforma.
Precedentes (Nesse sentido, confira-se: STJ, CC nº 164.544/MG, de minha relatoria, DJe 4/9/2019; e recente julgado do STF, Rcl nº 59.795, de relatoria do Min. ALEXANDRE DE MORAES, Dje 19/5/2023).
4. Não há ingerência da UBER na atuação do motorista de aplicativo, considerado trabalhador autônomo (art. 442-B, da CLT), salvo quanto aos requisitos técnicos necessários para esse credenciamen to que decorrem estritamente da relação estabelecida entre o transportador e a gerenciadora da plataforma, e que se limitam à parceria entre eles ajustada.
5. Assalto, fato de terceiro, estranho ao contrato de fornecimento/gerenciamento de aplicativo tecnológico oferecido pela UBER, para a intermediação entre o passageiro e o motorista credenciado, foge completamente de sua atividade-fim, caracterizando fortuito externo.
6. Dissídio jurisprudencial não demonstrado. Acórdão em consonância com a orientação do STJ. Súmula 83 do STJ. Não conhecimento.
7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.

Leia o acórdão no REsp 2.018.788.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 2018788

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