Acordo extrajudicial que excluía multa por atraso na rescisão é válido

Para a 5ª Turma, a análise deve se limitar à verificação da livre manifestação de vontade das partes

A Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho homologou um acordo extrajudicial firmado entre uma recepcionista e a MM Franquia Ltda, de São Paulo, que afastava a multa por atraso no pagamento das verbas rescisórias e previa o pagamento de apenas 20% da multa sobre o saldo do FGTS. Segundo o colegiado, não há incidência de multa em nenhuma hipótese de acordo extrajudicial homologado, valendo o que foi acordado pelas partes.

Pandemia

O contrato com a recepcionista foi rescindido em março de 2020 com base em motivo de força maior, em razão da pandemia da covid-19. O acordo previa o pagamento de R$ 4 mil para a quitação em caráter irrevogável do contrato.

Cejusc

Contudo, o Centro Judiciário de Solução Consensual de Conflitos (Cejusc) Ruy Barbosa, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, rejeitou o pedido de homologação de transação. A decisão foi confirmada pelo TRT sob o fundamento de que o artigo 855-B da CLT, introduzido pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), não permite que haja transação em torno da multa prevista no artigo 477, parágrafo 8º.

Prazo

A multa é aplicada quando a empresa não paga as verbas rescisórias no prazo de 10 dias após o desligamento sem justa causa. O valor da equivale ao salário-base do trabalhador.

Força maior

Também, segundo o TRT,  redução da multa do FGTS não poderia ser negociada, já que a situação instalada com a covid-19 não seria causa legítima para o encerramento do contrato, pois a pandemia não caracterizaria força maior para fins trabalhistas, conforme a Medida Provisória 927/2020.

Acordo de vontades

Para o relator do recurso da empresa, ministro Breno Medeiros, o TRT não levou em conta o acordo de vontades ajustado pelas partes. Segundo ele, não há incidência de multa do artigo 477 em nenhuma hipótese de acordo extrajudicial homologado, pois a obrigação originária é substituída pelo acordo. Com isso, cessam todos os efeitos decorrentes da perda do prazo para o pagamento das verbas rescisórias.

Avaliação em conjunto

O ministro também avaliou que a transação extrajudicial deve ser avaliada em seu conjunto, o que impede a consideração isolada de uma circunstância (o enquadramento ou não da pandemia no conceito jurídico de força maior). Segundo o relator, dentro da chamada jurisdição voluntária, é juridicamente irrelevante o enquadramento da causa de extinção do contrato de trabalho no conceito de “força maior”, sendo válido o pagamento do FGTS em proporção de 20%.

O recurso ficou assim ementado:

AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA . Agravo provido, para melhor exame do agravo de instrumentos. Agravo provido. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA . Tendo em vista a configuração de potencial violação do art. 855-C da CLT, é de prover o agravo de instrumento, para adentrar no exame do recurso de revista obstado. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA . A questão relativa à validade de transação extrajudicial que versa sobre a flexibilização da penalidade prevista no art. 477, § 8º, da CLT ainda não foi suficientemente enfrentada no âmbito desta Corte superior, pelo que deve ser reconhecida a transcendência jurídica da matéria. Na questão de fundo, percebe-se que o e. TRT manteve a sentença de origem, que não homologou o acordo extrajudicial firmado entre as partes, sob o fundamento de que o art. 855-C da CLT não permite que haja transação em torno da multa prevista no art. 477, § 8º, da CLT, bem como porque seria vedado transacionar a multa de FGTS na proporção de 20%, já que a situação instalada com a COVID-19, alegada como motivo de força maior para a ruptura contratual na petição conjunta de acordo, não seria causa legítima para o encerramento do contrato de trabalho, nos termos da MP nº 927/2020. Ocorre que a Lei nº 13.467/17 inovou no campo da transação extrajudicial, ao inserir os arts. 855-B a 855-E na CLT, cuja finalidade é prevenir a litigiosidade e conferir segurança jurídica aos transatores das relações de trabalho. Conforme se depreende do art. 855-D da CLT, em que pese a nova previsão celetista não crie uma obrigação irrestrita de o juízo homologar todo e qualquer acordo extrajudicial proposto, a mens legis está no respeito à vontade livremente manifestada pelas partes, desde que o seja de forma lícita, como no caso. Tendo-se por base essa compreensão geral do instituto, percebe-se que, no caso concreto, o Regional extrapolou o campo do exame de legalidade do acordo extrajudicial, invadindo a seara da própria pertinência do acordo de vontades ajustado pelas partes. Nesse sentido, há registro no acórdão recorrido de que a não homologação da transação extrajudicial ora examinada decorreu da compreensão de que a previsão de renúncia à multa do art. 477, § 8º, da CLT era ilegal, assim como a previsão de pagamento da multa de FGTS em 20% , aos fundamentos de que “houve a renúncia da multa do artigo 477, da CLT (ID 9f1eb5a)” e que “por disposição expressa do novel art. 855-C da CLT, não se pode afastar a multa prevista no § 8º do artigo 477 da CLT” . Já com relação à transação em torno da proporção da multa de FGTS em 20%, asseverou que “a rescisão por motivo de força maior, conforme noticiado na petição inicial, foi desprovida de previsão legal, porquanto não está elencada nas opções constante na Medida Provisória 927/20 editada pelo Governo Federal” . Em primeiro plano, percebe-se que, uma vez inaugurado o procedimento de jurisdição voluntária do Capítulo III-A da CLT, torna-se juridicamente irrelevante o enquadramento da causa de extinção do contrato de trabalho no conceito de “força maior” , para fins de enquadramento na MP nº 927/2020, dado que a transação extrajudicial não depende de tal condicionante, pelo que a simples alegação dessa circunstância pelas partes em sua petição conjunta de acordo não impõe, por si só, a nulidade da vontade livremente manifestada nos termos da transação privada. Logo, não sendo ilícito haver transação extrajudicial fora do contexto de força maior, não há, igualmente, invalidade jurídica a priori na previsão do pagamento da multa de FGTS em proporção de 20%. A transação extrajudicial, como dito, deve ser avaliada em seu conjunto, o que impede a consideração isolada de tal circunstância (enquadramento ou não da situação de COVID-19 no conceito jurídico de força maior), a qual não vincula a vontade das partes do ponto de vista legal, pelo que não pode operar como fundamento autônomo e legítimo para a rejeição da negociação recíproca ajustada. Por outro lado, deve-se considerar que a previsão do art. 855-C da CLT não impõe nenhuma vedação ao objeto da transação extrajudicial . Lido em conjunto com a previsão contida no art. 855-E da CLT (que suspende o prazo prescricional para o ajuizamento de ação trabalhista no curso do procedimento de jurisdição voluntária), percebe-se que o art. 855-C da CLT tão somente prevê a ausência de tal suspensão de prazos no tocante ao pagamento das verbas trabalhistas, previsto no § 6º do art. 477 da CLT, com a consequente manutenção da penalidade prevista no § 8º, o que, a toda evidência, não possui nenhuma relevância prática quando há a homologação da transação extrajudicial . Isso porque, como a transação homologada é uma espécie de novação importada para o direito do trabalho, uma vez que ela é estabelecida cria-se uma nova obrigação entre as partes. Logo, não há incidência de multa do art. 477, § 8º, da CLT em nenhuma hipótese de acordo extrajudicial homologado, simplesmente porque a obrigação originária é substituída pelo acordo, cessando quaisquer efeitos decorrentes da perda do prazo do § 6º do art. 477 da CLT. Situação outra se dá quando o acordo é rejeitado, pois, como não há a novação nesses casos, e o prazo do § 6º do art. 477 da CLT não é suspenso, a eventual cobrança da penalidade do § 8º do referido dispositivo é possível, diante da recusa de homologação. Assim, o Regional interpretou de forma incorreta o art. 855-C da CLT, já que ele não se confunde com uma vedação à transação em torno da multa, mas tão somente uma ausência de suspensão do prazo e da penalidade a que aludem os §§ 6º e 8º do art. 477 da CLT, o que só possui pertinência quando não homologado o acordo extrajudicial. Com maior razão, portanto, a mera previsão de exclusão da penalidade do § 8º do art. 477 da CLT no acordo extrajudicial não constitui objeto ilícito, pelo que não dá suporte à rejeição de homologação imposta no primeiro grau, e confirmada no segundo. Sendo assim, a decisão recorrida incorreu em violação do art. 855-C da CLT. Ante o exposto, é de se conhecer e prover o recurso de revista, a fim de homologar o acordo extrajudicial firmado entre as partes . Recurso de revista conhecido e provido.

A decisão foi unânime.

Processo: RR-1000555-63.2020.5.02.0019

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