A 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), sob a relatoria do desembargador federal Newton Ramos, reformou parcialmente a sentença e condenou a Caixa Econômica Federal (Caixa), a Caixa Seguradora e uma Construtora a pagar a um mutuário juros moratórios de 0,033% por dia sobre o valor do imóvel atualizado, inclusive com o pagamento retroativo aos meses já vencidos após o prazo da conclusão da obra, e de multa única, de 2% sobre o valor do imóvel atualizado, abatidos os valores de aluguéis devidos a títulos de lucros cessantes. Foi mantida a condenação no valor de R$ 10.000,00 mil reais de danos morais.
O juiz sentenciante havia entendido que não cabia lucros cessantes, por serem os autores pessoas naturais, adquiriram o imóvel pelo Programa Minha Casa Minha Vida e que o bem é destinado exclusivamente para a sua moradia e não para empreendimento lucrativo. Porém, é pacificado na jurisprudência o cabimento dos lucros cessantes haja vista o prejuizo presumido do comprador consistente na privação injusta do bem e ao pagamento de aluguéis.
O autor requereu também o pagamento de juros e multa moratória. A pretensão foi rejeitada em primeiro grau com o argumento de que inexiste previsão contratual expressa. Contudo, esclareceu o relator, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou entendimento no sentido de que¿“prevendo o contrato a incidência de multa moratória para o caso de descumprimento contratual por parte do consumidor, a mesma multa deverá incidir, em reprimenda do fornecedor, caso seja deste a mora ou o inadimplemento”.
Assim, concluiu o relator que, nesse aspecto, a sentença merece reforma, sendo procedente a condenação dos réus ao pagamento de juros moratórios sobre o valor do imóvel, inclusive com valores retroativos, e de multa sobre o valor atualizado do imóvel, abatidos os valores dos aluguéis devidos a título de lucros cessantes.
Quanto aos recursos da construtora, da Caixa Seguradora e da Caixa Econômica Federal, o magistrado afirmou que os autos evidenciam o atraso injustificado por mais de dois anos para entrega do imóvel, de modo que as partes demandadas devem ser responsabilizadas pelos danos causados, devendo a sentença ser mantida nesse aspecto.
O recurso ficou assim ementado:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. ATRASO DA OBRA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE CONSTRUTORA, AGENTE FINANCEIRO E SEGURADORAS. LUCROS CESSANTES. CABIMENTO. JUROS E MULTA MORATÓRIA. CABIMENTO. COMPENSAÇÃO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA; 1. Cinge-se a controvérsia dos autos a aferir a responsabilidade pela reparação de danos materiais e extrapatrimoniais em razão do atraso na entrega de imóvel adquirido no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida; 2. A jurisprudência da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça – STJ, no julgamento do REsp n. 1.729.593/SP, submetido ao rito dos recursos repetitivos, pacificou o entendimento de que, no caso de atraso na entrega do imóvel, no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida, é presumido o prejuízo do comprador, consistente na injusta privação do bem (AgInt no AgInt no REsp n. 1.830.955/RJ, relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/3/2022, DJe de 18/3/2022); 3. Quanto ao cabimento do pagamento de aluguéis a título de lucros cessantes, a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que, descumprido o prazo para entrega do imóvel objeto do compromisso de compra e venda, é devida a indenização dos lucros cessantes, sendo presumido o prejuízo; 4. O STJ, todavia, firmou entendimento no sentido de que “prevendo o contrato a incidência de multa moratória para o caso de descumprimento contratual por parte do consumidor, a mesma multa deverá incidir, em reprimenda do fornecedor, caso seja deste a mora ou o inadimplemento” (REsp 955.134/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/08/2012, DJe 29/08/2012); 5. Incidindo cláusula penal no sentido de prefixar em patamar razoável à indenização, não cabe posterior cumulação com lucros cessantes, devendo ser abatidos do valor total os aluguéis devidos. (AC 0000039-98.2015.4.01.3300, DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, TRF1 – SEXTA TURMA, e-DJF1 18/10/2019); 6. Em relação ao quantum arbitrado de indenização por danos morais, tenho que a importância fixada atende às peculiaridades do caso e à razoabilidade necessária. A propósito, conforme bem delineado pelo juízo a quo: “A presente ação foi ajuizada em 17/12/2015. O atraso da obra foi de aproximadamente 2 anos. Assim, entendo que devem as rés indenizar os Autores no montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais) […]. Cabe ressaltar a solidariedade entre a Caixa, a Caixa Seguros e a empresa construtora no pagamento desses valores”; 7. Embora a Caixa Seguradora sustente a ausência de pertinência subjetiva para integrar a lide, sob o argumento genérico de que não teria celebrado contrato com os autores, o exame dos autos revela que, na verdade, restou entabulado entre as partes a avença securitária; 8. Quanto ao mérito da demanda, cumpre invocar os fundamentos adotados pelo juízo a quo, que bem evidencia o atraso prolongado e injustificado para a entrega do imóvel objeto do contrato, a configurar a responsabilidades dos réus pela reparação dos danos suportados; 9. O acervo fático-probatório dos autos evidencia o atraso injustificado por mais de dois anos para a entrega do bem imóvel objeto do contrato, de modo que a parte demandada deve ser responsabilizada pelos danos causados; 10. Na hipótese, a participação da CEF não se limitou à função de agente operador do financiamento, comprometendo-se a acompanhar a obra e exigir o cumprimento dos respectivos prazos; 11. Consoante jurisprudência deste e. Tribunal, “nos programas residenciais mantidos com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial FAR, instituído pela Lei Federal n. 10.188/2001, a Caixa não atua apenas como agente financeiro, mas sim na qualidade de gestora do respectivo Fundo, caso em que responde por eventuais vícios de construção verificados nos imóveis e atraso na realização das obras, por isso tem legitimidade para figurar no polo passivo de ações que tenham como objeto indenização ou reparação desses vícios” (AGTAG 1040407-65.2020.4.01.0000, relator Desembargador Federal Jamil Rosa de Jesus Oliveira, 6T, PJe 08/03/2023);12. Na espécie, o atraso na entrega do imóvel superou 38 (trinta e oito) meses, gerando diversos prejuízos suportados pela parte autora, razão pela qual é cabível a indenização por danos morais decorrentes da expectativa frustrada em adquirir o imóvel a tempo e modo pactuados. Precedentes: (AC 0011415-27.2015.4.01.3900, DESEMBARGADOR FEDERAL DANIEL PAES RIBEIRO, TRF1 – SEXTA TURMA, e-DJF1 26/05/2022); 13. Honorários de sucumbência fixados no importe de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, considerando a natureza da matéria discutida e as partes envolvidas, na forma prevista no art. 85, §2º, do CPC/2015; 14. Apelação da parte autora parcialmente provida. Apelações dos réus a que se nega provimento.
Processo: 0015487-77.2016.4.01.3300