Violência policial para obtenção de flagrante leva Sexta Turma a absolver réu e a comunicar MP e PM do Rio

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) restabeleceu a sentença que havia absolvido um réu da acusação de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, em razão do reconhecimento da nulidade do flagrante obtido por policiais militares do Rio de Janeiro. Na abordagem, os agentes da Polícia Militar teriam utilizado violência desnecessária contra o acusado, que não ofereceu resistência.

Além de conceder o habeas corpus, o colegiado determinou a remessa da decisão ao Ministério Público do Rio de Janeiro e à Corregedoria da Polícia Militar do estado, para que sejam tomadas as providências cabíveis.

“Fechar os olhos para a mácula decorrente do desrespeito à integridade física do acusado, na ocasião do flagrante que culminou com a instauração de ação penal contaminada, vai contra o sistema acusatório e os princípios do Estado Democrático de Direito, que considera a referida garantia de fundamentalidade formal e material”, afirmou o relator do habeas corpus, ministro Sebastião Reis Júnior.

De acordo com o processo, um dos policiais disse que, durante patrulhamento, avistou um homem que estaria segurando uma arma de fogo. Ao perceber a chegada da polícia, ele teria jogado a arma no chão e se rendido. Por seu turno, o acusado afirmou que, mesmo sem oferecer resistência, foi agredido por um dos agentes com um chute no rosto. O exame de corpo de delito comprovou os ferimentos. Ele negou que estivesse com a arma.

Prova do delito foi contaminada, por estar diretamente ligada ao flagrante nulo

Após a absolvição em primeiro grau, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) reformou a sentença por entender que a atuação da polícia seria irrelevante para afastar a condenação pelo porte ilegal de arma de fogo.

O ministro Sebastião Reis Júnior apontou que, conforme as informações do processo, a busca pessoal foi realizada com agressão desnecessária ao acusado, que não ofereceu resistência durante a abordagem policial. Segundo ele, há, no caso, uma sentença que absolveu o réu com base na nulidade das provas, tendo em vista a agressão durante a busca pessoal, e um acórdão de segunda instância que, desprezando essa circunstância da agressão, optou pela condenação.

Para o relator, o TJRJ só poderia afastar a sentença absolutória – fundamentada na nulidade do flagrante – caso tivesse chegado a uma conclusão em sentido contrário, mas não foi esse o caso. O ministro ressaltou que, segundo a juíza de primeiro grau, a prova do delito de porte ilegal de arma de fogo está “umbilicalmente ligada” ao flagrante nulo, sendo que o testemunho do policial que cometeu a agressão foi o único elemento de prova do crime imputado ao réu.

“Não se pode negar que os elementos de informação relativos ao crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido encontram-se contaminados pela nulidade decorrente da agressão, constatada por meio de laudo de exame de integridade física, elementos esses que justificaram a deflagração da ação penal contra o paciente, sendo, portanto, nula a ação penal em decorrência da contaminação”, concluiu o ministro ao restabelecer a sentença.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. PRETENSÃO DE RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA QUE ABSOLVEU O PACIENTE. RECONHECIMENTO DE NULIDADE DECORRENTE DA AGRESSÃO SOFRIDA PELO ACUSADO QUANDO DA PRISÃO EM FLAGRANTE, ATESTADA EM LAUDO DE EXAME DE INTEGRIDADE FÍSICA. CONDENAÇÃO IMPOSTA PELO TRIBUNAL. AGRESSÃO INCONTROVERSA NOS AUTOS EM FACE DO RECONHECIMENTO PELO PRÓPRIO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. CONDENAÇÃO EM SEGUNDO GRAU QUE SÓ SERIA POSSÍVEL MEDIANTE A DESCONSTITUIÇÃO DA CONCLUSÃO DO JUÍZO PRIMEVO. ACÓRDÃO QUE IGNORA A GRAVIDADE DA SITUAÇÃO E A NULIDADE OCORRIDA, DECIDINDO PELA CONDENAÇÃO COM BASE NO FLAGRANTE ILEGAL. AÇÃO PENAL CONTAMINADA PELA NULIDADE DECORRENTE DOS ELEMENTOS DE INFORMAÇÃO OBTIDOS MEDIANTE AGRESSÃO POLICIAL. INVIABILIDADE DE CHANCELAR A MÁCULA PARA JUSTIFICAR A CONDENAÇÃO EM UM ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. RESPEITO À INTEGRIDADE FÍSICA DO FLAGRANTEADO. GARANTIA FUNDAMENTAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.

  1. Hipótese na qual existe uma sentença que absolveu o paciente com base na nulidade das provas que ensejaram a deflagração da ação penal, tendo em vista a agressão realizada pelos policiais que realizaram a busca pessoal, constatada por meio de laudo de exame de integridade física, e um acórdão que, desprezando a referida mácula, entendeu por imperiosa a condenação.

  2. Estando incontroverso nos autos que a busca pessoal ocorreu mediante agressão desnecessária ao acusado, uma vez que não há relato algum de resistência por parte deste, o acórdão só poderia afastar o decreto absolutório, fundamentado na nulidade, caso alcançasse conclusão em sentido contrário, o que não é a situação dos autos, em que o Tribunal reconheceu que a mácula seria irrelevante para afastar a condenação pela prática do crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido.

  3. Conforme inclusive ressaltou a Magistrada singular na sentença absolutória, estando a prova do delito de porte ilegal de arma umbilicalmente ligada ao flagrante eivado de nulidade em decorrência da violência policial realizada, sendo o testemunho do policial que realizou as agressões o único meio de prova do crime imputado, inviável a imposição da condenação.

  4. Impossível negar que os elementos de informação relativos ao crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido se encontram contaminados pela nulidade decorrente da agressão constatada por meio de exame de integridade física, elementos estes que justificaram a deflagração da ação penal contra o paciente, sendo, portanto, nula a ação penal em decorrência da contaminação.

  5. Fechar os olhos para a mácula decorrente do desrespeito à integridade física do acusado, na ocasião do flagrante que culminou com a instauração de ação penal contaminada, vai contra o sistema acusatório e os princípios decorrentes do Estado Democrático de Direito, que considera a referida garantia de fundamentalidade formal e material.

  6. Ordem concedida para reconhecer a nulidade do flagrante do crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, bem como dos elementos de informação dali decorrentes, restabelecendo a sentença no ponto em que absolveu o paciente do referido crime. Cópias do presente acórdão deverão ser encaminhadas ao Ministério Público do Rio de Janeiro, bem como à Corregedoria da Polícia Militar estadual, a fim de que sejam tomadas as providências cabíveis

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): HC 741270

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