TRF3 determina pagamento de pensão especial e indenização para vítima da talidomida

Mulher sofre de malformações auriculares e surdez pelo uso do medicamento pela mãe durante a gestação 

A Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) manteve sentença que determinou ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a concessão de pensão especial a uma mulher, em razão de deficiência física causada pela Síndrome da Talidomida. Além disso, a União foi condenada a arcar com a indenização por danos morais à vítima.

Os magistrados consideraram que a autora tem direito de acumular a pensão especial com o benefício assistencial. O laudo pericial constatou que a mulher padece de malformações auriculares e surdez, consequência do uso da Talidomida.

A Talidomida, distribuída nas décadas de 1950 e 1960, foi um medicamento utilizado em diversos países e posteriormente comprovado que era capaz de causar danos ao feto em formação. No Brasil, a cassação dos remédios foi formalizada somente em 1964, quando os seus efeitos já se mostravam presentes em uma geração de crianças nascidas com malformações.

A 4ª Vara Federal de Ribeirão Preto/SP havia julgado procedente os pedidos para o pagamento da compensação por dano moral previsto na Lei 12.190/2010 e para a concessão de pensão especial prevista na Lei 7.070/82, além de poder acumular com o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Em recurso ao TRF3, o INSS requereu o efeito suspensivo da decisão e alegou que a autora não preenchia os requisitos para concessão do benefício. A União alegou a prescrição quinquenal, a inexistência de responsabilidade objetiva e de nexo de causalidade em indenizar a autora.

Ao analisar o caso, o relator do processo, desembargador federal Paulo Sérgio Domingues, informou que a indenização por danos morais é prevista aos portadores da Síndrome de Talidomida como forma complementar ao direito à pensão especial. “Nada impede, entretanto, que os benefícios sejam pleiteados e reconhecidos na mesma ação judicial, posto que exigem os mesmos requisitos para concessão”, afirmou.

O magistrado ressaltou que, embora inexista comprovação do uso efetivo do medicamento pela genitora da autora, o exame clínico é suficiente como forma de diagnosticar a Síndrome de Talidomida. “A perícia foi realizada por médico geneticista, as deformidades relatadas foram fotografadas e constam dos autos e, além disso, a relação de causa e efeito vem a ser corroborada, se considerarmos que, no período da gravidez da genitora da requerente, a Talidomida ainda se encontrava em circulação”, ressaltou.

Paulo Sérgio Domingues concluiu que ficou evidente o nexo de causalidade entre a deficiência física e o uso do medicamento, o que justificaria o pagamento da indenização por dano moral e da pensão especial.

Assim, a Sexta Turma, por unanimidade, manteve a condenação da União para o pagamento de indenização por danos morais e determinou ao INSS conceder a pensão especial, sem prejuízo do recebimento do BPC.

O recurso ficou assim ementado:

DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. USO DE TALIDOMIDA PELA GENITORA DA PARTE AUTORA DURANTE A GRAVIDEZ. RESPONSABILIDADE CIVIL CONFIGURADA. PENSÃO ESPECIAL. DANOS MORAIS DEVIDOS. CUMULAÇÃO COM BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO.

– Inobstante a inexistência de litisconsórcio passivo necessário entre a União e o INSS, nos processos em que se discute a indenização às vítimas da Talidomida, a inclusão da União Federal, no caso, determinada pelo Juízo a quo, não representa qualquer prejuízo às partes, posto que embora a responsabilidade pela operacionalização do pagamento seja da autarquia federal, os recursos provêm dos cofres da União.

– A Talidomida, fármaco distribuído nas décadas de 1950 e 1960, foi um medicamento utilizado em diversos países, no entanto, conforme posteriormente comprovado, era capaz de causar danos ao feto em formação. O uso do medicamento por gestantes poderia acarretar diversas deformidades físicas às crianças, tais como: braços pequenos, falta de mão, dedos, orelha, etc.

– A característica marcante da “Síndrome da Talidomida” é a bilateralidade e simetria dos danos físicos, ainda que nem sempre assim se suceda, podem também, afetar a visão, audição e até mesmo órgãos internos.

– No Brasil, a licença dos medicamentos contendo a Talidomida, foram cassadas apenas no final de 1962, ato formalizado somente em 06/1964, quando os efeitos de sua livre prescrição, já se mostrava presente através de uma geração de crianças nascidas com malformação.

– O reconhecimento dos efeitos da livre prescrição desse medicamento e da responsabilidade estatal se deu por meio da Lei 7.070/82, que reconheceu o direito à pensão especial para os afetados pela chamada “Síndrome da Talidomida”.

– Para concessão do benefício é necessário ser portador da “Síndrome da Talidomida” e apresentar incapacidade, ainda que parcial, para o trabalho, para a deambulação, para a higiene pessoal e para a própria alimentação. O benefício será devido a partir da entrada do pedido de pagamento junto ao INSS (art.1º e § 2º da Lei nº 7.070/82).

– A indenização por danos morais estabelecida na Lei nº 12.190/2010 é prevista aos portadores da Síndrome de Talidomida de forma complementar ao direito à pensão especial.

– A lei em questão está regulamentada pelo Decreto nº 7.235/2010 e prevê, dentre outros, a necessidade do prévio reconhecimento do direito à pensão especial como condição para o pagamento da indenização por dano moral.

– Nada impede, entretanto, que ambos os benefícios (pensão especial e indenização por danos morais) sejam pleiteados e reconhecidos na mesma ação judicial, posto que exigem os mesmos requisitos para concessão. Apenas o pagamento da indenização ocorrerá após o trânsito em julgado da ação judicial que determinou a concessão da pensão.

– O laudo pericial constatou que a autora padece de malformações auriculares e surdez, quadro compatível com o uso da talidomida.

– O laudo pericial complementar que apurou o grau de dependência decorrente da deformidade em 5 pontos, realizado após a prolação da sentença, não tem o condão de influenciar no julgamento do mérito da ação, pode ser realizado em qualquer fase do processo, e importa apenas no cálculo da indenização, de modo que não há se falar em preclusão.

– A despeito de a Talidomida não ser livremente comercializada no Brasil já há algumas décadas, ainda que conhecidos os efeitos teratogênicos por ele causados, quando consumidos por gestantes, o medicamento continuou a ser distribuído, inclusive na rede pública, para tratamento de estados reacionais da hanseníase.

– Embora inexista elementos nos autos que comprovem o uso efetivo da Talidomida pela genitora da demandante durante a gestação, há que se considerar a suficiência do exame clínico como forma de diagnosticar a Síndrome de Talidomida. Ainda que se argumente que o juiz não se encontra vinculado ao laudo pericial, não há no conjunto probatório elementos capazes de elidir as conclusões nele contidas. A perícia foi realizada por médico geneticista, as deformidades relatadas foram fotografadas e constam dos autos e, além disso, a relação de causa e efeito vem a ser corroborada se considerarmos que, no período da gravidez da genitora da requerente, a Talidomida ainda se encontrava em circulação.

– Comprovado o nexo de causalidade entre a deficiência física e o uso do medicamento, a justificar o pagamento da indenização por dano moral (Lei nº 12.190/2010) e pensão especial (Lei n. 7.070/82).

– Em se tratando de prestação de trato sucessivo, como é o caso do pagamento da pensão especial concedida aos portadores da Síndrome da Talidomida, não ocorre a prescrição do fundo de direito, mas apenas a prescrição das parcelas anteriores aos cinco anos do ajuizamento da ação, à luz do art. 3º do Decreto nº 20.910/32.

– O termo inicial deve ser arbitrado à data do requerimento administrativo, em 03/07/2006, conforme dispõe o art. 1º da Lei n. 7.070/1982, observada a prescrição quinquenal.

– Embora o benefício de prestação continuada (LOAS) tenha natureza assistencial e seja inacumulável com qualquer benefício de outro regime, o § 4º, do artigo 20, da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei n. 12.435/2011, ressalva a possibilidade de cumulação com a pensão especial de natureza indenizatória e assistência médica.

– Diante da expressa previsão legal, a pensão especial poderá ser paga concomitantemente ao benefício assistencial.

– As parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta.

– Verbas honorárias fixados em observância aos critérios estabelecidos pelo art. 85, §§s 1º e 2º, do CPC, consoante apreciação equitativa e atentando-se, ainda, às normas contidas no §§s 3º e 4º, nas causas em que a Fazenda Pública for parte.

– Reexame conhecido e não provido. Apelação da União Federal não provida. Apelação do INSS provida em parte.

Apelação Cível 0000208-35.2013.4.03.6102

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