Transferência do processo para a Justiça Federal não anula provas produzidas anteriormente

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) negou provimento ao Habeas Corpus (HC) impetrado pela defesa de Anderson Roberto Farias Bones, um dos denunciados pelo homicídio do médico Marco Antônio Becker, ocorrido em Porto Alegre em dezembro de 2008. O caso, que vinha sendo julgado pela Justiça Estadual gaúcha, teve a competência transferida para a Justiça Federal. O HC requisitava a anulação de todos os elementos de prova produzidos no Juízo de origem e o trancamento da ação penal em relação a esse réu. A decisão foi proferida por unanimidade pela 8ª Turma em sessão de julgamento realizada no final de janeiro (23/1).

A ação tramita atualmente no primeiro grau da Justiça Federal do Rio Grande do Sul (JFRS), na 11ª Vara Federal da capital gaúcha.

O caso, originalmente, tramitou perante a Justiça Estadual. No entanto, um conflito de competência foi suscitado pela defesa de um dos réus e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, em agosto de 2012, que a competência para o julgamento do crime é da Justiça Federal.

O STJ baseou a decisão na alegação de que o homicídio teria sido motivado pela atuação da vítima na vice-presidência do Conselho Regional de Medicina do RS (Cremers) e a sua suposta influência no Conselho Federal de Medicina.

O tribunal superior determinou a anulação do processo no Judiciário estadual, mas com o aproveitamento dos atos não decisórios que já haviam sido praticados e do acervo probatório já produzido, e o encaminhamento dos autos para o Judiciário federal.

Dessa forma, em dezembro de 2013, a JFRS recebeu a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), que acusou oito pessoas, sendo que seis homens por envolvimento direto no homicídio de Becker e outros dois por prestar falso testemunho nas investigações do crime.

No HC, a defesa de Bones sustentou a existência de constrangimento ilegal, pois a decisão judicial que recebeu a denúncia aproveitou elementos de prova, como interceptações telefônicas e quebras de sigilo telefônico, além de objetos apreendidos em buscas domiciliares. Para os advogados, tais provas decorreram de atos decisórios do Juízo estadual e não poderiam ter sido aproveitados pela JFRS, gerando nulidade absoluta do processo.

Em setembro passado, o relator do caso no TRF4, desembargador federal Leandro Paulsen, já havia negado provimento, de forma liminar, ao HC. No dia 23 de janeiro, a 8ª Turma, de forma unânime, ao realizar o julgamento do mérito dos pedidos, denegou a ordem.

Segundo Paulsen “a utilização da via do habeas corpus para trancamento da ação penal constitui instrumento apto a debelar situações absolutamente excepcionais. Por conseguinte, apenas se a parte impetrante lograr êxito em demonstrar, por intermédio de prova pré-constituída, incompetência absoluta, causa extintiva de punibilidade ou a atipicidade da conduta é que o Juízo deverá intervir na persecução criminal – hipótese não caracterizada na espécie, revelando-se prematuro o trancamento da ação penal”.

O relator ressaltou que o fato de ter sido declinada, posteriormente, a competência do Juízo estadual para o federal “não invalida a prova colhida na fase policial, pois, repita-se, até aquele momento, o Juízo estadual detinha o poder jurisdicional para decidir sobre a quebra do sigilo telefônico, máxime quando a medida é determinada em sede de investigação criminal, antes do início da ação penal, quando não há certeza acerca da competência”.

O desembargador ainda reiterou que o primeiro grau da Justiça Federal gaúcha, ao acolher a determinação do STJ, “decidiu expressamente pelo aproveitamento do acervo probatório produzido no inquérito e na ação penal, o que corresponde à ratificação das decisões que lhe deram suporte”.

O crime

No dia 4 de dezembro de 2008, enquanto estava dentro do seu veículo, o médico Marco Antônio Becker foi atingido por tiros desferidos por dois homens em uma moto. Os disparos provocaram lesões corporais que o levaram à morte por hemorragia interna. O crime aconteceu na Rua Ramiro Barcelos, no bairro Floresta, em Porto Alegre, por volta das 22h18min.

A ação penal do caso encontra-se em tramitação na 11ª Vara Federal de Porto Alegre. De acordo com decisão do Juízo, publicada no dia 29 de janeiro deste ano, os acusados pelo homicídio serão julgados pelo tribunal do júri, ainda sem data para ocorrer.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO. AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. NULIDADE. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA. aproveitamento. acervo probatório. SENTENÇA DE PRONÚNCIA.

1. A utilização da via do habeas corpus para trancamento da ação penal constitui instrumento apto a debelar situações absolutamente excepcionais. Por conseguinte, apenas se a parte impetrante lograr êxito em demonstrar, por intermédio de prova pré-constituída, causa extintiva de punibilidade ou a atipicidade da conduta é que o Juízo deverá intervir na persecução criminal – hipótese não caracterizada na espécie, revelando-se prematuro o trancamento da ação penal.

2. Adequada a ratificação (ainda que tácita) e o aproveitamento expresso, pelo juízo competente, dos atos instrutórios, pois a modificação da competência não implica, por si só, a invalidação da prova, à época, regularmente produzida perante Juízo aparentemente competente, máxime quando a medida é determinada em sede de investigação criminal, antes do início da ação penal, quando não há certeza acerca da competência. Precedentes.

3. A decisão de pronúncia não encerra juízo de certeza, mas tão-somente aponta a materialidade do delito e os indícios suficientes de autoria, competindo ao Tribunal do Júri, juiz natural da causa, examinar plenamente os fatos.

Nº 5033322-44.2018.4.04.0000

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