Terceira Seção uniformiza entendimento sobre base de cálculo para remição de pena pelo estudo

A Terceira Seção, unificando o entendimento entre as turmas criminais do Superior Tribunal de Justiça (STJ), estabeleceu que a base de cálculo para a remição de pena pelo estudo, no caso de presos que estudam por conta própria e conseguem aprovação nos exames nacionais que certificam a conclusão do ensino fundamental e do ensino médio, deve ser, respectivamente, de 1.600 e 1.200 horas.

Para o colegiado, esses números, mencionados na Recomendação 44/2013 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), correspondem a 50% da carga horária definida legalmente para cada nível de ensino.

De acordo com a Lei de Execução Penal (artigo 126, parágrafo 1º, inciso I), pode ser descontado um dia de pena a cada 12 horas de frequência escolar. Para incentivar o estudo nos presídios, o normativo do CNJ sugere a possibilidade de remição mediante a aprovação no Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) ou no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Em seu artigo 1º, inciso IV, a recomendação considera, como base de cálculo para o cômputo das horas, 50% da carga horária anual definida legalmente para cada nível de ensino: 1.600 horas para os anos finais do fundamental e 1.200 horas para o ensino médio ou a educação profissional técnica de nível médio.

A Quinta e a Sexta Turmas divergiam quanto à interpretação do texto: se as 1.600/1.200 horas já equivaleriam a 50% da carga horária definida legalmente para cada nível ou se os 50% incidiriam sobre esses valores.

Duração mínima

O autor do voto que prevaleceu no julgamento, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, destacou que a Quinta Turma, ao analisar o HC 593.171, considerou que, quando a Recomendação 44/2013 menciona as cargas horárias, refere-se ao percentual de 50% daquelas definidas legalmente para cada nível de ensino.

Segundo o magistrado, no citado precedente, o relator, ministro Ribeiro Dantas, observou que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996) estabelece que a carga anual mínima para o ensino fundamental é de 800 horas, e considerou natural que ela seja menor no início e maior no fim. “Mesmo que esta lei seja primordialmente destinada a pessoas com até 17 anos, nada impede que seja também utilizada como critério interpretativo do ato normativo do CNJ, diante da sua dubiedade, por não haver outro método mais claro”, afirmou Dantas em seu voto.

Reynaldo Soares da Fonseca ressaltou ainda que o artigo 4º, i​nciso II, da Resolução 3/2010 do Conselho Nacional de Educação menciona que 1.600 horas equivalem apenas à duração mínima para os anos finais do ensino fundamental, permitindo, assim, uma carga horária superior.

Decisão reformada

No caso em análise na Terceira Seção, a Defensoria Pública de Santa Catarina impetrou habeas corpus para readequar a quantidade de dias remidos por um condenado, após a sua aprovação em todos os cinco campos de conhecimento avaliados no Encceja, o exame do ensino fundamental.

O juízo de primeiro grau – em decisão mantida pelo tribunal local – deferiu a remição de pena pela aprovação no exame, mas fixou a quantidade de 88 dias remidos. A compreensão adotada foi a de que o parâmetro de 50% da carga horária definida legalmente para o ensino fundamental (previsto na Recomendação 44/2013) corresponderia a 800 horas, o que resultaria no direito a 66 dias de remição da pena em caso de aprovação total no Encceja – cada área correspondendo a 13 dias de remição.

Para Reynaldo Soares da Fonseca, a base de cálculo (50% da carga horária definida legalmente para o ensino fundamental) é 1.600 horas, a qual, dividida por 12, resulta em 133 dias de remição em caso de aprovação em todos os campos de conhecimento do Encceja.

“Serão devidos, portanto, 26 dias de remição para cada uma das cinco áreas de conhecimento. Logo, como o paciente obteve aprovação integral, ou seja, nas cinco áreas de conhecimento, a remição deve corresponder a 133 dias, acrescidos de um ​terço, o que totaliza 177 dias remidos”, concluiu.

O recurso ficou assim ementado:

PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. 1. MANDAMUS    SUBSTITUTIVO DO RECURSO PRÓPRIO. DESVIRTUAMENTO DE GARANTIA CONSTITUCIONAL. 2. EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO DA PENA PELO ESTUDO. APROVAÇÃO NO EXAME NACIONAL PARA CERTIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIA DE JOVENS E ADULTOS –  ENCCEJA. RECOMENDAÇÃO 44/2013 DO CNJ. CÁLCULO DA CARGA HORÁRIA. 3. ARTS. 24, I, E  32 DA LEI 9.394/1996. ART. 4º, II, DA RES. 03/2010 DO CNE. INDICAÇÃO DE CARGAS MÍNIMAS. 4.  INTERPRETAÇÃO MAIS BENÉFICA. FUNDAMENTOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CIDADANIA E  DIGNIDADE. RESSOCIALIZAÇÃO. RESGATE DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA FRATERNIDADE. SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO. ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL: ADPF 347 MC / DF –  DISTRITO FEDERAL, RELATOR MINISTRO MARCO AURÉLIO, DJe-031 DIVULG 18-02-2016 PUBLIC 19-02-2016. PRECEDENTES DAS TURMAS QUE COMPÕEM A  TERCEIRA SEÇÃO. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO DE UM ÓRGÃO FRACIONÁRIO POR DECISÃO MAJORITÁRIA. AFETAÇÃO DO TEMA PARA DELIBERAÇÃO DAS TURMAS REUNIDAS. REAFIRMAÇÃO DA JUSRISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DA TERCEIRA SEÇÃO SOBRE O ASSUNTO. 5.  50% DA CARGA HORÁRIA. PATAMAR EQUIVALENTE A 1.600 HORAS. REMIÇÃO DE 133 DIAS. 26 DIAS PARA CADA ÁREA DO CONHECIMENTO.  6.  HABEAS CORPUS  NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

  1. Diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, o Superior Tribunal de Justiça passou a  acompanhar a  orientação do Supremo Tribunal Federal, no sentido de ser inadmissível o  emprego do writ como sucedâneo de recurso ou revisão criminal, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, sem olvidar a  possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
  2. A controvérsia diz respeito à remição da pena no patamar de 50% da carga horária definida legalmente para o ensino fundamental, em virtude da aprovação no ENCCEJA. Questiona-se se as 1.200/1.600h dispostas na Recomendação n. 44/2013 do CNJ já equivalem aos 50% da carga horária definida legalmente para cada nível de ensino ou se os 50% incidirão sobre essas 1.200/1.600h.
  3. Com o intuito de “fechar esse espaço deixado pelo CNJ” fez-se uso da LDB, na qual consta que a carga anual mínima para o ensino fundamental é de 800 horas, sendo natural que ela seja menor no início e  maior no final. Relevante consignar, ademais, que o  art. 4º, II, da Res. 03/2010 do CNE, não impede esta interpretação. Pelo contrário, a  referida norma menciona que 1600 horas equivalem apenas à duração mínima para os anos finais do Ensino Fundamental.
  4. Nessa linha de intelecção, interpretar que as 1.600 horas mencionadas na Recomendação 44/2013 do CNJ correspondem a 50% da carga horária definida é justamente cumprir o  dispositivo, porquanto o CNE não estabeleceu 1600 horas anuais como o máximo possível. Essa particular forma de parametrar a interpretação da lei ”  é a que mais se aproxima da Constituição Federal, que faz da cidadania e da dignidade da pessoa humana dois de seus fundamentos (incisos II e III do art. 1º). Mais: Constituição que tem por objetivos fundamentais erradicar a  marginalização e  construir uma sociedade livre, justa e  solidária (incisos I  e  III do art. 3º). Tudo na perspectiva da construção do tipo ideal de sociedade que o  preâmbulo de nossa Constituição caracteriza como ‘fraterna’”. (HC 94163, Relator Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma do STF, julgado em 2/12/2008, DJe 22/10/2009 P. 23/10/2009). Sistema penitenciário Brasileiro. Estado de Coisas inconstitucional. ADPF 347 MC / DF –  DISTRITO FEDERAL, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, DJe-031 DIVULG 18-02-2016 PUBLIC 19-02-2016.

–  A propósito, recorde-se: a norma do art. 126 da LEP, ao possibilitar a abreviação da pena, tem por objetivo a ressocialização do condenado, sendo possível o uso da analogia in bonam partem, que admita o benefício em comento (REsp n. 744.032/SP, Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJe 5/6/2006).

–  PRECEDENTES DO STJ: AgRg no HC 643.709/SC, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 23/02/2021, DJe 26/02/2021; AgRg no HC 631.550/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 09/02/2021, DJe 11/02/2021; AgRg no HC 533.513/SC, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 19/05/2020, DJe 27/05/2020; HC 541.321/SC, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 10/12/2019, DJe 17/12/2019; AgRg no HC 522.090/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 10/12/2019, DJe 12/12/2019, entre outros.

– Decisões do STF que recomendam a manutenção da diretriz do STJ pelo menos   até decisão plenária do STF sobre o tema: RHC 190155 / SC –  SANTA CATARINA, Relator(a): Min. GILMAR MENDES,   DJe-241 DIVULG 01/10/2020 PUBLIC 02/10/2020 e RHC 165084 / SC –  SANTA CATARINA, Relator(a): Min. GILMAR MENDES,  DJe-105 DIVULG 20/05/2019 PUBLIC 21/05/2019.

  1. Assim, a base de cálculo de 50% da carga horária definida legalmente para o ensino fundamental deve ser considerada 1.600 horas, a  qual, dividida por doze, resulta em 133 dias de remição em caso de aprovação em todos os campos de conhecimento do ENCCEJA. Serão devidos, portanto, 26 dias de remição para cada uma das cinco áreas de conhecimento. Logo, como o paciente obteve aprovação integral, ou seja, nas cinco áreas de conhecimento, a remição deve corresponder a 133 dias, acrescido de 1/3, que totaliza 177 dias remidos.

  2. Não conhecimento do mandamus. Porém, concedida a ordem de ofício para reconhecer o direito do paciente à remição de 133 dias de pena, com o acréscimo de 1/3, totalizando 177 dias, considerando sua aprovação em todas as áreas de conhecimento do ENCCEJA.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): HC 602425

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