A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, reconheceu o prejuízo de réu preso que, por falha do Estado, não pôde comparecer à audiência de inquirição de testemunhas arroladas pelo Ministério Público. Segundo o colegiado, não se pode admitir que o Estado seja ineficiente no cumprimento de suas obrigações mínimas, como transportar o preso para a audiência previamente marcada.
Ao negar provimento ao recurso especial do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS), a turma observou que o réu, processado por furtar uma bicicleta, tinha o direito de estar presente e de participar dos atos de instrução processual, para exercer sua defesa em juízo.
De acordo com os autos, o juízo processante requisitou a presença do réu, preso preventivamente por outra acusação, à Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), para que ele participasse da audiência de instrução e julgamento na data marcada. A Susepe, porém, informou que não poderia fazer o transporte do réu. Na audiência, foram ouvidas duas testemunhas da acusação, e o acusado foi representado por defensor dativo.
Para o MP, ausência do réu na audiência seria nulidade relativa
Na sentença que condenou o réu, o juiz entendeu que a audiência de inquirição de testemunhas não deveria ser anulada, pois não teria havido prejuízo ao acusado, uma vez que seu defensor esteva presente, o que lhe teria assegurado o contraditório e a ampla defesa. No entanto, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) anulou o processo a partir da data da audiência.
No recurso ao STJ, o MPRS sustentou que a ausência do acusado na audiência de instrução seria nulidade relativa, que exige, para o seu reconhecimento, a demonstração de prejuízo à defesa.
Pedir que a defesa detalhe prejuízo é exigir “prova diabólica“
O relator do recurso, ministro Sebastião Reis Júnior, observou que o réu tem o direito de acompanhar a coleta de provas na ação penal e que a ocorrência da oitiva de testemunhas sem a sua presença viola os princípios da autodefesa e da ampla defesa.
O magistrado destacou que, no caso em análise, a ausência do réu na audiência de inquirição de testemunhas não pode ser imputada ao acusado, pois o transporte de presos era da responsabilidade exclusiva do Estado.
O ministro endossou o entendimento do TJRS segundo o qual a ausência do acusado, em razão da desídia estatal, não é motivo idôneo para relativizar as suas garantias e configura nulidade insanável.
“É evidente o prejuízo do réu que, por falha do Estado, tem cerceado o seu direito de comparecer ao depoimento das testemunhas arroladas pelo órgão acusador, ocasião em que foi representado por um advogado dativo com quem nunca tivera contato. Exigir que a defesa indique os detalhes de um prejuízo é exigir a chamada ‘prova diabólica‘, tendo em vista que não há como a parte provar como o processo seguiria caso estivesse presente na audiência”, concluiu o ministro ao negar provimento ao recurso especial.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. FURTO. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 563, 564, IV, 565 E 571, VIII, TODOS DO CPP. PLEITO DE DECOTE DA NULIDADE ABSOLUTA RECONHECIDA PELA CORTE DE ORIGEM. AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO PARA INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS. AUSÊNCIA DO RÉU PRESO. DEFENSOR DATIVO SEM CONTATO PRÉVIO COM O ACUSADO, PORTANTO, SEM CONHECIMENTO DOS FATOS. PREJUÍZO DEMONSTRADO. MANUTENÇÃO DOS TERMOS DO ACÓRDÃO QUE SE IMPÕE.
1. O Tribunal de origem dispôs que é direito do réu acompanhar a coleta de provas na ação penal movida contra si. […] A ausência do acusado em razão da desídia estatal, aqui consubstanciada na não-condução do preso requisitado à audiência de instrução pela SUSEPE, não é motivo idôneo para relativizar a garantia do acusado e configura nulidade insanável. […] No caso em análise, em que pese manifestação contrária do defensor dativo, entendeu a magistrada na realização da oitiva dos milicianos sem a presença do réu, o que a meu ver, acarreta prejuízo concreto por violação aos princípios da autodefesa e da ampla defesa, dada a impossibilidade de contato e entrevista prévia com o acusado antes da solenidade. […] Não há dúvida que a ausência de contato prévio entre o recorrente e seu defensor inviabilizou que este tomasse conhecimento da versão do acusado e formulasse a defesa de forma adequada durante a audiência em que ouvidos os policiais. […] Logo, tratando-se de nulidade absoluta insanável, que pode ser reconhecida e declarada a qualquer tempo, e estando inequivocamente demonstrado o prejuízo ao réu, é de ser declarada nula a audiência datada de 07.02.2017.
2. Diante da responsabilidade exclusiva do Estado, a ausência do recorrido na audiência de inquirição de testemunhas, ante a impossibilidade de transporte de presos, não lhe pode ser imputada.
Com efeito, não se pode permitir que o Estado seja ineficiente em cumprir com suas obrigações mínimas, como disponibilizar o recorrido para a audiência previamente marcada.
3. É evidente o prejuízo do réu que, por falha no estado, tem cerceado o seu direito de comparecer ao depoimento das testemunhas arroladas pelo órgão acusador, ocasião onde foi representado por um advogado dativo com quem nunca tivera contato. Exigir que a defesa indique desde já os detalhes de um prejuízo é exigir a chamada “prova diabólica”, tendo em vista que não há como a parte provar como o processo seguiria, caso estivesse presente na audiência.
4. A informação de que a ausência de contato prévio entre o recorrente e seu defensor inviabilizou que este tomasse conhecimento da versão do acusado e formulasse a defesa de forma adequada durante a audiência em que ouvidos os policiais, revela que ele não possuía conhecimento dos fatos, não podendo fazer nada numa audiência desta natureza, denotando, mais uma vez, o efetivo prejuízo sofrido pelo recorrido.
5. Recurso especial desprovido.