Em decisão unânime que alterou sua jurisprudência, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou a tese de que o réu terá direito à diminuição da pena pela confissão sempre que houver admitido a autoria do crime perante a autoridade, como prevê o artigo 65, inciso III, “d”, do Código Penal – independentemente de a confissão ser usada pelo juiz como um dos fundamentos da condenação, e mesmo que seja ela parcial, qualificada, extrajudicial ou retratada.
Com a nova orientação, o colegiado negou provimento ao recurso especial em que o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) sustentava que um homem condenado por roubo não teria direito à atenuação de pena concedida pelo tribunal de origem, pois o juiz não considerou sua confissão na sentença.
O MPSC baseou seu entendimento na Súmula 545 do STJ, a qual dispõe que o réu fará jus à atenuante quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador; portanto, para o órgão de acusação, se a confissão não é utilizada pelo juiz, o réu não tem esse direito.
O ministro Ribeiro Dantas, relator do recurso, afirmou que viola o princípio da legalidade condicionar a redução da pena à citação expressa da confissão na sentença, como razão decisória, principalmente porque o direito concedido ao réu sem ressalvas na lei não pode ficar sujeito ao arbítrio do julgador.
Segundo o Código Penal, a confissão sempre atenua a pena
O relator observou que, embora alguns julgados do STJ tenham adotado a posição defendida pelo MPSC, eles não têm amparo em nenhum dos precedentes geradores da Súmula 545, os quais não ordenaram a exclusão da atenuante quando a confissão não for empregada na motivação da sentença. “Até porque esse tema não foi apreciado quando da formação do enunciado sumular”, disse o ministro.
Ribeiro Dantas destacou que o artigo 65, inciso III, “d”, do Código Penal estabeleceu que a confissão é uma das circunstâncias que “sempre atenuam a pena”, de modo que o direito subjetivo à diminuição surge no momento em que o réu confessa (momento constitutivo), e não quando o juiz cita sua confissão na sentença condenatória (momento meramente declaratório).
De acordo com o ministro, a súmula buscou ampliar essa garantia de atenuação em casos de confissão parcial ou mesmo de retratação da confissão – que anteriormente eram controversos –, motivo pelo qual é incabível a interpretação sugerida pelo MPSC, que impõe uma condição não prevista no texto legal.
Atenuante da confissão é diferente de delação premiada
Ao contrário da colaboração e da delação premiadas, observou o relator, a atenuante da confissão não se fundamenta nos efeitos ou facilidades que a admissão dos fatos pelo réu eventualmente traga para a investigação do crime, mas, sim, no senso de responsabilidade pessoal do acusado – a única pessoa que pode decidir sobre a confissão.
Segundo Dantas, o legislador, se quisesse, “poderia, tranquilamente, limitar a atenuação da pena aos casos em que a confissão gerasse um ganho prático à apuração do crime, como fez nos casos de colaboração e delação premiadas”.
Juiz não pode desconsiderar a confissão
Sobre a eventual existência de outras provas da culpa do acusado ou mesmo sobre a hipótese de prisão em flagrante, o ministro considerou que tais circunstâncias não autorizam o julgador a recusar a atenuação da pena, especialmente porque a confissão, por ser espécie única de prova, corrobora objetivamente as demais.
No entender do relator, é contraditório que o Estado quebre a confiança depositada pelo acusado na lei penal, ao garantir a atenuação da pena, estimulando-o a confessar, para depois desconsiderar esse ato no processo judicial. Afinal, a decisão pela confissão é ponderada pelo réu a partir do confronto entre a diminuição de suas chances de absolvição e a expectativa de redução da reprimenda, apontou.
“Por tudo isso, o réu fará jus à atenuante do artigo 65, inciso III, ‘d’, do CP quando houver admitido a autoria do crime perante a autoridade, independentemente de a confissão ser utilizada pelo juiz como um dos fundamentos da sentença condenatória”, concluiu o ministro.
O recurso ficou assim ementado:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ROUBO. INTERPRETAÇÃO DA SÚMULA 545⁄STJ. PRETENDIDO AFASTAMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO, QUANDO NÃO UTILIZADA PARA FUNDAMENTAR A SENTENÇA CONDENATÓRIA. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, ISONOMIA E INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. INTERPRETAÇÃO DO ART. 65, III, “D”, DO CP. PROTEÇÃO DA CONFIANÇA (VERTRAUENSSCHUTZ) QUE O RÉU, DE BOA-FÉ, DEPOSITA NO SISTEMA JURÍDICO AO OPTAR PELA CONFISSÃO. PROPOSTA DE ALTERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.1. O Ministério Público, neste recurso especial, sugere uma interpretação a contrario sensu da Súmula 545⁄STJ para concluir que, quando a confissão não for utilizada como um dos fundamentos da sentença condenatória, o réu, mesmo tendo confessado, não fará jus à atenuante respectiva.2. Tal compreensão, embora esteja presente em alguns julgados recentes desta Corte Superior, não encontra amparo em nenhum dos precedentes geradores da Súmula 545⁄STJ. Estes precedentes instituíram para o réu a garantia de que a atenuante incide mesmo nos casos de confissão qualificada, parcial, extrajudicial, retratada, etc. Nenhum deles, porém, ordenou a exclusão da atenuante quando a confissão não for empregada na motivação da sentença, até porque esse tema não foi apreciado quando da formação do enunciado sumular.3. O art. 65, III, “d”, do CP não exige, para sua incidência, que a confissão do réu tenha sido empregada na sentença como uma das razões da condenação. Com efeito, o direito subjetivo à atenuação da pena surge quando o réu confessa (momento constitutivo), e não quando o juiz cita sua confissão na fundamentação da sentença condenatória (momento meramente declaratório).4. Viola o princípio da legalidade condicionar a atenuação da pena à citação expressa da confissão na sentença como razão decisória, mormente porque o direito subjetivo e preexistente do réu não pode ficar disponível ao arbítrio do julgador.5. Essa restrição ofende também os princípios da isonomia e da individualização da pena, por permitir que réus em situações processuais idênticas recebam respostas divergentes do Judiciário, caso a sentença condenatória de um deles elenque a confissão como um dos pilares da condenação e a outra não o faça.6. Ao contrário da colaboração e da delação premiadas, a atenuante da confissão não se fundamenta nos efeitos ou facilidades que a admissão dos fatos pelo réu eventualmente traga para a apuração do crime (dimensão prática), mas sim no senso de responsabilidade pessoal do acusado, que é característica de sua personalidade, na forma do art. 67 do CP (dimensão psíquico-moral).7. Consequentemente, a existência de outras provas da culpabilidade do acusado, e mesmo eventual prisão em flagrante, não autorizam o julgador a recusar a atenuação da pena, em especial porque a confissão, enquanto espécie sui generis de prova, corrobora objetivamente as demais.8. O sistema jurídico precisa proteger a confiança depositada de boa-fé pelo acusado na legislação penal, tutelando sua expectativa legítima e induzida pela própria lei quanto à atenuação da pena. A decisão pela confissão, afinal, é ponderada pelo réu considerando o trade-off entre a diminuição de suas chances de absolvição e a expectativa de redução da reprimenda.9. É contraditória e viola a boa-fé objetiva a postura do Estado em garantir a atenuação da pena pela confissão, na via legislativa, a fim de estimular que acusados confessem; para depois desconsiderá-la no processo judicial, valendo-se de requisitos não previstos em lei.10. Por tudo isso, o réu fará jus à atenuante do art. 65, III, “d”, do CP quando houver confessado a autoria do crime perante a autoridade, independentemente de a confissão ser utilizada pelo juiz como um dos fundamentos da sentença condenatória.11. Recurso especial desprovido, com a adoção da seguinte tese: “o réu fará jus à atenuante do art. 65, III, ‘d’, do CP quando houver admitido a autoria do crime perante a autoridade, independentemente de a confissão ser utilizada pelo juiz como um dos fundamentos da sentença condenatória, e mesmo que seja ela parcial, qualificada, extrajudicial ou retratada”.
Leia o acórdão no REsp 1.972.098.