De forma a conferir efetividade à norma inserta no art. 40, II, da Lei 10.741/2003, deve ser garantido ao idoso a possibilidade de adquirir os bilhetes de passagem com desconto assim que estiverem disponíveis ao público em geral ou, ao menos, com antecedência compatível com o planejamento que a viagem interestadual exige.
Com esse entendimento, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou provimento às apelações da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e da União contra a sentença do Juízo da 20ª Vara Federal do Distrito Federal que julgou parcialmente procedente o pedido para declarar a ilegalidade do parágrafo único do art. 4º do Decreto 5.934/2006, bem como do § 2º do ar. 3º da Resolução 1.592/2006 da ANTT, que estabelecem prazo de antecedência máxima para aquisição de passagens pelos idosos.
O relator, juiz federal convocado Emmanuel Mascena de Medeiros, ao analisar o caso, afirmou que o regulamento criou duas regras distintas, uma para as passagens do inciso I (do art. 40 da Lei 10.741/2003), e outra para as do inciso II.
O magistrado sustentou que a aquisição de passagens gratuitas está prevista no regulamento no qual determina que sejam adquiridas com, no mínimo, três horas de antecedência em relação ao início da viagem. Em relação à aquisição de passagens com desconto, a autoridade criou outro critério, determinando que tais passagens sejam adquiridas com, no máximo, seis ou doze horas de antecedência, dependendo da distância percorrida.
O relator destacou que a regulamentação para fruição das passagens gratuitas mostra razoável, visto que atende o interesse de todas as partes. Aos idosos, que podem usufruir do benefício com antecedência, permitindo que planejem sua viagem. Às empresas, pois permite que, em não havendo procura pela gratuidade, possam comercializar tais assentos.
Em sentido oposto, concluiu o relator, a exigência, para compra de passagens com desconto, de que sejam adquiridas com antecedência máxima de seis ou doze horas, fere completamente o princípio da razoabilidade. Diante disso, a limitação imposta pelo parágrafo único do art. 4º do Decreto 5.934/2006, bem como pelo § 2º do art. 3º da Resolução/ANTT 1.692/2006, implica em grave lesão à ordem pública, pois impede a concretização dos direitos e garantias previstos na Lei 10.741/2003.
O recurso ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IDOSO. TRANSPORTE RODOVIÁRIO INTERESTADUAL. ART. 40, II, DA LEI 10.741/2003. DESCONTO TARIFÁRIO. LIMITAÇÃO TEMPORAL MÁXIMA DE ANTECEDÊNCIA PARA O PLEITO DE DESCONTO. DECRETO N 5.934/2006 E RESOLUÇÃO/ANTT nº 1.692/2006 EIVADAS DE ILEGALIDADE. EXCESSO NA REGULAMENTAÇÃO. SENTENÇA CONFIRMADA.
1. Trata-se de ação civil pública, ajuizada pelo MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, em desfavor da AGENCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES – ANTT e UNIAO FEDERAL, tendo logrado sentença favorável que declara a ilegalidade do parágrafo único do art. 4º do Decreto nº 5.934/2006, bem como do § 2º do art. 3º da Resolução nº 1.692/2006 da ANTT, na parte em que exigem, para o gozo de passagens com desconto por idosos, que a aquisição do bilhete seja feita no máximo seis ou doze horas de antecedência da viagem, dependendo da distância percorrida.
2. Preliminarmente, não houve perda do objeto com relação à revogação do Decreto n. 5.934/06, tendo em vista a repetição da norma impugnada no Decreto n. 9.921/19, mais precisamente em seu art. 40 c/c com o inciso II do caput do art. 35.
3. O argumento central e comum das apelações é o de que esse tempo máximo de antecedência estabelecido nos indigitados atos infralegais teria relação com o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, nos termos dos estudos formulados pela agência reguladora. Todavia, quanto a esse ponto, tem razão o autor da ação coletiva (MPF) no sentido da predominância da proteção do idoso hipossuficiente em face do interesse econômico das empresas concessionárias, na linha do já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, que reconheceu a ilegalidade de outras normas do Decreto n. 5.943/06 e da Resolução n. 1.692/06 da ANTT: REsp1543465/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/12/2018,DJe04/02/2019.
4. Além disso, o art. 8º da citada resolução da ANTT já prevê a revisão da planilha tarifária para recomposição do equilíbrio econômico financeiro, no que concerne às vagas gratuitas destinadas aos idosos.
5. Assim, nada impede que, de igual forma, no que concerne às vagas com desconto de 50% para os idosos, a ANTT, após devidamente provocada pelas empresas concessionárias, recomponha o equilíbrio econômico-financeiro.
6. Ainda, o argumento de que a sentença fere os princípios da separação dos poderes e discricionariedade administrativa não merecem prevalecer.
7. Os atos normativos (regulamentos econômicos) expedidos pelos entes reguladores têm natureza de atos administrativos, não podendo modificar, suspender, suprimir ou revogar disposição legal, nem tampouco inovar na ordem jurídica. O poder normativo dos entes reguladores está limitado à complementação e à suplementação normativa da lei.
8. É recomendável que o Judiciário adote uma postura de ‘deferência administrativa’ somente quando as restrições sejam razoáveis, proporcionais e adequadas (STF – RE: 902261 SP 0029964-86.1999.4.03.6100, Relator: MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 22/09/2020, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 09/10/2020), o que não é o caso dos atos impugnados, que exigem, para compra de passagens com desconto por idosos, que a aquisição se dê com antecedência máxima de seis ou doze horas, ferindo por completo o princípio da razoabilidade, dificultando (restringindo) o direito à aquisição da passagem com desconto pelo idoso, tendo em conta que o transporte interestadual é de médio/longo prazo, exigindo no mais das vezes um planejamento maior por parte, sobretudo, de uma pessoa idosa, sendo logo incompatível com compra próxima ao horário da viagem.
9. Deve-se garantir ao idoso a possibilidade de adquirir os bilhetes com desconto assim que estejam disponíveis ao público em geral ou, ao menos, com antecedência compatível com o planejamento que a viagem interestadual exige, de forma a conferir a completa efetividade à norma inserta no art. 40, II, da Lei 10.741/2003, o que indubitavelmente não é o espírito que norteia o parágrafo único do art. 4º do Decreto nº 5.934/2006 (revogado), bem assim o § 2º do art. 3º da Resolução nº 1.692/2006 da ANTT, que implicam em séria e injustificável restrição ao direito, sendo destarte ilegais, assim como a norma reproduzida com idêntico teor no art. 40 c/c com o inciso II do caput do art. 35 do Decreto n. 9.921/19.
10. Por fim, quanto ao pedido do Ministério Público Federal para que se determine às rés que se abstenham definitivamente de realizarem nova regulamentação do art. 40, II, da Lei 10.741/2003, de fato não merece acolhida, pois limitaria prerrogativa legal e constitucionalmente prevista.
11. Apelações e reexame necessário desprovidos.
A decisão foi unânime.
Processo 0049705-64.2012.4.01.3400